Guia e Manual do Cultivador/II/III-XIII

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CAPITULO XIII.

CONTABILIDADE.

2124. A contabilidade não é menos necessaria ao agricultor do que ao fabricante, porque o agricultor dirigindo e aproveitando a energia productiva da terra, e servindo-se deste grande instrumento de producção, não é outra cousa senão um fabricante de generos ou productos agrarios. Empregando o seu trabalho, os seus capitaes, as suas terras, e o seu talento, que são os unicos elementos de toda a producção agricola, elle precisa conhecer ao certo os resultados deste emprego para avaliar com exactidão os proveitos que tira do seu grangeio; assim como quaes são os ramos de cultura, que lhe dão perda ou lucro, para se determinar pela sua rejeição ou adopção.

2125. Este conhecimento, porém, nunca o cultivador o poderá obter sem o auxilio de um bom systema de contabilidade, que deve ser o barometro de todas as suas operações. E na verdade só este systema o poderá esclarecer sobre a escolha dos methodos de cultura, e sobre a conveniencia comparativa destes methodos na sua localidade. - É nos seus livros de contas que o agricultor ha-de ler a historia de todas as suas operações agrarias, e o resultado das suas incessantes lidas - é ahi que elle ha-de encontrar umas vezes a animadora confiança, tão necessaria para emprehender ou continuar as emprezas uteis; ou o desengano salutar para abandonar ainda a tempo as ruinosas - é ahi que elle ha-de encontrar essa íntima satisfação proveniente da certeza de que trabalha com proveito para si e para seus filhos, e que mediante o favor e as bençãos da providencia ha-de recolher o fructo dos seus suores. Tambem se elle chegar a adoptar um bom systema de contas, nunca mais o abandonará, porque ha-de então reconhecer todas as suas vantagens; por isso que revelando-lhe esse systema, o que custa e o que produz qualquer ramo de cultura, já não ha-de cultivar ás cegas, e marchar com os olhos vendados, como todos os agricultores, que ou não fazem as suas contas, ou só fazem contas de sacco.

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2126. Este objecto não póde receber aqui o desenvolvimento de que era susceptivel; mas na impossibilidade de o tratarmos neste nosso livro, como convinha, indicaremos alguns dos seus principaes fundamentos.

2127. O agricultor, para organisar um bom systema de contabilidade agricola, deve primeiramente formar o inventario de tudo o que pertencer ao seu grangeio. O mez de janeiro é considerado como a epoca mais propria para proceder a este trabalho. As terras com as suas confrontações e avaliações; a mobilia, machinas, ferramentas e instrumentos agrarios com os seus respectivos preços; os generos, gados, e outros animaes, com os seus valores venaes, tudo deve ser discripto neste inventario.

2128. Deve além disto ter um livro de razão, onde lance diariamente todas as occurrencias dignas de mencionar-se. Assim as vendas, as trocas, os serviços dos trabalhadores, e dos animaes, o emprego dos estrumes e das sementes, as epocas da cobrição e do parto, o consumo dos generos, o pagamento dos salarios, n'uma palavra, tudo quanto possa servir de base á contabilidade, e ao governo economico da granja, ha-de lançar-se neste livro, que deve por consequencia encerrar todos os esclarecimentos necessarios á formação das contas d'ordem, das contas correntes, e das contas de cultura.

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2129. Para cada uma destas contas deve haver um caderno ou livro especial. No livro das contas de ordem devem lançar-se em primeiro logar todas as despezas geraes, como os impostos, o juro dos capitaes empregados, as despezas dos jornaes, o serviço dos jornaleiros e dos gados, os generos recolhidos, armazenados, ou consumidos, o valor e o consumo dos estrumes, o preço dos instrumentos agrarios, n'uma palavra, todos os objectos communs a diversos ramos de cultura.

2130. No livro das contas correntes hão-de destinar-se folhas diversas para cada uma das transacções do lavrador. E em cada uma destas folhas ha-de escrever-se a conta respectiva a cada uma das pessoas com quem o agricultor tiver negocios, ou transacções, como por exemplo, os jornaleiros, os abegões, o ferrador, &c. Mas para que n'uma vista d'olhos se conheça o estado de cada conta, deve escrever-se n'uma pagina o debito, e na outra o credito.

2131. No livro das contas de cultura hão-de lançar-se em separado o activo e o passivo, ou o producto e a despeza de qualquer especulação agricola, como por exemplo, a conta da cultura, dos cereaes, dos prados, das ovelhas, das vaccas, dos porcos, &c. N'uma columna devem tambem apparecer todas as verbas de despeza, como por exemplo, na conta dos cereaes, a renda do terreno, o preço das sementes, os jornaes dos ceifadores, dos sachadores, &c., e n'outra columna todas as parcellas do producto, como por exemplo, o preço do trigo, da palha, dos rastolhos, &c. Nestas contas devem tambem figurar as despezas adiantadas, e anteriormente feitas, como os estrumes que ficaram do anno antecedente, o valor dos alqueives, &c.

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2132. Além dos cadernos, ou livros que temos mencionado, haverá ainda um livro de caixa para nelle se registrar o resultado de todas as transacções que se fazem a dinheiro. Este livro deve tambem apresentar n'uma pagina a receita, e na fronteira a despeza. Na primeira carrega-se a verba do saldo existente no ultimo balanço, o preço dos generos vendidos, e finalmente toda e qualquer verba de receita proveniente de transacção productiva de dinheiro - na segunda todas as verbas de despeza provenientes de compras, de soldadas, de concertos, &c.

2133. Da somma, e comparação das verbas destas duas columnas resultará o balanço diario. Se as contas estiverem exactas, e não se tiver omittido verba alguma resultará sempre - que a somma de todas as parcellas de despeza, e do saldo que apparece na caixa deve ser egual á somma de todas as verbas recebidas, e do saldo que no balanço anterior ficára existindo em caixa.

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2134. Temos dado uma noção muito succinta, e certamente muito imperfeita do systema de contabilidade, apresentado na Casa Rustica do 19.º seculo, por Antonio de Roville. Lastimamos não poder desenvolver materia tão importante, e remettemos os nossos agricultores para o excellente artigo deste celebre pratico, onde encontrarão mais amplos e satisfatorios desenvolvimentos.