Capítulo XV

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Perseu transformando Polidecto e seus seguidores em Pedra.
ilustração de Luca Giordano (1634-1705).

As Greias eram três irmãs que haviam nascido com cabelos grisalhos, daí esse nome. As Górgonas eram criaturas monstruosas com dentes enormes parecidos com os de porcos, garras de bronze, e pele de serpentes. Nenhuma destas criaturas tiveram muito destaque na mitologia, com exceção da Medusa, que era uma Górgona, cuja história iremos contar agora. Vamos citá-la apenas como introdução de uma teoria criativa de alguns escritores modernos, onde dizem eles, que as Górgonas e as Greias eram apenas personificações dos horrores do mar, sendo que as primeiras eram as representantes das ondas gigantescas do vasto oceano, e as últimas, a personificação das ondas, com suas espumas brancas avançando contra os rochedos da costa litorânea. Suas denominações em grego justificam a tradição que carregam.

Perseu segurando a cabeça da Medusa.
ilustração de Sebastiano Ricci (1659-1734).

Perseu era filho de Júpiter e Dânae. Acrísio, seu avô, chocado com as previsões do oráculo que lhe havia vaticinado, que o filho da sua filha seria o causador de sua morte, ordenou que mãe e filho fossem colocados numa arca e ficassem à deriva no mar. A arca flutuou até a ilha de Sérifos, onde ela foi encontrada por um pescador, o qual levou mãe e filho até Polidecto, rei daquele país, por quem foram tratados com gentileza. Quando Perseu cresceu, Polidecto o enviou para que tentasse a conquista de Medusa, um monstro terrível que causava grande devastação no país. Ela era uma linda donzela, cujos cabelos eram seu maior triunfo, mas como ela ousou comparar sua beleza com a de Minerva, a deusa a destituiu de seus encantos e transformou suas lindas madeixas em serpentes sibilantes.

Ela se tornou um monstro cruel, de aspecto tão assustador, que nenhuma criatura viva poderia contemplá-la sem se transformar numa pedra. Por todos os cantos da caverna onde ela habitava viam-se figuras petrificadas de homens e de animais que ousaram olhar para ela e foram transformados em pedra. Perseu, favorecido por Minerva e por Mercúrio, tendo a primeira lhe emprestado seu escudo e o último seus sapatos alados, se aproximou da Medusa enquanto ela dormia, e tomando cuidado para não olhar diretamente para ela, porém, orientado pela sua imagem que era refletida no brilho do escudo que trazia nos braços, cortou a cabeça dela e a entregou para Minerva, que a fixou no meio do Égide.

Milton, em seu "Comus," assim se refere ao Égide:

"Que escudo era aquele da Górgona com cabeça de serpente
Que a sábia Minerva, virgem impoluta, usava,
Com o qual congelava o inimigo em pedra compacta,
Com seus olhares firmes de casta austeridade,
E nobre encanto a enfrentar a violência bruta
Com a adoração repentina e o espanto sem expressão!"

John Armstrong (1709–1779), o poeta da "Arte de Preservar a Saúde," assim descreve o efeito do congelamento pelas águas:

"O vento furioso do norte sopra agora,
Causando calafrios nas regiões inóspitas, ao passo que encantos mais fortes
Que os da Circe ou derrubados pelos atos de Medeia,
Onde cada riacho nem sequer toca suas margens
Descansa tranquilo, encravado entre os barrancos,
Nem movimenta os juncos secos ...
Os vagalhões fisgados pelos furiosos ventos do Nordeste,
Sacudindo nervosamente suas cabeças furiosas,
Golpeados até pelas espumas em completo desatino
E se transformando em gelo monumental.
Efeitos extraordinários,
Tão severos, tão repentinos, moldaram o aspecto grisalho da terrível Medusa,
Quando, ao vagar pelas florestas, ela transformou em pedra
Seus moradores selvagens; assim como o leão espumante
Salta furioso sobre sua presa, sua energia mais poderosa
Ultrapassa em muito sua ferocidade,
E fixo nessa feroz atitude permanece ele
Como o ódio marmorizado!"

--Imitações de Shakespeare.

Perseu e Atlas

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Atlas e Perseu
ilustração de Johann Wilhelm Baur (1607-1647).

Depois que a Medusa foi morta, Perseu, trazendo consigo a cabeça da górgona, voou para todos os cantos, sobre o continente e sobre o mar. Assim que a noite chegou, ele atingiu o limite ocidental da Terra, onde o sol repousa. E ali, com grande alegria teria ficado até o amanhecer. Pois ali era o reino do rei Atlas, cuja força ultrapassava a de todos os homens. Era imensamente rico em rebanhos e manadas, e não tinha nenhum vizinho ou rival que lhe disputasse as terras. Porém, seu maior orgulho, eram seus pomares, cujos frutos eram de ouro, pendurados em galhos dourados, parcialmente ocultos por folhas de ouro. Perseu disse para ele, "Estou chegando como hóspede. Se honrais uma descendência ilustre, tenho Jupiter como meu pai; porém, se tua honra for por feitos valorosos, reivindico a conquista da Górgona.

