Capítulo VII — Prosérpina, Glauco e Cila
editarProsérpina
editarQuando Júpiter e seus irmãos haviam derrotado os Titãs, tendo depois os banido para o Tártaro, um novo inimigo se levantou contra os deuses. Eram os gigantes Tifão, Breareu e Encélado, além de outros. Alguns deles tinham centenas de braços, outros soltavam fogo pela boca. Finalmente eles foram derrotados e sepultados vivos debaixo do Monte Etna, onde eles algumas vezes ainda lutam para se libertar, e causam tremor em toda ilha criando os terremotos. A respiração deles se ergue sobre a montanha, é quando os homens chamam isso de erupção do vulcão. A queda desses monstros abalou a terra, a ponto de Plutão ficar preocupado, temendo que o seu reino pudesse ficar exposto à luz do sol.
Diante dessa preocupação, ele montou em sua carruagem, puxada por cavalos negros, e desejou fazer um circuito de inspeção para fazer uma avaliação da extensão dos danos. Quando ele estava ocupado com tal missão, Vênus, que estava sentada sobre o Monte Érix brincando com Cupido, seu filho, decidiu dar uma espiada nele, e disse, "Meu filho, toma as tuas setas com as quais conquistais todo o mundo, até mesmo o próprio Jove, e arremete uma no peito daquele monarca sombrio, que governa o reino do Tártaro. Porque só ele deveria escapar? Aproveita a oportunidade de estenderes o teu império e o meu.
Não percebes que mesmo no céu existem aqueles que menosprezam o nosso poder? Minerva, a sábia, e Diana, a caçadora, nos desafiam; e tem também a filha de Ceres, que ameça seguir o exemplo delas. Ora, se tens qualquer consideração por teus próprios interesses ou pelos meus, uni esses dois como se fossem um." O garoto abriu a aljava, e escolheu a seta mais pontuda e mais certeira; em seguida, forçou o arco contra o joelho, esticou a corda, e, depois de pronto, disparou a seta com sua ponta mais afiada bem no meio do coração de Plutão. No vale do [[:w:Enna (província)|Enna] há um lago sombreado pela floresta, que o protege dos fervilhantes raios do sol, enquanto que o solo úmido fica coberto de flores, e a Primavera reina pela eternidade.
Nesse lugar, Prosérpina[1] estava brincando com suas companheiras, colhendo lírios e violetas[2], enchendo a sua cesta e o seu avental com eles, quando Plutão a viu, e se apaixonou por ela, e a levou embora. Ela gritou por socorro para a mãe e suas companheiras; e quando apavorada deixou que as dobras do avental se abrissem e com isso as flores caíram, sentindo infantilmente a perda delas como recrudescimento do seu pesar. O raptor apressou os cavalos, chamando cada um deles pelo nome, e soltando sobre suas cabeças e pescoços as rédeas cor-de-ferro. Ao atingir o Rio Cíano, este cruzou o caminho impedindo a sua passagem; com seu tridente ele tocou na margem do rio, e a terra se abriu e lhe deu passagem para o Tártaro.
Ceres procurou a sua filha pelo mundo todo. Aurora, a dos cabelos cintilantes, quando saiu pela manhã, e Héspero, ao anoitecer, quando conduzia de volta as estrelas, se encontraram com ela desesperada em sua busca. Mas nada havia encontrado. Finalmente, sentindo-se cansada e triste, ela se sentou numa pedra, e ali continuou sentada durante nove dias e noites, a céu aberto, sob a luz do sol e da lua e das chuvas que caíam. Isso aconteceu onde hoje fica a cidade de Elêusis, que era então o lar de um velho chamado Celeu[3]. Ele havia saído para os campos, para colher trigo e amoras silvestres, e um pouco de lenha para a fogueira.
