Havia um rapaz são, robusto, bom, valente,
De espadua larga e rija; um ceifador gentil.
Cavava todo o dia, andou sempre contente
E a feria dava á mãe sem falta d'um ceitil.
Elle amava a campina e os ceus largos, serenos.
Aos domingos a mãe deixava-lhe uns dez reis.
Deitava-se ao luar, dormindo sobre os fênos,
Na fragrancia do trêvo, ao pé dos cães fieis.
A mãe tinha de seu duas vaquitas mansas:
N'um cerro agreste e vil alguns palmos de chão.
E tinha ainda mais não sei quantas creanças
Que andavam nuas sempre e sempre a pedir pão.
O pae mal se sustinha ás vezes sobre as pernas:
Era bebado e mau, batia na mulher;
E á noite, ao scintillar dos vinhos nas tavernas,
Cantava canções vis de a gente ensurdecer.
Um dia uma senhora honesta da cidade,
Esplendida, gentil, sabendo-se sorrir,
Reparou no rapaz; achou-lhe propria a idade
E fez-lhe um certo gesto:—o moço não quiz ir.
Teve um assomo de raiva, então, sua excellencia.
Ordenou-lhe que fosse: o moço disse,—irei!
Despediu-se dos seus: devia obediencia
Á senhora gentil que se chamava... a Lei!
Pegou no velho alforge e no bordão nodozo
E metteu-se a caminho. Os pobres dos irmãos
Choravam á partida:—um quadro doloroso!
A mãe louca de dôr torcia as magras mãos!
Chegando no outro dia ao ponto onde o chamaram
Primeiro foi medido e todos a final,
Depois de bem revisto, á uma, concordaram
Que ao serviço do rei convinha este animal!
Aquell'outra senhora, astuta, grave, terna,
—A ordem—jubilava em doces pulsações!
Contava mais um servo, um filho, na cazerna,
Gastando pouco mais:—uns cobres e uns feijões!...
Agora quando passa o batalhão luzente
Na rua, podeis ver o pobre cavador
Com modos imbecis, marchar pesadamente
—Heroe por conta alheia—ao rufo do tambor!
Não sabe onde caminha entre as guerreiras hostes!
Perguntem-lhe o que é patria e liberdade e lei!
Caminha simplesmente ás ordens dos prebostes
Que trazem no chicote a salvação do rei.
E na pobre cabana ainda se conserva
O mesmo quadro triste:—a lacrimosa mãe;
Alguns pequenos nús rolando sobre a herva,
E um ebrio que pragueja e não pensa em ninguem!—
Mulher não chores mais: a quadra é pura e bella:
Emquanto na campina alouram os trigaes,
Teu filho guarda o mundo e a Deus faz sentinella:
Receiam que Deus faça andar o mundo mais.
Em breve elle virá de jubilo e d'assombro
Encher tua alma, em fim, quando ámanhã voltar
Com seu velho canudo, a trouxa posta ao hombro,
Trazendo novamente a luz ao pobre lar.
E tu perguntarás: o que é meu filho, é ouro!!
A quantas guerras foste? ó ceus, como tu vens!
—Mãe tome essa lata! esconda o meu thesouro
E deixe-me ir dormir no fêno ao pé dos cães!