1) Coagido o EGO entre as forças imperiosas do ID, que exigem a satisfação de seus impulsos instintivos, e a inflexível censura do SUPER EGO que freqüentemente a proíbe, por vezes, vê-se na contingência de sucumbir a uma ou a outra. Nestes casos o EGO precisa usar de certos mecanismos ou artifícios para aquietar o ID ou para dissimular ou desculpar seu modo de proceder diante das críticas do SUPER-EGO

Observado primeiramente por Breuer, este procedimento defensivo do EGO, e atestado a seguir, por Freud, foi designado por ambos com o nome de "mecanismo de defesa". Por volta de 1900 Freud lhe deu o nome de "recalque". Mais tarde porém, Freud tornou a usar a primeira designação como denominação geral e utilizou a segunda para designar uma das espécies das "defesas do EGO".

2) O RECALQUE E A REPRESSÃO

O recalque nasce de um conflito entre duas tendências opostas; as exigências do ID e a censura do SUPER-EGO. Pelo recalque, o EGO do indivíduo rejeita inconscientemente para fora do campo da consciência uma representação (idéia-imagem) ou uma emoção (afeto-sentimento) atuais ou em forma de lembranças nascidas das exigências do ID, mas consideradas intoleráveis pelo SUPER-EGO, por serem anti-sociais e antimorais. Mas, banidas da consciência, nem por isso desaparecem. Elas permanecem na memória do inconsciente dinâmico, teimando constantemente por reaparecer na consciência, o que obriga o EGO a uma luta constante de repressão e recalque de tais lembranças e atitudes impulsivas do ID. Seu único objetivo é o de fugir ao desprazer, causado pelo conflito, para o qual o recalque cria uma formação substitutiva, como o esquecimento de nomes, os “atos falhos”, os sonhos, etc., se fracassar antes. Se fracassar neste objetivo, o resultado será geralmente a neurose.

O recalque converteu-se de imediato para os psicanalistas na pedra "angular" da compreensão das neuroses. Muitos chegaram a confundir entre simples repressão e recalque, e em sua interpretação pansexualista, toda repressão-recalque do impulso sexual era julgada como causa provocadora da neurose. Todavia, quando Freud afirmou que a repressão sexual produzia geralmente os sintomas neuróticos, ele disse apenas uma meia verdade, que levada e trazida com fins interessados, tem levado à confusão muitos educadores da juventude e muitos propagandistas do sexo.

De fato, os psicólogos e os médicos sabem muito bem que existem três classes de repressão da sexualidade, como de qualquer outra classe de impulsos instintivos:

a) a repressão sem compreensão;

b) a repressão com compreensão, mas sem aceitação, e

c) a repressão com compreensão e aceitação.

Dessas três repressões, só a primeira , tida geralmente durante a infância ou a juventude, sendo inconsciente e recalcada, pode resultar em causa possível da neurose. A segunda é consciente e sendo revoltada pode dar origem, também, à neurose a longo prazo, se, em tempo, não for compreendida e aceita. A terceira repressão nunca pode ser prejudicial, mas benéfica, nela se baseando toda a educação. De onde se deduz que não é a repressão em si, mas a forma ou tipo de repressão que causa a neurose, como afirma a Escola Culturalista.

3) A REGRESSÃO

Quando o EGO consciente e racional perde seu controle sobre a situação e não pode impor um comportamento racional e lógico de pessoa madura, regride frequentemente a comportamentos fixados ou padronizados em épocas infantis anteriores.

O bêbado, por exemplo, quando perde temporariamente a racionabilidade pela intoxicação, visivelmente volta a comportar-se como uma criança.

Em caso de pânico coletivo, o comportamento da massa torna-se também infantil sem controle lógico e racional.

Aqui os comportamentos regressivos infantis são manifestos porque o EGO consciente tem perdido o controle diante do conflito e não mais pode dominar a situação criada pela luta interior.

4) A CONVERSãO ORGÂNICA

Por ela os conflitos psíquicos inaceitáveis convertem-se em conflitos orgânicos, patológicos-inconscientes; são as numerosas perturbações psicossomáticas dos histéricos, como as contrações musculares, falsas paralisias, perturbações sensoriais, tiques, gagueiras, morder unhas, etc.

Ana O. converteu em paralisia do braço o medo de vê-lo convertido numa serpente, como tinha sonhado; e o nojo de ver beber o cachorro da água do copo, na impossibilidade dela própria levar o copo à boca para beber. "Preferível morrer de sede, não bebendo, que morrer de nojo bebendo."