Sua filhinha estava levando duas cabras para casa, e quando ela passou perto da deusa, que estava disfarçada de velhinha, falou para ela, "Mãe," – e este nome era doce para os ouvidos de Ceres, — "porque estás sentada aqui em cima das pedras?" O velho também parou, apesar do peso da sua carga, e pediu para que a deusa entrasse em sua choupana, pois era assim que parecia a sua casa. Ela declinou o convite, então, ele lhe falou. "Vai em paz," e ela respondeu, "e seja feliz junto de tua filha; porque a minha eu perdi." Enquanto falava, lágrimas – ou algo parecido com lágrimas, porque os deuses jamais choram – caíam pelo rosto e lhe molhavam o peito.
O piedoso velhinho e sua filha choraram com ela. Então, ele disse, "Vem conosco, e não menosprezes o nosso teto humilde; para que a sua filha lhe seja devolvida com segurança." "Está bem," disse ela, "Não posso recusar convite tão carinhoso!" Então, ela se levantou da pedra e os seguiu. Enquanto caminhavam, ele contou a Ceres que seu único filho, um garotinho ainda, estava muito doente, com febre, e não conseguia dormir. Ela se abaixou e colheu algumas papoulas. Quando entraram na choupana, perceberam que havia muita tristeza ali, pois o garoto parecia não mais ter chance de recuperação. Metanira, a mãe do garoto, a recebeu com cordialidade, a deusa, então, se inclinou e beijou os lábios do garoto enfermo.
No mesmo instante a palidez se desfez de sua face, e o seu corpo recuperou o vigor da saúde. Toda a família ficou maravilhada – isto é, o pai, a mãe, e a pequena garota, porque só havia eles; pois eles não tinham criados. Eles estenderam a mesa, e colocaram sobre ela coalhadas e creme, maçãs, e mel ainda no favo. Enquanto se alimentavam, Ceres misturou suco de papoula no leite do garoto. Quando a noite chegou e tudo estava calmo, ela se levantou, e pegando o garoto que ainda dormia, passou as mãos pelos braços e pernas do garoto, e por três vezes pronunciou um encantamento solene, e em seguida o colocou sobre as cinzas.
A mãe dele, que observava tudo o que a visitante estava fazendo, deu um pulo e gritou ao mesmo tempo que tirava a criança do fogo. Então Ceres retomou a sua forma verdadeira, e um esplendor divino brilhou por toda parte. Assim que ficaram tomados de assombro, ela falou, "Mãe, tens sido cruel na maneira como amas a teu filho. Eu o teria tornado imortal, mas tu frustaste minha tentativa. Não obstante, ele será grande e útil. Ele ensinará aos homens o uso do arado, e as recompensas que o trabalho pode trazer com o cultivo do solo." E assim dizendo, envolveu-se numa nuvem, montou em sua carruagem e foi embora.
E Ceres continuou a sua busca pela filha, viajando de país em país, e atravessando rios e mares, até que finalmente ela retornou para a Sicília, de onde ela tinha partido à princípio, e ficou às margens do Rio Cíano, onde Plutão havia criado uma passagem levando o seu prêmio até os seus domínios. A ninfa dos rios teria dito à deusa tudo o que ela havia testemunhado, mas ela não ousou dizer, com medo de Plutão; então, ela somente se arriscou a pegar o cinto que Prosérpina havia derrubado durante a fuga, e delicadamente o colocou sob os pés da sua mãe. Ceres, ao ver isso, não teve mais dúvida de que a filha estava perdida, mas ela ainda não sabia o motivo, e botou a culpa sobre a terra inocente.
"Solo ingrato," disse ela, "que te cobri de fertilidade e te vesti com ervas e grãos nutritivos, nunca mais desfrutarás de minhas benevolências." Então, o gado morreu, o arado se quebrou durante o trabalho, as sementes nunca mais germinaram; havia sol em excesso, e a chuva caía torrencialmente; os pássaros roubavam as sementes – apenas o que nascia eram cardos e espinheiros. Ao ver isto, a fonte Aretusa intercedeu pela terra.
"Deusa," disse ela, "não culpe a terra; ela se abriu involuntariamente para dar passagem à tua filha. Posso lhe falar sobre o destino de tua filha, pois eu a vi. Esta não é a terra onde nasci; de Élida eu vim para cá. Eu era a ninfa dos bosques, e me deliciava com a caça. A minha beleza era exaltada, mas eu não dava nenhuma importância para isso, muito pelo contrário, eu me vangloriava com as façanhas da caça. Um dia eu estava retornando da floresta, e sentia muito calor por causa dos exercícios, quando cheguei perto de um riacho que corria silenciosamente, ele era tão límpido que se poderia contar os seixos que estavam no fundo. Os salgueiros faziam sombra para ele, e as margens forradas de relva escorriam até a extremidade das águas.
