Havendo neste mês de julho alguma dilação por adoecer Simão Falcão, tanto ao cabo como esteve, no fim do mês chegaram dois índios do Braço de Peixe ao ouvidor-geral, pedindo-lhe socorro contra os Potiguares, porque tornando-se pelo seu recado ao mar o cercaram por vezes, e tinham posto em grande aperto.

Neste próprio dia vestiu Martim Leitão os índios, e se foi dormir ao Recife com João Tavares, escrivão da Câmera e juiz dos órfãos, ao qual por parecer de todos encomendou este socorro, e ele por seus rogos, e por serviço del-rei aceitou, e assim com 12 espanhóis bem concertados, e satisfeitos, e oito portugueses, e uma caravela equipada, e concertada para tudo com algumas dádivas, e bom regimento, partiu do porto de Pernambuco a 2 de agosto de 1585, e aos três chegou pelo rio da Paraíba acima, onde se viu com o Braço de Peixe, e mais principais no porto, que agora é a nossa cidade, assombrando primeiro os Potiguares com alguns tiros, que presumindo mais força fugiram.

Assentadas as pazes, e dadas suas dádivas, e reféns, saiu o capitão João Tavares dia de Nossa Senhora das Neves, por cujo respeito depois se pôs esse nome a povoação, e a tomaram por patrona, e advogada, debaixo de cujo amparo se sustenta, e ordenaram um forte de madeira com as costas no rio, onde se recolheram.

Avisado logo o ouvidor-geral, se alvoroçou toda a vila, e moradores destas capitanias, parecendo-lhes, e com razão, eram já todos seus trabalhos acabados, e depois de muitas graças a Deus, sobre isto chegaram os línguas por terra com obra de 40 índios com a embaixada do Braço, aos quais todos o ouvidor-geral em sua casa agasalhou, vestiu, e festejou, e avisando ao capitão João Tavares do que havia de fazer, mandando-lhe mais vinte e cinco homens de toda a sorte, pelos espanhóis estarem ainda muito enfermos, e mandando vestidos finos para os principais, e outros mimos, e todos muito contentes os tornou a mandar, e com grandes defesas, que não houvesse algum gênero de resgate, de que o ouvidor como experimentado era muito inimigo, e com razão, que isto é o que dana o Brasil, mormente quando é de índios, pois com título de resgate os cativam.

Para se aperfeiçoarem estas pazes pareceu necessário não se perder tempo, antes ir-se logo fazer um forte, recuperar a artilharia do outro, e assentar a povoação; para o que por todos foi assentado que ninguém podia fazer todas estas coisas, senão o ouvidor-geral Martim Leitão, ao qual o pediram, e requereram todos, e ele o aceitou, por serviço de Deus e de el-rei, e por bem destas capitanias, e assim se partiu para a Paraíba a 15 do mês de outubro do mesmo ano com alguns amigos seus, oficiais, e criados, faziam número de 25 de cavalo, e 40 de pé, levando pedreiros e carpinteiros, e todo o recado necessário para fazer o forte, e o que mais cumprisse, e chegou lá aos vinte e nove, onde foi grandemente recebido dos índios e brancos, que aí estavam; e aos principais dos índios, que vieram uma légua recebê-lo, abraçou um a um com grande festa, e fazendo apear os de sua casa os fez ir a cavalo, e alguns, pelo que tinham passado com os brancos, iam tremendo de maneira, que era necessário i-los sustentando na sela.

Com este triunfo os levou pelo meio de suas aldeias, com que uns choravam, e outros riam de prazer, e logo nessa noite se informou dos sítios, que particularmente tinha encomendado lhe buscassem com todas as comodidades necessárias para a povoação a Manuel Fernandes, mestre das obras de el-rei; Duarte Gomes da Silveira, João Queixada, e ao capitão, que todos estavam para isso prevenidos dele em segredo, mas encontrados nos pareceres dos sítios.

Ao outro dia o ouvidor-geral, ouvindo missa antes de sair o sol / que caminhando, e andando nestas jornadas sempre a ouvia /, foi logo a pé ver alguns sítios, e à tarde a cavalo, até o ribeiro de Jaguaripe, para o cabo Branco, e outras partes, com que se recolheu à noite resoluto ser aquele em que estavam o melhor, onde agora está a cidade, planície de mais de meia légua, muito chão, de todas as partes cercado de água, senhor do porto, que com um falcão se passa além, e tão alcantilado que da proa de navios de sessenta tonéis se salta em terra, donde sai um formoso torno de água doce para provimento das embarcações, que a natureza ali pôs com maravilhosa arte, e muita pedra de cal, onde logo mandou fazer um forno dela, e tirar pedra um pouco mais acima; com o que visto tudo muito bem, e roçado o mato, a 4 de novembro se começou o forte de 150 palmos, deram em quadra com duas guaritas, que jogam oito peças grossas uma ao revés da outra, no qual edifico trabalhavam maus e bons com o seu exemplo, que um e um os chamava de madrugada, e repartia uns na cal, outros no mato com os carpinteiros, e serradores, outros nas pedreiras, e os mais a pilar nos taipais; porque os alicerces, e cunhais só eram de pedra e cal, e o mais de taipa de pilão de quatro palmos de largo, para o que mandou logo fazer oito taipais, para todos trabalharem, e era coisa para ver a porfia e inveja, em que os metia, trabalhando mais que todos, com o que duravam na obra de sol a sol, sem descansar mais que a hora de comer, e assim em duas semanas de serviço chegou a estado de se lhe pôr artilharia, que neste meio tempo com muito trabalho, e indústria, por búzios, que para isso levou, se havia tirado do mar sem se perder peça, que foi coisa milagrosa, só as Câmeras faltaram, mas com seis, que levou de Pernambuco, e dois falcões, que foram nos caravelões da matalotagens, se remediou tudo.

Assentada a artilharia ordenou, por se não perder tempo, e o nosso gentio confederado se não esfriar, como já começava, fossem João Tavares, e Pero Lopes, com toda a gente dar uma boa guerra às fraldas de Copaoba, que é uma terra montuosa, e mui fértil, dezoito léguas do mar, donde há muito gentio Potiguar; e assim ficando-lhe somente os seus moços, e oficiais da obra, e Cristóvão Lins, e Gregório Lopes de Abreu, foram todos os mais, aonde por andarem treze ou quatorze dias somente não destruíram mais de quatro ou cinco aldeias, cuja vinda tão apressada o ouvidor-geral sentiu muito, e determinando ir em pessoa, concluiu com a maior brevidade que pôde a obra do forte, casa para o capitão, e armazém.