5) A AUTOPUNIÇÃO OU MASOQUISMO

O conceito secular de que o sofrimento pode expiar a culpa é um dos sentimentos básicos da vida individual, social e religiosa. Nosso código penal e as práticas religiosas do ascetismo, flagelação e penitências, baseiam-se nele. O pecador libera-se da culpa pela penitência e o criminoso fica liberado e pode voltar à sociedade, depois de ter expiado sua culpa, cumprindo plenamente sua pena. Assim, um dos mecanismos da defesa do EGO mais comum é baseado neste silogismo emocional de raízes psicológicas profundas: que o sofrimento expia a culpa. Através do sofrimento, as pretensões do SUPER-EGO são satisfeitas e sua vigilância contra as tendências recalcadas se relaxa, uma vez que as debilidades culposas do EGO ficam punidas.

Existe uma seqüência de acontecimentos derivados desse raciocínio: mau comportamento — ansiedade — necessidade de punição — expiação — perdão e esquecimento. Para minorar a ansiedade nascida do sentimento de culpa, surge o desejo de ser punido para não ser rejeitado e continuar sendo amado. A própria pessoa culposa pode chegar a punir a si mesma ou exigir que outros a castiguem. Este desejo de purificação, junto com um outro sentimento oculto de ser admirado e ser amado por seus grandes sofrimentos (ser a mais sofredora), é o que leva muitos indivíduos ao masoquismo.

Os indivíduos deste tipo castigam a si próprios, internamente através de seus sintomas patológicos (doenças somáticas), como vimos na conversão, ou por penitências e castigos externos (flagelação).

6) NEGAÇÃO — FUGA — ISOLAMENTO

Com freqüência usamos o mecanismo da negação do mundo exterior e dos conflitos interiores resultantes, quando nosso EGO se sente incapaz de superá-los. Passamos a "ignorá-los" para não ter que aceitá-los. "Estão verdes, dizia a raposa das uvas, que não podia alcançar".

Perante a impossibilidade de enfrentar certos fracassos ou situações extremamente difíceis de serem superadas, um EGO enfraquecido prefere fugir para situações que supõe mais aceitáveis. Na impossibilidade de agüentar um pai extremamente rigoroso, na impossibilidade de casar, ou no caso de um namoro fracassado, a pessoa pode usar o expediente de ir procurar fortuna no exterior, ingressar no exército, ou num convento. São outros tantos exemplos de fuga.

O isolamento é outra variante de fuga. Nos casos de angústia invencível, o indivíduo, freqüentemente, desiste e isola-se do drama. Quem não pode prevalecer sobre outra pessoa ou se sente fracassar em seu relacionamento com ela, "isola-se dela" e corta as relações com ela... às vezes isto se generaliza extraordinariamente e o indivíduo torna-se totalmente isolado, introvertido e neurótico ou a dois passos da neurose, ou pode chegar à própria esquizofrenia. De certo modo, muitos introvertidos não o são por condicionamento filogenético, mas por condicionamento psíquico-educacional, por causa desta classe de "fuga" ou isolamento. Ou são geralmente ambivalentes: muito faladores e às vezes, sentem grande prazer em estar sozinhos.

7) A PROJEÇÃO

Mecanismo de defesa do EGO dos mais comuns e radicais, a PROJEçãO consiste em transferir, para as pessoas e objetos de nossas relações, os nossos conflitos internos inaceitáveis. Ao contrário da conversão pela qual os transferimos para nós mesmos convertidos em sintomas ou doenças, na projeção os transferimos para o exterior, para as outras pessoas ou coisas.

Não só os impulsos hostis agressivos e sexuais, mas tudo o que é recalcado pode ser projetado para os demais. "Não sou eu que o amo... mas ele que me procura...; não sou eu covarde, indiscreto, desonesto, ladrão, imbecil, etc., mas ele sim ...; não sou eu que o odeio, mas ele sim que me odeia..." "Não desejo atacá-lo, é ele quem deseja atacar-me."

Em casos extremos, esta atitude atribui aos outros qualidades totalmente inventadas, como nos delírios de persecução dos paranóicos; outras atribui aos outros as qualidades que ele mesmo tem; em casos mais leves basta exagerar as qualidades dos outros, para disfarçar as próprias.

