História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XVII
Desta desordenada vinda, e cometimento da cidade ficaram os nossos portugueses desenganados de mais poderem cometer; mas ordenou o bispo que andassem ao redor dela pelos matos algumas companhias, porque quando alguns holandeses saíssem fora como costumavam, ou os negros de Guiné, que com eles se haviam metido a buscar frutas, e mantimentos pelos pomares, e roças circunvizinhas, os prendessem, sucedeu ser o coronel o primeiro que saiu a cavalo a ver a fortaleza de S. Filipe, que dista uma légua da cidade, e à tornada se adiantou dos holandeses, e negros, que trazia em sua guarda, levando só em sua companhia um trombeta em outro cavalo, onde lhes saiu Francisco de Padilha com Francisco Ribeiro, seu primo, cada um com a sua escopeta, e acertando melhor os tiros que acertou o coronel com um pistolete, que disparou, lhes mataram os cavalos, e depois de os verem derribados, e com os pés ainda nos estribos debaixo dos cavalos, matou o Padilha ao coronel, e o Ribeiro ao trombeta, e logo chegaram os índios selvagens de Afonso Rodrigues da Cachoeira, que ali andavam perto, e cortando-lhes os pés e mãos e cabeças, conforme o seu gentílico costume, e os deixaram, donde os holandeses levaram o corpo do seu coronel, e o dia seguinte o enterraram na Sé com a pompa, que costumam, muito diferente da nossa, porque não levaram cruzes, música, nem água benta, senão o corpo em um caixão coberto de baeta de dó.
Os capitães, que o levaram aos ombros, e um filho do defunto, um cavalo à destra, que também ia, e as caixas, que se tocaram destemperadas, tudo isto ia coberto de dó, e adiante as companhias, todos dos mosqueteiros, com os mosquetes debaixo do braço, e as forquilhas arrastando, os quais, entrando na igreja o defunto, se ficaram de fora ao redor dela, e ao tempo que o enterraram, os dispararam todos três vezes, não se metendo entre uma surriada e outra mais espaço que enquanto carregam, o que fazem com muita ligeireza; e logo deixadas as armas do defunto penduradas em um pilar dos da igreja junto à sua sepultura, se tornaram à sua casa, onde antes de entrarem se leu a via do sucessor, que era Alberto Escutis, o qual já quando se tomou a cidade havia servido o cargo dois dias, que estoutro tardou, e lido o papel se fez pergunta aos capitães e soldados se o reconheciam por seu coronel, e governador, para lhe obedecerem em tudo o que lhes mandasse, e respondido que sim os despediu, feitas suas cortesias, e se recolheu com os do Conselho, e alguns, e porque de todo os portuguêses perdessem as esperanças de poderem recuperar a cidade, a cercou, e fortificou por todas as partes represando o ribeiro, que corre ao longo dela pela banda da terra, com que cresceu a água sobre as hortas, que por ali havia, muitos palmos, e assim por esta banda como pela do mar fez muitos baluartes, e fortes de artilharia.
O bispo também assentou seu arraial uma légua da cidade, no chão de um monte a que se não podia subir senão por três partes, nas quais mandou fazer três trincheiras com suas peças, e duas roqueiras cada uma, e a que estava para a banda da cidade, entregue ao coronel Melchior Brandão com a gente de Paraguaçu, a outra, que estava para Tapuípe, ao capitão Pero Coelho, e a terceira, por onde se servia para o sertão, ao capitão Diogo Moniz Teles, e o corpo da guarda se fazia junto à tenda, ou casa palhaça do capitão-mor pelos soldados do presídio, e outros, que seriam todos duzentos.
A este arraial se trazia a vender carne, peixe, frutas, farinhas, e o mais que havia por todo o recôncavo, e algum pouco vinho, e azeite, que se trazia de Pernambuco em barcos até a terra de Francisco Dias de Ávila, e daí por terra ao arraial, fora do qual havia também outras estâncias para os capitães dos assaltos, convém a saber, em Tapegipe defronte da fortaleza de S. Filipe, que ocupavam os holandeses, estava uma trincheira com duas peças de bronze, onde assistiam os capitães Vasco Carneiro, e Gabriel da Costa com uma companhia do presídio com quarenta soldados, e não muito longe desta estava outra em outro caminho com cinco falcões, e duas roqueiras, em que assistiam os capitães Manuel Gonçalves, e Luiz Pereira de Aguiar, e Jorge de Aguiar, e junto ao mar, e porto outra, donde estava o capitão Jordão de Salazar da ermida de S. Pedro, para a vigia estavam os capitães Francisco de Castro, e Agostinho de Paredes com sessenta homens da vigia. Para o Rio Vermelho com quarenta homens na roça de Gaspar de Almeida, Francisco de Padilha, e Luiz de Siqueira.
Fora estes foram também capitães em alguns assaltos Pero de Campos, Diogo Mendes Barradas, Antônio Freire, e outros; os cabos destes capitães dos assaltos eram da banda do norte da cidade, onde fica o mosteiro de Nossa Senhora do Carmo, Manuel Gonçalves, e da banda do sul, onde fica o de S. Bento, Francisco de Padilha; posto que sempre se ajudavam uns aos outros, quando a necessidade o requeria, e Lourenço de Brito como capitão dos aventureiros acudia a todas as partes.