História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XIX
Pouco tempo depois de começarem a governar o bispo, e Cristóvão de Barros, entraram subitamente nesta Bahia duas naus, e uma zabra de ingleses com um patacho tomado, que havia dela saído para o rio da Prata, em que ia um mercador espanhol chamado Lopo Vaz; tanto que chegaram, tomaram também os navios que estavam no porto, entre os quais estava uma urca de Duarte Osquer, mercador flamengo, que aqui residia, com marinheiros flamengos, que voluntariamente lha entregaram, e se passaram aos ingleses, e logo todos começaram as bombardadas à cidade tão fortemente que desanimados, e cheios de medo, os moradores fugiram dela para os matos; e posto que o bispo pôs guardas, e capitães nas saídas, que eram muitas, porque não estava murada, para que detivessem os homens, e deixassem sair as mulheres, muitos saíram entre elas de noite, e algum com manto mulheril, e esses poucos que ficaram pediram ao bispo fizesse o mesmo; ao que acudiu um venerável, e rico cidadão chamado Francisco de Araújo, requerendo-lhe da parte de Deus, e de el-rei não deixasse a terra, pois não só era bispo, mas governador dela, e que se a gente era fugida, ele com a sua se atrevia a defendê-la.
Também veio uma mulher a cavalo, com lança e adarga, da Itapoã, repreendendo aos que encontrava, porque fugiam de suas casas, e exortando-os para que se tornassem para elas, do que eles zombavam.
Neste tempo não estava Cristóvão de Barros na cidade, que andava pelos engenhos do recôncavo, tirando uma esmola para a casa da Misericórdia, de que era provedor aquele ano, mas logo acudiu ao som das bombardadas, trazendo consigo todos os que achava, com os quais, e com os que na cidade achou, a fortificou, repartindo-os por suas estâncias, castigando alguns dos fugitivos porque não tornassem a fugir, e para exemplo dos outros pôs um à vergonha no pelourinho metido no cesto com uma roca na cinta; e porque os ingleses se não atreveram a entrar na cidade, mas contentaram-se de balraventear pela Bahia, que é larguíssima, e de muito fundo, e onde não era tanto que pudessem chegar os navios grandes, mandaram a zabra, e as lanchas à pilhagem, ordenou Cristóvão de Barros uma armada de cinco barcas, das que levam cana e lenha aos engenhos, as quais ainda que sem coberta são mui fortes e veleiras, mandando-as empavesar, e meter em cada uma dois berços, e soldados arcabuzeiros com seus capitães, que eram André Fernandes Margalho, Pantaleão Barbosa, Gaspar de Freitas, Antônio Álvares Portilho, e Pedro de Carvalhaes, e por capitania uma galé, em que ia por capitão-mor Sebastião de Faria, para que onde quer que desembarcassem os ingleses dessem sobre eles; e assim sabendo que eram idos a Jaguará a tomar carnes ao curral de André Fernandes Morgalho, e por os acharem já embarcados à zabra a combateram, donde houve mortos, e feridos de parte a parte, e entre os mais foi um Duarte de Goes de Mendonça, que ia na galé, a quem passaram o capacete, que tinha na cabeça, com um pelouro, e lhe fez nela tão grande ferida, que esteve a perigo de morte.
Também saíram outra vez na ilha de Itaparica. Donde Antônio Álvares Capara, e outros portugueses com muito gentio os fizeram embarcar com morte de alguns, e no mar lhe tomou também uma das nossas barcas um batel com quatro ingleses, que o remavam, e mataram três, pelo que visto o pouco ganho que tinham, e que Lopo Vaz, de quem esperavam resgate, lhes havia fugido a nado para a cidade, levantaram as âncoras e se foram ao Chamamu, para fazer aguada, onde também o Capara lha não deixou fazer, e lhes matou oito, de que trouxe as cabeças aos governadores e assim se tornaram os ingleses para a sua terra, depois de haverem aqui estado dois meses.