História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XXIII

Sabendo Sua Majestade da morte do governador Manuel Teles Barreto, mandou em seu lugar Francisco Giraldes, filho de Lucas Giraldes, que no livro segundo capítulo sexto dissemos ser senhor dos Ilhéus, e se chegara ao Brasil alguma coisa importara ao bem daquela capitania, mas por demandar a costa mais cedo do que convinha, e as águas da Paraíba para trás correrem muito para as Antilhas, arribou a elas, e delas tornou para o reino, onde morreu sem entrar neste governo; com ele vinha casa da relação, que era para o Brasil coisa nova naquele tempo, mas também quis Deus que não chegassem senão quatro ou cinco desembargadores, que vinham em outros navios, dos quais um serviu de ouvidor-geral, outro de provedor-mor dos defuntos, e ausentes, e por não vir o chanceler, e mais colegas, se não armou o tribunal, nem el-rei se curou então disso, senão só de mandar governador, que foi d. Francisco de Souza, o qual chegou no ano de mil quinhentos e noventa, em domingo da Santíssima Trindade, e com ele veio por inquisidor ou visitador do santo ofício Heitor Furtado de Mendonça, que chegou mui enfermo com toda a mais gente da nau, exceto o governador, que os veio curando, e provendo do necessário, mas depois que desembarcou, e foi recebido com as cerimônias costumadas adoeceu, e se foi curar ao Colégio dos Padres da Companhia, onde havendo chegado ao último da vida, lhe quis Deus fazer mercê dela, e a primeira saída que fez, ainda mal convalecido, foi para assistir em o primeiro ato da Fé, em que o visitador, que já estava são, publicava na Sé suas patentes, e concedia tempo de graça, e neste chegou uma caravela de Lisboa, que trouxe cartas ao governador da morte de sua mulher, com o que ele se resolveu em não tornar ao reino, mas ficar cá até à morte, e assim o publicava, nem o dizia ociosamente senão que como era prudente, e por isso chamado já de muito tempo d. Francisco das Manhas, entendeu que era boa esta para cariciar as vontades dos cidadãos, e naturais da terra fazer-se cidadão, e natural com eles, e pouco aproveitara dizê-lo de palavra, se não pusera por obra, e assim foi o mais benquisto governador, que houve no Brasil, junto com o ser mais respeitado, e venerado; porque com ser mui benigno, e afável conservara a sua autoridade, e majestade admiravelmente, e sobre tudo o que o fez mais famoso foi sua liberalidade, e magnificência, porque tratando os mais do que hão de levar, e guardar, ele só tratava do que havia de dar, e gastar, e tão inimigo era do infame vício da avareza, que querendo fugir dele passava muitas vezes o meio em que a virtude da liberalidade consiste, e inclinava para o extremo da prodigalidade, dava a bons, e maus, pobres, e ricos, sem lhes custar mais que pedi-lo, donde costumava dizer que era ladrão quem lhe pedia a capa, porque pelo mesmo caso lha levava dos ombros.

Não houve igreja que não pintasse, aceitando todas as confrarias, que lhe ofereciam, murou a cidade de taipa de pilão, que depois caiu com o tempo, e fez três ou quatro fortalezas de pedra e cal, que hoje duram; as principais, que tem presídios de soldados, e capitães pagos da Fazenda Real, são a de Santo Antônio na boca da barra e a de S. Filipe na ponta de Tapuípe, uma légua da cidade, que mais são para terror que para efeito; porque nem a cidade nem o porto defendem, por ser a Bahia tão larga, que tem na boca três léguas, e no recôncavo muitas; e tudo então podia fazer porque tinha provisão de el-rei, para que quando não bastasse o dinheiro dos dízimos, que é só o que cá se gasta a el-rei, o pudesse tomar de empréstimo de qualquer outra parte, e assim houve ocasião em que tomou um cruzado à conta do que se havia de pagar dos direitos de cada caixão de açúcar nas alfândegas de Portugal, e algum dinheiro dos defuntos, que se havia de passar por letra aos herdeiros ausentes; e de uma nau que aqui arribou indo para a Índia, chamada S. Francisco, tomou a Diogo Dias Querido, mercador, 30 mil cruzados, o que tudo el-rei mandou pagar em Portugal de sua Real Fazenda: porém a nenhum outro governador a passou depois tão ampla, antes os apertou tanto, que nem dividas velhas de el-rei podem pagar sem nova provisão, nem fazer alguma despesa extraordinária; o motivo que el-rei teve para alargar tanto a mão a d. Francisco foi as guerras da Paraíba, e pelos muitos corsários que então cursavam esta costa do Brasil, como veremos nos capítulos seguintes.