Me aproximei, e toquei a água com os meus pés. Entrei até a altura do joelho, e ainda, não inteiramente satisfeita, coloquei as minhas vestes sobre o salgueiro e entrei. Enquanto me divertia na água, ouvi um murmúrio inconfundível que saía das profundezas do riacho: e apressei-me para fugir para a margem próxima. A voz dizia, “Porque foges, Aretusa? Eu sou Alfeu, o deus deste rio.” Fugi mas ele me perseguiu; ele não era mais ágil que eu, porém, era mais forte, e então, ele ganhou de mim, porque me faltaram as forças. Por fim, exausta, implorei ajuda à deusa Diana.
“Ajuda-me, deusa! ajuda tua defensora!” A deusa ouviu, e de repente me envolveu numa nuvem espessa. O deus do rio olhava para todos os lados, e duas vezes ele havia chegado perto de mim, mas não conseguia me encontrar. “Aretusa! Aretusa!” ele gritava. Oh, como eu tremia, — parecia um cordeiro que ouve o lobo uivando fora do covil. Um suor frio cobria todo o meu corpo, meus cabelos escorriam como o curso dágua; e onde os meus pés estavam formou-se uma lagoa. Resumindo, numa fração de segundos eu havia me transformado numa fonte. Mas mesmo nesta forma Alfeu me reconheceu e tentou misturar o curso do seu rio com a correnteza da minha fonte.
Diana fendeu o solo, e eu, esforçando-me para fugir dele, mergulhei para dentro da caverna, e atravessando as entranhas da terra vim sair aqui na Sicília. E ao penetrar as camadas intestinas da terra, pude ver a tua Prosérpina. Ela estava triste, mas não exibia mais preocupação em seu semblante. A sua aparência era tal qual uma rainha — a rainha do Érebo; a poderosa noiva do monarca do reino dos mortos." Quando Ceres ouviu isto, ela ficou perplexa por alguns momentos; depois, virou sua carruagem com destino ao céu, e depressa foi se apresentar diante do trono de Jove.
Ela contou toda a sua história de sofrimento, e implorou a Júpiter para que interferisse na busca pela devolução de sua filha. Júpiter concordou apenas com uma condição, a de que Prosérpina durante a sua permanência no baixo mundo nada tivesse comido; caso contrário, as Parcas proibiriam a libertação dela. De modo que Mercúrio foi enviado, acompanhado da Primavera, para exigir que Plutão devolvesse Prosérpina. O astucioso monarca concordou; porém, ó infortúnio! a donzela havia aceitado uma romã que Plutão lhe havia oferecido, e já havia sugado a polpa doce de algumas das sementes.
Isso já bastava para impedir que fosse libertada imediatamente; mas fizeram um compromisso, onde ela teria de passar metade do tempo com a sua mãe, e a outra metade com seu marido Plutão. Ceres ficou satisfeita com este acordo, e devolveu à terra todas as suas dádivas. Então, ela se lembrou de Celeu e de sua família, e da promessa que havia feito a seu filho Triptólemo. Quando o garoto cresceu, ela ensinou para ele o uso do arado, e arte de semear as plantas. Ela o colocou em sua carruagem, puxada por dragões alados, e atravessou todas as regiões da terrra, favorecendo a humanidade com cereais preciosos, e o conhecimento da agricultura.
Depois que ele retornou, Triptólemo construiu um templo magnífico a Ceres na cidade de Élida, e estabeleceu a adoração à deusa, sob a denominação de mistérios de Elêusis, o qual, o esplendor e a solenidade do culto à deusa, era muito superior a todas as outras celebrações religiosas entre os gregos. Pouco podemos duvidar de que a história de Ceres e Prosérpina se tornou uma alegoria. Prosérpina significa a semente do trigo que quando lançada ao solo fica lá escondida — isto é, ela é arrastada pelo deus do submundo. E então, ela reaparece — isto é, Prosérpina é devolvida à sua mãe. A Primavera a traz de volta à luz do dia.