“Procuro descanso e alimentação." Mas, Atlas se lembrou de uma antiga profecia que o advertira de que um filho de Jove um dia lhe roubaria uma de suas maçãs de ouro. Então, Atlas respondeu, "Vái embora! ou nenhuma de suas falsas pretensões de glória nem teu parentesco irão te proteger;" e tentou expulsá-lo. Perseu, percebendo que o gigante era muito forte para ele, disse, "Uma vez que menosprezas minha amizade, digna-te aceitares um presente;" e virando o rosto para o lado, segurou a cabeça da górgona. Atlas, embora truculento, foi transformado numa pedra. Sua barba e seus cabelos se transformaram em florestas, seus braços e ombros em despenhadeiros, sua cabeça numa cúpula, e seus ossos em pedras. Cada parte de seu corpo aumentou de tamanho até que ele se tornou uma montanha, e arrebatadora era a alegria dos deuses, que o céu com todas as suas estrelas ficaram sobre seus ombros.

O Monstro do Mar

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Perseu e Andrômeda.
ilustração de Anton Raphael Mengs (1728-1779).

Perseu, continuando em seu voo, chegou até o país dos etíopes, onde Cefeu era rei. Cassiopeia, sua rainha, orgulhosa de sua beleza, havia ousado se comparar às Ninfas dos Mares, fato esse que despertou tamanha indignação que lhe foi enviado um prodigioso monstro marinho para devastar o litoral. Para acalmar as divindades, Cefeu foi orientado por um oráculo para que entregasse sua filha Andrômeda para ser devorada pelo monstro. Assim que Perseu olhou para baixo, de suas alturas atmosféricas, viu ele a virgem acorrentada a uma pedra, esperando a aproximação da serpente.

Ela estava tão pálida e aterrorizada que se não tivesse sido por suas lágrimas que escorriam e pelos seus cabelos que deslizavam ao vento, ele teria pensado que ela era uma estátua de mármore. Tão surpreso ficou ele diante do que viu, que ele quase se esqueceu de movimentar suas asas. E, pairando sobre ela, falou, "Ó virgem, indigna de correntes tão pesadas, exceto aquelas que prendem os que se amam, diga-me, imploro, o teu nome, e o nome do teu país, e porque te encontras assim algemada." A princípio ela ficou calada por causa da modéstia, e, se pudesse, teria ocultado o rosto com as mãos; mas, quando ele repetiu as perguntas, com medo de ser considerada culpada de alguma falta que ela não havia ousado cometer, ela revelou o seu nome e o de seu país, e o orgulho que sua mãe tinha por sua beleza.

Antes que ela tivesse terminado de falar, um som que vinha da água foi ouvido, e o monstro do mar apareceu, levantando a cabeça acima da superfície, e rasgando as ondas com seu peito enorme. A virgem gritou, o pai e a mãe, que no momento haviam chegado no local, desesperaram-se os dois, a mãe, porém, mais ainda, incapaz de oferecer proteção, conseguindo apenas se lamentar e abraçar a vítima. Então, Perseu falou: "Haverá tempo o bastante para as lágrimas; o tempo de que dispomos é para salvá-la. "

"A minha condição como filho de Jove e a minha fama como matador da Górgona poderia me tornar aceitável como pretendente; porém, tentarei conquistá-la com os serviços oferecidos, se os deuses me forem favoráveis. Se ela for salva pelo meu valor, exijo que ela seja a minha recompensa." Os pais concordaram (como poderiam eles hesitar?) e prometeram para ela um dote real.

E nesse instante o monstro já estava à distância de uma pedra atirada por um hábil operador, quando, num salto repentino, o jovem a levantou no ar.

Como uma águia, que de seu voo majestoso avista uma serpente se aquecendo sob o sol, salta sobre o animal e o prende pelo pescoço impendindo que ele girasse a cabeça, e usasse suas garras, então o jovem pulou sobre as costas do monstro e mergulhou sua espada em suas espáduas. Irritado com o ferimento, o monstro se levantou no ar, e depois mergulhou nas profundezas; em seguida, qual um javali, cercado por um bando de cães a latir, virou-se rapidamente de um lado para outro, enquanto o jovem, como movimentos alados, se desviava dos ataques.

Sempre que encontrava uma passagem entre as escamas para a sua espada criava um ferimento, perfurando ora um lado, ora o flanco, a medida que descia em direção à cauda. O monstro jorrava de suas narinas água misturada com sangue. As asas do herói ficaram umidecidas por causa disso, e ele não ousou mais confiar nelas. Pousando sobre um rochedo que se erguia acima das ondas, e segurando um fragmento de projeção, quando o monstro apareceu, desfechou nele o golpe mortal.

