História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XXXII

O oitavo governador do Brasil foi Diogo Botelho, o qual veio em direitura a Pernambuco, no ano de mil seiscentos e três; e foi o primeiro que isto fez, a quem depois sempre foram seguindo seus sucessores. A ocasião, que teve / segundo alguns diziam /, foi induzi-lo Antônio da Rocha, escrivão da fazenda, que ali era casado, e vinha com ele do reino, aonde havia ido com um agravo contra o capitão-mor Manuel de Mascarenhas, o qual lhe diria das larguezas de Pernambuco, e que pedia dele tirar muito interesse, ou o mais certo é que o fez por ver a terra, e as fortalezas, de que havia tomado homenagem, e cuja defensão e governo estava por sua conta, nem eu sei, quando a detença ali não seja muita, que inconveniências há para que os governadores não visitem de caminho aquela praça.

Trouxe o governador consigo dois religiosos graves de Nossa Senhora da Graça, da Ordem de Santo Agostinho, onde tinha um filho, para fundarem casa em Pernambuco, mas o povo o não consentiu, dizendo que não era capaz a terra de sustentar tantos religiosos graves, porque tinham já cá os da Companhia de Jesus, de Nossa Senhora do Carmo, do oatriarca São Bento, e de nosso seráfico padre São Francisco; e assim dando-lhes uma muito boa esmola, que com o favor do governador se tirou pelos engenhos, se tornaram para Lisboa.

Neste tempo lançaram os holandeses na ilha de Fernão de Noronha a gente de uma nau da Índia, em que vinha d. Pedro Manuel, irmão do conde da Atalaia, e por capitão Antônio de Mello, dali no batel da nau, e em uma caravela que lhes mandou o governador Diogo Botelho foram aportar nus, e famintos ao Rio Grande, sem trazerem mais que alguma mui pouca pedraria, e ainda essa não guardada por seus donos, senão por alguns índios escravos, os quais sendo buscados pelos holandeses a engoliam por não lha tomarem.

Não estava o capitão do Rio Grande, que era João Rodrigues Colasso, aí quando chegaram, que era ido a Pernambuco a dar ao governador as boas-vindas; porém não fez falta aos naufragantes, porque d. Beatriz de Menezes, sua mulher, filha de Henrique Moniz Teles, da Bahia, os hospedou, e banqueteou a todos os dias que aí estiveram, e para o caminho, que é despovoado até à Paraíba, mandou seus escravos com canastras cheias de todo o necessário; chegados a Paraíba os agasalhou o capitão-mor Francisco Pereira de Souza como pôde, e deu um vestido do seu de chamalote roxo a d. Pedro Manuel, que lhe aceitou, e agradeceu, pela necessidade que tinha.

Dali vieram caminhando até Guaiena, que é da capitania de Itamaracá, onde um filho de Antônio Cavalcante, que estava no engenho do pai os agasalhou e banqueteou esplendidamente, e os acompanhou até a vila de Iguaraçu, na qual acharam o almoxarife de Pernambuco Francisco Soares, que de mandado do governador os foi aguardar com doces, e água fria, o governador também os foi esperar um quarto de légua fora da vila de Olinda, oferecendo a casa a d. Pedro Manuel, que não a quis aceitar, e se foi agasalhar no Colégio dos Padres da Companhia, donde o foi tirar com forçosos rogos Manuel Mascarenhas, e o levou para a sua, que para isso tinha mui ornada, largando-lha com todo o seu serviço, e passando-se para outra defronte; ao dia seguinte mandou Manuel Mascarenhas trazer muitas peças de seda, e panos de casa dos mercadores à sua custa, e alfaiates que cortassem vestidos para os que os quisessem, e não houve algum que enjeitasse, porque todos tinham necessidade, senão d. Pedro Manuel, que contente com o que lhe havia dado o capitão da Paraíba, disse que por quem havia tanto perdido naquele naufrágio, aquele lhe bastava até o reino, como quem sabia que em pondo lá os pés a pessoa queriam ver, e não os panos, e assim casou logo com uma sobrinha do arcebispo de Braga d. Aleixo de Menezes, que o conhecia bem da Índia, onde foi arcebispo de Goa, e lhe deu grande dote, e Sua Majestade lhe fez muitas mercês.