Milton faz alusão à história de Prosérpina em seu "Paraíso Perdido," Livro IV.:
". . . Não naquele lindo campo de Ena
onde Prosérpina colhia flores,
Sendo ela mesma a flor mais bela,
Sequestrada pelo tenebroso Dis,
que custou muitas dores a Ceres
Percorrendo todo o mundo, —
... pudesse ela lutar contra este Paraíso do Éden."
Thomas Hood, em sua "Ode à Melancolia,"[4] faz a mesma alusão de maneira belíssima:
"Perdoa se de algum modo esqueci,
Na dor de gozar a felicidade presente;
Assim como a Prosérpina assustada deixa cair
Suas flores diante de Dis."
O Rio Alfeu de fato desaparece debaixo do submundo, pelo menos em parte do seu curso, percorrendo seu caminho pelos canais subterrâneos até reaparecer novamente na superfície. Dizem que a fonte Aretusa, na Sicília, fazia parte da mesma corrente, a qual, depois de fazer seu curso por debaixo do mar, ressurgia novamente na Sicília. Diz também a lenda que uma taça lançada no rio Alfeu aparecia novamente na fonte Aretusa. É esta fábula do curso subterrâneo de Alfeu que Coleridge se refere em seu poema de "Kubla Khan":
"Em Xanadu, Kubla Khan mandou construir a casa dos prazeres
Onde Alfeu, o rio sagrado,
Corria através de cavernas imensuráveis,
Debaixo do mar onde o sol não podia entrar."
Em um dos poemas juvenis de Thomas Moore ele faz à seguinte alusão à mesma história, e com relação à prática de lançar guirlandas ou outros objetos leves em suas águas para serem arrastadas pela corrente, para que elas reaparecessem:
"Oh minha amada, que doce divindade
E pura alegria quando almas afins se encontram!
Como ele o deus dos rios, cuja águas correntes,
Iluminadas pelo amor através de cavernas subterrâneas,
Bafejando em triunfo os laços de flores
E os círculos festivos, com os quais donzelas olímpicas
Enfeitaram o seu curso, e como oferta adequada
Coloca-se aos pés ilustres de Aretusa.
Imagine, quando finalmente ele encontra sua noiva da fonte,
Que perfeito amor deve vibrar a maré entrelaçada!
Um se diluindo no outro, até se tornarem um só,
Destinos iguais para a sombra ou para o sol,
Vivendo o amor verdadeiro, fluindo até as profundezas."
Os versos a seguir extraídos de "Rimas na Estrada" de Moore faz um relato de uma famosa pintura de Albano, em Milão, chamado de Dança dos Amores:
“Foi por causa do roubo das flores de Ena da Terra
Que esses diabretes celebram a dança da alegria,
Ao redor da árvore verdejante, como fadas da saúde; —
Aqueles que estão mais próximos associados numa ordem perfeita,
Rostinhos enfileirados, como botões de rosas numa coroa de flores;
E aqueles mais distantes se exibindo em plano inferior
Enquanto as asas do irmão mais velho com seus olhos de luz.
São observadas por entre as nuvens,
Mas voando para o alto, reflete isso com um sorriso de alegria,
Esta brincadeira de Plutão para sua mãe encantada,
Que com um beijo retribui a felicidade."
Glauco era um pescador. Um dia, ele recolheu sua rede de pesca, e nesse dia ele havia feito uma coleta de muitos peixes de vários tipos. De modo que ele esvaziou a rede, e começou a selecionar os peixes sobre a relva. O lugar onde ele se encontrava era uma bela ilha no meio do rio, um recanto solitário e desabitado, e jamais utilizado por pastores de gado, nem sequer visitado por ninguém exceto ele mesmo. De repente, os peixes, que haviam sido colocados na relva, começaram a reviver e a mover suas barbatanas como se estivessem dentro da água; e enquanto ele olhava isso assustado, todos eles de uma só vez se moveram em direção à água, mergulhando e nadando para bem longe.