As pessoas que se aglomeravam na praia gritavam tanto que as colinas ecoavam os gritos. Os pais, em transportes de alegria, abraçaram o futuro genro, chamando-o de libertador e de salvador da família, e a virgem, causa e recompensa de todo desafio, desceu do rochedo. Cassiopeia era etíope, e consequentemente, negra, não obstante sua beleza estonteante; pelo menos assim pensava Milton, que se refere a esta história em seu "Penseroso," onde ele alude à [[::Melancolia|Melancolia]] como a

".... deusa, sábia e sacrossanta,

Cuja visão beatífica excede em brilho

Para tocar o sentido da visão humana,

E, portanto, para uma visão mais fraca

Sobrecarregada com os tons da Sabedoria negra e sóbria.

Negra, e com tamanha ternura

Somente poderia convir à irmã do Príncipe Memnon,

Qual estelar rainha etíope

Esforçando-se para entronizar sua beleza

Acima das ninfas marinhas, ofendendo-lhes os poderes."

Cassiopeia é chamada de "estelar rainha etíope" porque, depois que ela morreu, ela foi colocada entre as estrelas, formando a constelação que leva esse nome. Embora ela tivesse conquistado esta honra, as ninfas do mar, suas velhas inimigas, prevaleceram a ponto de fazer com que ela fosse colocada naquela parte do céu perto do polo, onde todas as noites é mantida metade do tempo com sua cabeça para baixo, para dar a ela uma lição de humildade.

Memnon foi um príncipe etíope, do qual falaremos num capítulo futuro.

A Festa de Núpcias

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Os pais joviais, acompanhados de Perseu e Andrômeda, se dirigiram ao palácio, onde um banquete fora preparado para eles, e tudo era alegria e festividade. Mas, de repente, um barulho de clamor belicoso foi ouvido, e Fineu, o noivo da virgem, com um grupo de partidários, adentrou o recinto, exigindo a donzela como sua. Foi em vão que Cefeu protestou. -- "Você deveria tê-la reivindicado quando ela estava presa ao rochedo, como vítima do monstro. A condenação dos deuses, relegando-a a destino tão cruel diluiu todos os compromissos, como teria ocorrido com a própria morte."

Fineu não respondeu, mas lançou em cima de Perseu seu dardo, e este errando o alvo caiu sem causar nenhum dano. Perseu, por sua vez, teria lançado outro dardo, mas o assaltante covardemente correu para se proteger atrás do altar. Este ato, porém, foi o sinal para uma investida de seu grupo contra os convidados de Cefeu. Estes se defendiam e um conflito geral se desencadeou, e o velho rei se retirou do cenário depois de infrutíferas admoestações, invocando os deuses para testemunharem a sua inocência com relação ao ultraje sobre os direitos da hospitalidade.

Perseu e seus amigos sustentaram durante algum tempo o desafio desigual; mas o número dos atacantes era demasiado grande para eles, e a destruição parecia inevitável, quando um pensamento repentino iluminou Perseu, -- "Farei com que minha inimiga (Medusa) me defenda." Em seguida, exclamou em voz alta, "Se eu tiver algum amigo aqui, virem seu olhos!" e levantou no alto a cabeça da Górgona. "Não procures nos assustar com teus truques," disse Tesceleu, erguendo seu dardo pronto para lancá-lo, tornando-se pedra na mesma posição. Ampix ia mergulhar sua espada no corpo do inimigo prostrado, porém, seu braço endureceu não conseguindo ele fazer nenhum movimento, nem retirá-lo. Um outro, em pleno desafio atroz, parou, com sua boca aberta, porém, sem emitir som algum. Aconteu, um dos amigos de Perseu, olhou a Górgona de frente e ficou petrificado como os demais. Astíages golpeou-lhe com a espada, mas ao invés de ferir, ela retrocedeu com um forte repique.

Fineu contemplou o terrível resultado de sua agressão injusta, e se sentiu confuso. Gritou pelos seus amigos, porém, não obteve resposta; ele os tocou e percebeu que haviam sido petrificados. Caiu de joelhos e estendeu suas mãos para Perseu, e virando sua cabeça de lado implorou por misericórdia. "Leva tudo," disse ele, "poupa-me apenas a vida." "Covarde desprezível," disse Perseu, "tanto lhe darei; que nenhuma arma irá tocá-lo; além disso, você será conservado em minha casa como lembrança destes acontecimentos." E assim dizendo, posicionou a cabeça da górgona para o lado onde Fineu estava olhando, e ajoelhado como estava, com suas mãos estendidas e com o rosto virado, ficou paralizado sem movimentos, como uma pedra massificada!

A alusão a seguir feita sobre Perseu vem de Samor[1], de autoria de Henry Hart Milman (1791-1868)[2].

"Em plena núpcias legendária da Líbia

Estava Perseu em sisuda tranquilidade de indignação,

Meio de pé, meio flutuando com suas plumas nos tornozelos

Transpirando de suor, enquanto a face brilhante do seu escudo

Transformando em pedra o violento combate; e assim crescendo,

Porém, sem a magia dos braços, usando apenas

O controle apavorante de seu olhar firme,

O Samor britânico; com seu pavor crescente

Fugiu para o exterior, e o turbulento salão ficou mudo."

Veja também

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Notas e Referências do Tradutor

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  1. Samor, the Lord of the Bright City (Samor, o Senhor da Cidade Brilhante)
  2. Henry Hart Milman (1791-1868)