ÓPERA CÔMICA EM TRÊS ATOS.

ADAPTADO À CENA BRASILEIRA.

MÚSICA DE ABDON MILANÊS


1886


PERSONAGENS / ATORES editar

LUISINHA / Dona ROSA VILUOT

VALENTIM BRAGA, latoeiro - gêmeo de

JORGE BRAGA, capitão / Senhor VASQUES

GREGÓRIO, sargento / Senhor AREIAS

MATIAS DE ALBUQUERQUE, Governador

de Pernambuco / Senhor LISBOA

PANTALEÃO DE ARAGÃO, capitão de navio / Senhor PINTO

VICENTE / Senhor MESQUITA

UM AJUDANTE DE ORDENS / Senhor NINO

UM SOLDADO / Senhor CESAR

OUTRO / Senhor DIAS

UM REPOSTEIRO / Senhor MACHADO

UM CAPELAO / Senhor MACHADO

UMA NOIVA / N. N.


Latoeiros: mulheres, crianças, oficiais, soldados, banda marcial, convidados de ambos os sexos.

A ação passa-se em Pernambuco, no século XVII, durante a guerra dos holandeses; o primeiro ato no Recife, o segundo em Jaboatão, e o terceiro em Olinda, no palácio do Governador Matias de Albuquerque.

Ensaiador, Senhor Jacinto Heller; regente de orquestra Senhor Henrique de Mesquita; cenógrafo, Senhor Carrancini.

AO PROVECTO ATOR

ANTÔNIO JOSÉ AREIAS

Aceitando a dedicatória desta peça, a que tu, o grande Vasques, e outros colegas teus, muito distintos, ides, sem dúvida alguma, dar um magistral desempenho -, dá-me licença para contar-te ligeiramente a história do Herói á força, e pô-la nestas páginas à laia de advertência.

Há seis anos chegou a esta Corte, vindo de Portugal, e foi fazer parte da Companhia Heller, que então funcionava na Fênix Dramática, um ator, teu compatriota, cujo nome não preciso aqui citar.

Poucos dias depois de entrar para a Fênix, esse ator veio ter comigo e disse-me:

— Tenho em meu poder uma comédia por mim representada centenas de vezes em Portugal, e sempre com muito agrado. Mas infelizmente é uma peça sem música; não pertence ao gênero adotado pelo Senhor Heller. Desejo que me transforme essa comédia numa opereta, fazendo-a pôr em música por um compositor de talento. Só assim poderá ser representada na Fênix.

No dia seguinte, entregou-me um manuscrito, cuja primeira página rezava assim: "O Herói à força, comédia de espetáculo em 3 atos, imitação por A. de Menezes."

Imediatamente procedi à leitura, e reconheci que outra coisa não podia ser essa comédia senão Le Brasseur de Preston, velha ópera-cômica francesa, que eu apenas conhecia de tradição. O imitador tirara-lhe todo o canto. É singular que, sem esse atrativo, embora bem representada, a peça lograsse tanto êxito em Portugal. Imagina um libretto de ópera- cômica... sem música!

Debalde procurei então por toda parte um exemplar de Le Brasseur de Preston. Afinal, resolvi extrair a opereta da própria comédia manuscrita. Feito esse trabalho, incumbi de pô-lo em música o Senhor Federico Guzmán, distinto pianista e compositor chileno que se achava então de passagem nesta Corte. Infelizmente o trabalho do maestro não agradou ao empresário, o que não quer dizer que me desagradasse a mim, e o Senhor Guzmán levou consigo a partitura, quando se retirou, em 1882; para a Europa, onde faleceu há pouco mais de um ano.

Entretanto, o ator a que acima me referi, retirando-se da Fênix, esquecido do que convencionara comigo, representou no Politeama Fluminense (e sem me dizer palavra) a comédia tal qual fora arranjada pelo Senhor A. de Menezes.

Pouco depois desse ato, que eu não qualificarei, o artista repatriou-se, e nunca mais ouvi falar dele.

Em 1883 o meu amigo Senhor Abdon Milanês, que hoje todo o público fluminense conhece e aprecia, pediu-me um libretto para pôr em música. Lembrei-me do Herói à força, e em boa hora, porque o jovem maestro saiu-se admiravelmente; refiz o meu trabalho, e desta vez em presença do próprio original, que finalmente obtive. Não fiz propriamente uma tradução, mas uma "adaptação à cena brasileira". Transportei para Pernambuco, um pouco a trouxe-mouxe, confesso, a ação da comédia, e dei-lhe por época o Século XVII, que se prestava perfeitamente à trama do libretto. Introduzi no terceiro ato um personagem histórico, ousadia que, espero, me será desculpada, porque, em casos análogos, outros o têm feito antes de mim, e com menos verossimilhança. Conservei o titulo de Herói à força; certamente os meus escrúpulos se oporiam a isso, se eu não tivesse notícia, pelo referido Guzmán, de que havia com o mesmo título uma tradução espanhola da mesma peça. Além disso, Herói à força era um titulo que se impunha a este trabalho; a uma criança não ocorreria outro, e a mim me admira que os autores franceses não o houvessem aproveitado.

Tudo isto escrevo, meu Areias, para deixar aqui bem patente que este trabalho é uma adaptação de Le Brasseur de Preston, ópera-cômica em três atos, dos Senhores de Leuven e Brunswich, posta em música por Adolphe Adam, e representada pela primeira vez em Paris, no Teatro da Ópera-cômica, em 31 de outubro de 1838; nada aproveitei do Herói à força que há tempos foi exibido, uma ou duas vezes no Politeama Fluminense, por um simulacro de companhia dramática.

Um aperto de mão do amigo agradecido e admirador sincero,

Artur Azevedo
Rio de Janeiro, setembro de 1886.