Ele não entendeu o que havia provocado aquilo, se fora obra de alguma divindade ou se fora resultado de algum poder secreto das ervas. "Que erva teria tal poder?" exclamou ele; e colhendo algumas delas, quis provar. Mal havia sentido o sabor dos sucos da planta no paladar quando subitamente sentiu-se tomado por uma agitação e um desejo incontrolável de entrar na água. Ele não conseguiu se conter, mas despediu-se da terra, e mergulhou na correnteza do rio. Os deuses da água o receberam com cordialidade, e o acolheram com honra em sua companhia. Eles conseguiram a permissão de Oceano e de Tétis, os soberanos dos mares, para que retirassem dele tudo que fosse mortal.
Centenas de rios lançaram suas águas sobre ele. Então, ele perdeu toda noção de sua condição anterior e toda consciência. Quando ele voltou a si, ele viu-se totalmente modificado tanto na forma como no espírito. Seus cabelos era verdes como o mar, e deixava seus rastros na água a medida que avançava; seus ombros ficaram mais largos, e o que antes tinham sido coxas e pernas assumiram a forma de um rabo de peixe. Os deuses dos mares o saudaram pela transformação da sua aparência, e ele ficou imaginando que ele havia se transformado uma criatura de bom aspecto.
Um dia Glauco se encontrou com Cila, a bela donzela, a favorita das ninfas das águas, perambulando pela praia, e tendo ela encontrado um local protegido, banhou seus braços e pernas nas águas claras. Imediatamente Glauco se apaixonou por Cila, e emergindo da superfície, falou com ela, dizendo-lhe coisas que ele achava as mais adequadas para conseguir fazer com que ela ali permanecesse; mas no mesmo instante, ao vê-lo, ela começou a correr, e correu até alcançar um penhasco que dava para o mar. Em determinado momento ela parou e olhou ao redor para ver se ele era um deus ou um animal marinho, e maravilhada observou a sua forma e cor.
Glauco emergiu parcialmente da água, e se apoiou de encontro a um rochedo, e disse, "Minha jovem, não sou um monstro, nem um animal marinho, porém, sou uma divindade; e nem Proteu nem Tritão são maiores do que eu. Antes eu era um mortal, e precisava do mar para viver; mas agora eu pertenço inteiramente a ele." Então, ele contou a história da sua metamorfose, e como ele havia sido alçado à condição atual, e disse, "Mas de que vale tudo isto se não consigo tocar teu coração?" Ia continuar no mesmo diapasão, mas Cila se virou e foi embora.
Glauco ficou desesperado, mas lhe ocorreu de consultar a feiticeira Circe. De modo que ele se dirigiu à ilha onde ela morava — a mesma onde Ulisses desembarcaria posteriormente, como veremos mais tarde em uma de nossas histórias. Depois das saudações mútuas, ele falou, "Deusa, recorro à tua piedade; somente tu podes aliviar a dor que sinto. O poder das ervas conheço como ninguém, pois a elas devo a minha metamorfose. Amo Cila. Tenho vergonha de confessar-te as cortes e as promessas que fiz a ela, e como ela tem me tratado com desdém.
Imploro-te para que uses de teus encantamentos, ou de ervas potentes, caso sejam elas mais poderosas, não para me curar do amor, — posto que não é isso que desejo, — mas para fazer com que ela compartilhe e me conceda igual tratamento." Ao que Circe respondeu, pois que ela não era insensível aos encantos da divindade verde do mar, "Seria melhor que perguisses um objeto de desejo; pois és digno de serdes desejado, ao invés de tentares conseguir em vão."
"Não sejas tímido, conhece teu próprio valor. Declaro-te que até mesmo eu, mesmo sendo uma divindade, e tendo o conhecimento das plantas e dos encantamentos, jamais teria a coragem de rejeitá-lo. Despreza-a se ela te despreza; encontra alguém que esteja pronta no meio do caminho, e que atenda à necessidade de ambos imediatamente." Ao ouvir estas palavras Glauco respondeu, "É mais fácil que árvores cresçam no fundo do oceano, e algas no topo das montanhas, do que eu deixe de amar Cila, e a ela somente."
