História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XL
Em 19 de abril desta era de 1626 apareceram na boca desta barra da Bahia, junto ao morro, três naus holandesas de força, uma das quais trazia 30 peças de artilharia grossa e 104 homens de guerra: meteu no fundo uma caravela, que vinha de Angola, de que era mestre Antônio Farinha, vizinho de Sezimbra, por não querer amainar, mas salvaram-lhe toda a gente branca, e alguns negros, de 170 que trazia, e os trouxeram 11 dias consigo, fazendo-lhes boa companhia, por o trazerem / segundo ao depois disseram / assim por ordem do seu príncipe de Orange, em respeito do bom tratamento que o general d. Fadrique de Toledo deu aos holandeses na recuperação desta cidade, e depois os foram lançar todos no rio das Contas, donde feita sua aguada, se foram ajuntar com outra esquadra de quatro naus, e um patacho, que vinha para Pernambuco, e aí ancoraram todas juntas defronte da barra aos 20 de maio, exceto o patacho, o qual por ser mui ligeiro andava com 10 peças de artilharia, discorrendo sempre pela costa de uma parte para outra, e este fez encalhar na Poripuera, 30 léguas de Pernambuco para a Bahia, uma lancha, que o governador mandava de aviso, e tomou um navio de Viana, que havia saído do Recife com 600 caixas de açúcar, e assim por ir tão carregado, e com caixas por entre as peças de artilharia, não pôde jogar delas, e se deixou tomar de um patacho, coisa em que os ministros de Sua Majestade deviam vigiar muito nestas partes, porque não foi este o primeiro que se perdeu por esta causa, nem será o derradeiro, senão se fizer muita vigia para que não vão sobrecarregados.
Tomou também outro, que ia para Angola, e uma caravela, que vinha da ilha da Madeira, carregada de vinhos, lançando a gente de todos na ilha de Santo Aleixo.
Deu caça a uma caravela que vinha dos rios de Congo, a qual se lhe acolheu ao porto do Pau Amarelo, e a outra de Sezimbra, que se meteu na enseada do cabo de Santo Agostinho, donde depois ao longo do Recife foram meter no porto, como também fizeram três navios de Lisboa, e dois das Canárias, por aviso que lhes deram de um barco que o governador mandou para este efeito da banda do cabo, que é a paragem por onde no mês de maio, e nos mais de inverno, navegam para Pernambuco.
Também mandou o mesmo governador geral Mathias de Albuquerque dois índios da terra, e um mulato, cada um em sua jangada com artifício de fogo para o porem às naus dos holandeses, que estavam mais de quatro léguas da barra ao mar, dos quais chegou um chamado Salvador, e o pegou à popa da capitânia, mas foi sentido de um cachorro da nau, que despertou a gente, e o apagaram, tirando logo as mais um tiro de rebate, com a qual raiva queimaram o dia seguinte a caravela, que haviam tomado, e também porque o mestre lhes não havia querido dar por ela 50 cruzados, que lhe pediram, e feito isto levantaram ferro, e se foram.
Também se foi Francisco Coelho de Carvalho, governador do Maranhão, o qual passava já de dois anos que estava em Pernambuco sem poder partir-se, assim pela cobrança de 20 mil cruzados, que el-rei ali lhe mandou dar, como por causa dos holandeses da Bahia, e destoutros, e por isto, tanto que os viu idos, e desimpedido o passo, se partiu em 13 de julho da dita era de 1626, com cinco barcos, que lhe deu o governador Mathias de Albuquerque, o qual o veio despedir ao Recife, e lhe mandou fazer salvas das fortalezas.
Ele ia em um dos barcos com seu filho Feliciano Coelho de Carvalho, e o sargento-mor Manuel Soares de Almeida. Dos outros eram capitães Manuel de Souza Deça, capitão-mor do Pará; Jacome de Reymonde, provedor-mor da fazenda, e João Maciel.
Gastaram na viagem 15 dias até o Ceará, porque não navegavam de noite; ali se detiveram outros 15 dias, nos quais proveu o governador o forte de pólvora, e de mais artilharia, e fez paga aos soldados, e ao capitão Martim Soares Moreno lançou o hábito de Santiago, de que el-rei lhe fez mercê por seus serviços, que não foram poucos os que lhe fez, não só no descobrimento do Maranhão, como fica dito no primeiro capítulo deste livro, mas depois de estar por capitão do Ceará, onde os corsários o temem tanto, que havendo ali aportado algumas vezes, nenhuma se atreveram a desembarcar, desejando-o ele tanto, que chegou a meter-se entre os índios nós, nu e tinto da sua cor, parecendo-lhe que como estes foram seus compadres, e amigos, não se temendo deles, desembarcariam, e assim os colheria, e nem isto bastou. Feito foi este de subrogação, pois parece não obrigar seu ofício a tanto, e assim foi bem empregada a mercê, que Sua Majestade lhe fez do hábito, e se lhe deu com ele pouca tença, por isso lhe dá Deus muito âmbar por aquela praia, com que pode muito bem matar la hambre.
Estava no Ceará a esta sazão o padre frei Cristóvão Severim, custódio do Maranhão, chegado de poucos dias depois de haver passados muitos no caminho, porque veio por terra, padecendo grandes fomes, e sedes, e guerras dos gentios Tapuias, Arechis, e Uruatins, que duas vezes o saltearam, e lhe mataram um índio dos que trazia em sua companhia, e lhe feriram treze, com mais três brancos portugueses mas com serem os inimigos em número muitos mais, sem comparação, os poucos nossos, e seis brancos arcabuzeiros, ajudados e animados pelo padre custódio, lhes tiveram os encontros tão valorosamente, que enfim se livraram deles, deixando-lhe também alguns dos seus mortos, e feridos, e chegaram ao Ceará, onde o custódio e seu companheiro agasalharam com muito respeito e caridade a dois Padres da Companhia de Jesus, que iam com o governador Francisco Coelho de Carvalho, e dali se embarcaram, e partiram todos para o Maranhão, na qual viagem, depois de haverem passado o Buraco das Tartarugas, por não levarem pilotos práticos na costa, foram dar em uns baixos com uma grande tormenta em que se viram perdidos, mas quis Nosso Senhor que iam as águas de lançamento, com o que, e com alijarem alguma carga dos barcos, puderam nadar, e seguir sua viagem até o Maranhão, onde o governador, e os que com ele iam, foram bem recolhidos, e onde os deixaremos a outros historiadores, que escrevam suas obras. Assim porque Sua Majestade tem já apartado aquele governo deste do Brasil, de que escrevo, como porque eu também vou dando fim a esta História.