História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XXXIV

Quão enganados vivem os homens, que põem a sua confiança nas forças e indústria humanas, experimentaram brevemente os holandeses nesta cidade da Bahia, cuja guarda e defensão cuidavam estar em tirarem um capitão, e porem outro mais diligente e industrioso, senda certo o que diz David que se a Senhor não guarda a cidade, em vão vigiam os que a guardam. E assim não passaram três dias inteiros, que se não desenganassem do seu intento, vendo que já não podiam reparar o dano, que das nossas baterias lhes faziam, e enfim vieram a entender que lhes convinha fazer concerto, que ao outro coronel haviam estranhado, mas ainda o fizeram paleado com uma capa de honra, mandando por um tambor uma carta ao general d. Fadrique ao Carmo, em que lhe diziam que aquela manhã haviam ouvido uma trombeta nossa, que segundo seu parecer os chamava, e convidava a paz, a qual também eles queriam, e para tratar dela houvesse entretanto tréguas. Ao que respondeu d. Fadrique que ele não chamava a sitiados, e cercados com trombetas, senão com vozes de artilharia, mas se eles a estas acudiam, e queriam causa que não fosse contrária à honra de Deus, e del-rei, estava prestes para os ouvir, com o que logo se começou a tratar das pazes, e estavam as holandeses tão desejosos delas, que na mesma hora os que ficavam fronteiras à bateria das palmeiras, a qual estava à ordem de d. João de Orelhana, e Antônio Moniz Barreto, mestre de campo, e de Tristão de Mendonça, capitão-mor da esquadra do Porto, se foram para eles levantando as mãos em sinal de rendidos, aos quais desceu a falar o dito Tristão de Mendonça, e Lançarote de Franca, capitão da infantaria, que se foi com eles a falar ao coronel, e do quartel do Carmo, por ordem de Sua Excelência, João Vicente de S. Felix, e Diogo Ruiz, tenente do mestre de campo general, e depois outros recados de parte até se concluir o concerto, o qual se fez por escritura pública em presença de pessoas do Conselho, que foram da parte dos holandeses Guilhelmo Stop, Hugo Antônio, e Francisco Duchs.

Da parte de Sua Majestade o marquês d. Fadrique, o marquês de Cropani, d. Francisco de Almeida, e Antônio Moniz Barreto, mestres de campo de dois terços de portugueses: d. João de Orelhana, mestre de campo de um terço castelhano: d. Jerônimo Quexada, auditor-geral da armada castelhana, Diogo Ruiz, tenente do mestre de campo general, e João Vicente de S. Felix, as quais todos, depois de suas conferências, assentaram que os holandeses entregariam a cidade ao general d. Fadrique de Toledo em nome de Sua Majestade, no estado em que se achava aquele dia 30 de abril de 1625, a saber, com toda a artilharia, armas, bandeiras, munições, petrechos, bastimentos, navios, dinheiro, ouro, prata, jóias, mercancias, negros escravos, cavalos, e tudo o mais, que se achasse na cidade de Salvador, com todas os presos que tivessem, e que não tomariam armas contra Sua Majestade até se verem em Holanda. E o general em nome de Sua Majestade lhes concedeu que todos pudessem sair da cidade livremente com sua roupa de vestir e cama, os capitães e oficiais cada um em seu baú ou caixa, e os soldados em suas mochilas, e não outra coisa, e que lhes daria passaporte para os navios de Sua Majestade, não os achando fora da derrota da sua terra, e embarcações em que comodamente pudessem ir, e mantimentos necessários para três meses e meio, e que lhes dariam os instrumentos náuticos para sua navegação, e os tratariam sem agravo, e lhes dariam armas para sua defesa na viagem, sem as quais sairiam até os navios, salvo os capitães, que poderiam sair com suas espadas.

Assinaram-se estas capitulações no quartel do Carmo a 30 de abril de 1625, por d. Fadrique de Toledo Osório. Guilhelmo Stop. Hugo Antônio. Francisco Duchs.

NB. Este capítulo foi copiado das adições e emendas a esta História do Brasil.