A esposa, por exemplo, esquece seu próprio ódio, ou seu ciúme e acusa o marido destes defeitos; o marido, por sua vez, pode disfarçar seu desejo inconsciente de enganar a esposa, acusando-a de traição.

8) SUBSTITUIçãO OU DESLOCAMENTO

Trata-se de uma variante da projeção. Por este mecanismo o objeto de uma atitude inaceitável é substituído ou trocado por outro que se torna mais fácil e aparentemente mais lógico. O marido que recebe uma repressão no seu serviço, pode achar justificável um pequeno incidente para investir contra a esposa, os filhos ou o cachorro, descarregando a raiva que não pode descarregar no seu chefe, a quem tem medo ou a quem deve muitos benefícios.

O impulso sexual dirigido para a esposa ou namorada, etc. se insatisfeito pode ser deslocado para a empregada, prostituta, etc. Quantas esposas tornam-se culpadas de que o marido quarentão as substitua por alguma aventureira desqualificada.

Os impulsos agressivos podem ser aliviados se substituídos por algum exercício violento, como chutar bola, boxe, cortar madeira, respiração profunda, assistir a luta livre, etc. , exercícios muito benéficos, que podem impedir o recalque, como necessário, dando boa saída à energia emocional, que os acompanha.

9) RACIONALIZAçãO

Ocorre este mecanismo de defesa muito amiúde, quando o EGO consciente se esforça por explicar a todo o mundo os motivos "racionais" dos nossos constantes comportamentos irracionais.

O filantropo, por exemplo, dirá patrocinar financeiramente, "por caridade", certa instituição benéfica (motivo aparente bem laudável) para disfarçar sua vaidade, ou o desejo inconsciente de restituir o roubado (motivo real inconsciente).

Fez-se claro este mecanismo nas sugestões pós-hipnóticas quando o hipnotizado cumpre a ordem sugerida inconscientemente, e trata de justificar o porquê o fez sem o saber.

Sendo um dos mais comuns mecanismos de defesa, os psicanalistas encontra-no, freqüentemente, nas atitudes de desculpa de seus pacientes, como "lógicas" justificativas.

10) IDEALIZAÇÃO E SUPERCOMPENSAçãO

Idealizando o objeto amado (enamorado, enamorada), todas as qualidades boas lhe são atribuídas, existentes ou não, ao ponto de o espírito crítico não ser mais capaz de exercer seu discernimento racional a seu respeito. O neurótico formou seu "ideal" errado e a qualquer preço o quer conservar.

Pela supercompensação, outra espécie de deslocamento, uma atitude recalcada pode ser substituída pela sua oposta. Assim, uma crueldade violenta inconscientemente recalcada pode ser compensada por uma compaixão e ternura exageradas dos sofrimentos alheios (pessoas supercaritativas e freiras virgens que se esforçam em cuidar de crianças órfãs, que elas não puderam ter) à hostilidade reprimida, pode ser compensada, por uma submissão e humildade extremas; os sentimentos de timidez, de insegurança ou de inferioridade, compensam-se, muitas vezes, pelas exigências jactanciosas do valentão medroso. O valente policial armado pode resultar o mais medroso ser humano, quando desarmado. O sentimento vaidoso da mulher pode ser supercompensado, quando possa aparecer como "a primeira" ou "a mais", nem que seja a mais feia, a mais gorda, etc.

11) A SUBLIMAÇÃO

Com o nome de sublimação, designam-se, em Psicanálise, certas formas de substituição de tendências impulsivas, que na sua forma crua resultariam inaceitáveis, mas que, uma vez modificadas ou sublimadas, tornam-se socialmente muito valiosas.

Os esportes agressivos (touradas, luta livre), são sublimações de impulsos competitivos, destrutivos e até homicidas. Combinando a sociabilidade e hospitalidade, o jogo pode ser considerado como uma sublimação da tendência instintiva para o roubo.

Fumar, beber, mascar chiclete, são expressões modificadas ou sublimadas substitutivas do hábito de chupar o dedo ou do uso da chupeta, exagerado durante a infância.

A sexualidade, pela sublimação pode converter-se em continência controlada ou castidade, muito benéfica, socialmente falando, pelo vantajoso desembaraço, que permite exercer mais facilmente as atividades sociais, artísticas, literárias e científicas.

O cirurgião, o açougueiro e o oficial do exército utilizam seus impulsos agressivos, de tal forma modificados ou sublimados, que resultam em realizações muito importantes, desde o ponto de vista social, etc.