A deusa ficou indignada, mas ela não poderia puní-lo, nem era isso o que ela sentia, porque ela também o amava; então, ela voltou todo seu ódio contra a sua rival, a pobre Cila. E colhendo plantas com poderes venenosos, misturou todas elas juntas, com encantamentos e feitiçarias. Depois ela atravessou uma multidão de animais saltitantes, que tinham sido vítimas de sua magia, e rumou para a costa da Sicília, onde Cila vivia. Lá havia uma pequena baía na praia onde Cila costumava ir, no calor do dia, para respirar o ar marinho, e se banhar em suas águas.
Foi aí que a deusa lançou a sua mistura venenosa, e pronunciou encantamento de grande efeito. Cila vinha como habitualmente fazia e mergulhou nas águas até a cintura. Qual não foi o seu horror ao perceber uma ninhada de serpentes e de monstros assustadores ao seu redor! A princípio ela não podia imaginar que eles faziam parte dela mesma, e tentou correr deles, para afugentá-los; mas a medida que fugia ela os arrastava consigo, e quando ela tentou tocar os seus membros, ela sentiu que as suas mãos tocavam somente as bocas escancaradas dos monstros.
Cila sentiu-se presa no lugar. O seu temperamente ficou tão deformado como o seu aspecto, e ela se deliciava em devorar infelizes marinheiros que estavam ao seu alcance. Foi assim que ela destruiu seis dos companheiros de Ulisses, e tentou naufragar os navios de Eneias, até que finalmente ela foi transformada num rochedo, e como tal continuar a ser o terror dos marinheiros.
Keats, em seu "Endimião," oferece uma nova versão para o final de "Glauco e Cila." Glauco se entrega às carícias de Circe, até que ele assiste, por acaso, as suas feitiçarias com os animais. Desgostoso com a traição e a crueldade dela, ele tenta fugir dela, mas é capturado e trazido de volta, e então, ela o repreende e o expulsa , condenando-o a passar mil anos com dores e sofrimentos.
Ele retorna ao mar, e lá ele encontra o corpo de Cila, a quem a deusa não transformou mas a havia afogado. Glauco aprende que o seu destino seria esse mesmo, e se ele passa mil anos nesse lugar resgatando todos os corpos dos amantes afogados, um jovem amado dos deuses irá aparecer para auxiliá-lo. Endimião cumpre a promesa, e ajuda a restaurar à vida a juventude de Glauco, de Cila e de todos os apaixonados que morreram afogados.
O relato de Glauco com relação a seus sentimentos depois de sua "metamorfose marinha" diz o seguinte:
"Mergulhei para a vida ou a morte.
Para ofuscar os sentidos de alguém com um suspiro tão denso
Que parecia ser obra da dor;
Portanto, não consigo admirar o suficiente e como era lisa como o cristal,
Flutuando em torno de meus braços.
A princípio habitei dias e dias inteiros em completa perplexidade;
Totalmente esquecido das próprias intenções,
Movimentando-me apenas com o fluxo e o refluxo da maré.
Então, como um pássaro recém nascido
Que mostra suas asas estendidas para o frio do amanhã,
Tentei com medo os ferrões da vontade.
“Isso era a liberdade! e pela primeira vez visitei
As maravilhas infinitas deste leito do oceano," etc.
Ver também
editarNotas e Referências do Tradutor
editar- ↑ Na mitologia grega, Perséfone ou Koré corresponde à deusa romana Prosérpina ou Cora. Era filha de Zeus e de Deméter, deusa da feminilidade e da agricultura, tendo nascido antes do casamento de seu pai com Hera.
- ↑ Oxford University Press: site que relata o rapto de Prosérpina, em inglês.
- ↑ Celeu: rei de Elêusis, antiga cidade da Grécia, na mitologia grega, marido de Metanira (ou Metaneira) e suas quatro filhas se chamavam Calídice, Demo, Cleisídice e Calítoe.
- ↑ Ode à Melancolia, na íntegra, em inglês.