História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XXIX
No capítulo vigésimo oitavo deste livro dissemos como depois da Bahia tomada pelos holandeses foi o seu almirante Pedro Peres com cinco naus de força, e dois patachos, para Angola; o fim, e intento, que os levou foi para a tomarem, e dela poderem trazer negros para os engenhos, para o qual diziam que se haviam contratado com el-rei de Congo, e na barra de Luanda andavam já outras naus suas, e tinham queimados alguns navios portugueses, e feitas outras presas em tempo que o bispo governava pela fugida do governador João Correa de Souza, porém como lhe sucedeu no governo Fernão de Souza, e teve disto notícia, se aprestou, e fortificou de modo que quando os holandeses chegaram não puderam conseguir o seu intento, nem fazer mais dano que tomar uma nau de Sevilha, que ia entrando, e dois navios pequenos, e assim se tornaram à costa do Brasil, e entraram no rio do Espírito Santo a 10 de março de 1625, onde havia poucos dias era chegado Salvador Correa de Sá e Benevides com 250 homens brancos e índios em quatro canoas e uma caravela, que seu pai Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro, mandava em socorro da Bahia, o qual ajudou a Francisco de Aguiar Coutinho, governador e senhor daquela terra do Espírito Santo, a trincheirar a vila, pondo nas trincheiras quatro roqueiras, que na terra havia, e desembarcando os holandeses lhes tiraram com uma delas, e lhes mataram um homem; e depois de entrados na vila lhe saíram os nossos por todas as partes, com grande urro do gentio, e lhes mataram 35, e cativaram dois, sendo o primeiro que remeteu à espada com um capitão, que ia diante, Francisco de Aguiar Coutinho, dizendo-lhe «Se vós sois capitão conhecei-me, que também eu o sou,» e com isto lhe deu uma grande cutilada, com que o derribou em terra; também o guardião da casa do nosso padre S. Francisco frei Manuel do Espírito Santo, que andava com os seus religiosos animando os nossos portugueses, vendo já os inimigos junto às trincheiras, se assomou por cima delas com um crucifixo dizendo «Sabei, luteranos, que este Senhor vos há de vencer», e com isto vendo-se livre de um chuveiro de pelouros, se foi ao sino da igreja Matriz, que ali estava perto, e o começou a repicar publicando vitória, com que a gente se animou mais a alcançá-la, de sorte que o general dos holandeses se retirou para as naus com perto de 100 feridos, de 300 que haviam desembarcado, e alguns. mortos, entre os quais foi um o seu almirante Guilherme Ians, e outro o traidor Rodrigo Pedro, que na mesma vila havia sido morador, e casado com mulher portuguesa, e sendo trazido por culpas a esta Bahia, fugiu do cárcere para Holanda, e vinha por capitão em uma nau nesta jornada, e com esta raiva mandou o general uma nau, e. quatro lanchas a queimar a caravela de Salvador Correa, que havia mandado meter pelo rio acima, em um estreito, mas ele acudiu nas suas canoas, e lhes matou quarenta homens, e tomou uma das lanchas.
O dia seguinte escreveu o general a Francisco de Aguiar neste modo: “Vossa Senhoria estará tão contente do sucesso passado, quanto eu estou sentido, mas são sucessos da guerra; se me quiser mandar os meus, que lá tem cativos, resgatá-los-ei, quando não, caber-nos-á mais mantimento aos que cá estamos».
Isto lhe escreveu o general cuidando que ficaram na terra menos mortos, e mais cativos, mas nem esses poucos lhe quis mandar o governador, e assim se fez o holandês à vela em 18 de março, e se partia com muito pouca gente, donde em saindo topou com o navio dos padres da companhia, em que nos haviam tomado, e os mesmos holandeses haviam dado a Antônio Maio, mestre do navio de d. Francisco Sarmento, em troco do seu, e vinha já outra vez do Rio de Janeiro carregado de açúcar para a ilha Terceira, o qual trouxeram até a barra da Bahia, e daí mandaram um patacho de noite reconhecer o estado do porto, e das naus que nele estavam, e por dizerem que era a armada de Espanha, descarregando nas suas, e pondo fogo ao navio, se foram por defronte de Olinda, em Pernambuco, donde tomaram um negro de João Guteres, que andava pescando em uma jangada, e lhe perguntaram se estava a Bahia recuperada, o qual não só lhes disse que sim, senão também que mandara o general d. Fadrique de Toledo matar as flamengos todos: e eles / ainda que era mentira / o creram, dizendo não seria ele castelhano, e descendente do duque de Alba; pelo que se foram à ilha de Fernão de Noronha a fazer aguada, e chacinas, com que se tornaram para Holanda levando o negro consigo; e aos mais negros e brancos, que haviam tomado no navio dos padres, deram um patachinho, em que foram cair a Paraíba, e contaram estas novas. E Salvador Correa, que ficou vitorioso no Espírito Santo, se partia nas suas canoas com a sua gente para a Bahia, onde se meteu entre a armada, e foi dos generais, e de todas aqueles fidalgos bem recebido.
Da mesma maneira sabendo Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque, em Pernambuco, de Laçarote de Franca, que se perdeu na nau Caridade, na Paraíba, que a armada era passada para a Bahia, se embarcou em um navio por ordem do governador Mathias de Albuquerque, com dois irmãos seus, e outros parentes, e amigos, e 130 soldados, todas sustentados à sua custa, e vindo encontrou-se no mar com o patacho, que os holandeses haviam mandado vigiar antes da vinda da nossa armada, com cuja vinda ficou de fora; este cometeu o de Jerônimo Cavalcanti, e depois de se tirarem um, e outro muitas bombardadas, sendo mortos cinco dos nossos, um dos quais foi Estevão Ferreira, capitão da proa, que com estar ferido se não quis recolher até o não matarem os holandeses, e se foram, que não devia de ser sem terem também muitos mortos, ou recebido algum dano, e os Cavalcantis entraram na Bahia. donde foram bem recebidos de todos, particularmente do capitão-mor d. Francisco de Moura, seu primo, e do senhor de Pernambuco Duarte de Albuquerque, que havia vindo na armada por soldado, e Sua Majestade se deu do feito por bem servido, como o manifestou em uma carta, que escreveu ao mesmo Jerônimo Cavalcanti.