(Do Seculo XIX, de Penafiel, n.º 20, 1864).
I
Flor dos povos! oh tu que inda te embalas,
E inda em botão, aos ventos do futuro!
Que tens por vazos e jardins e salas
Toda a vasta extensão do tempo escuro!
E frontes gloriosas a adornal-as,
A fronte da historia, o grande auguro!
Lirio que saes do seio á humanidade
Como filha melhor — Fraternidade!
Deixa que escreva aqui teu nome todo,
E já d'aqui aspire teu perfume!
E, arredando co'as mãos o frio lodo
Do presente, me aqueça a esse teu lume!
Deixa beijar-te em sonho, e d'este modo
Trazer-te unida ao seio, que consumme
Esta ancia ardente de destino novo,
E este fogo roubado ao seio do povo!
Porque te vemos só quando sonhamos...
E, irmã! só nos sorris em nosso somno...
E, a dormir, doce amiga, te beijamos!
Tu — só em nossas almas — tens teu throno
Ainda! mas, sem ver-te, te adoramos,
E, como um cão fiel segue o seu dono,
Trazemos ante o olhar tua lembrança,
E caminhamos cheios de confiança!
Fraternidade! esta palavra é suave,
Como antegosto de melhor destino!
Como a onda de um Ganges que nos lave!
E como a pósse de um penhor divino!
Como o vôo sereno de uma ave
Que, sendo apenas ponto pequenino,
Emtanto faz, transpondo ao longe um monte,
Sonhar com melhor céo e outro horisonte!
O grande céo! o céo da humanidade!
Onde os povos serão constellações,
E, destillando a luz da liberdade,
Serão astros e estrellas as nações!
Onde hade o grande laço da egualdade
Reunir a vontade e os corações!
Cobrindo-os, a dormir, os mesmos céos,
Terão todos tambem o mesmo Deus.
Não vejo outro Evangelho de ouro escripto
Dentro no homem, — nem sei que outro areal,
Outro cabo, outro monte de granito,
Do grande navegar surja a final!
Guiados pelo instincto do infinito
É para lá que os povos — náo real! —
Hão a prôa virar lá quando um dia
Marearem pela bussula harmonia!
II
Hãode então, como irmãos, reconhecer-se
Os amigos — ha tanto tempo ausentes!
Hão então (caso novo e estranho!) ver-se
Face a face as nações, sem que dementes
As entranhas se rasguem! e hade lêr-se
Um protocolo, em letras de ouro, ingentes,
Escripto, sem emenda e sem errata,
Por mãos do amor — o grande diplomata!
III
Elle é quem concilia as differenças,
Quem nos concilios hade erguer a voz,
Tirando nova ideia e novas crenças
Das esfriadas cinzas dos avós!
E, sem trabalhos, e sem dôres immensas,
E sem rios de sangue e pranto após,
Rasgando o ventre á velha liberdade
Sairá á luz a joven Egualdade!
É doce vêr assim, á luz da esperança,
Pelo futuro dentro, as cousas bellas...
Prevêr do céo humano essa mudança,
Que em sóes converte as minimas estrellas!
Do passado infeliz eis a vingança!
E dos mortos as faces amarellas,
Córando de ventura e de alegria,
Hãode surgir, emfim, á luz do dia!
IV
E nós tambem, tambem commungaremos
Na grande communhão das novas gentes:
Tambem os nossos braços ergueremos
— Braços livres de jovens impacientes —
E o cinto d'este Velho quebraremos,
De aonde a espada e o sceptro estão pendentes,
(Já tão gastos!) lançando-os á ribeira...
Para o coroar de palmas e oliveira!
Hespanha — irmã! que boda alegre a nossa!
Como hãode então teus seios palpitar!
Que ribeira de lagrimas tão grossa
Teu branco véo de noiva hade estancar!
Como hade parecer pequena poça
Para os banhos, então, o grande mar!
E entornar-nos volupia nos desejos
O mixto de odio antigo e novos beijos!
........................................
Mas tu 'stás presa!... e nós... 'stamos dementes!
Separa-nos o abysmo! os teus algozes...
A cruz de Ignacio... e as garras inclementes
Dos leões orgulhosos e ferozes...
E a estupidez do povo dos valentes,
D'estes pardaes de atroadoras vozes...
Entre nós nos cavaram oceanos...
Sejam-lhe ponte os corpos dos tyrannos!
Porque beijas teus ferros, pobre louca,
E cuidas 'star beijando cousa santa?
E, tendo em tuas mãos cousa tão pouca,
Tão tenue como a capa de uma santa,
Pensas avassalar a terra amouca,
E te ergues com vaidade e gloria tanta?
Oh! tu, cuidando os orbes abraçar,
Só ruinas abraças — Throno e Altar!
Lembre-te a voz do Cid! a atroadora
Voz que se ouvia ao longe nos combates!
Porque tu estás feita psalmeadora
No côro das egrejas — porque bates
No peito, em vez de erguer dominadora
A tua mão em meio de combates,
E livre e bella, oh Hespanha, olhar os céos
Procurando por lá teu novo Deus!
V
Como nos amaremos, doce amiga!
Como então amaremos! que noivado
O nosso não será!... Não tem a espiga
No campo côr melhor, nem mais doirado
Esplendor, do que tu, bella inimiga.
Hasde vêr a ventura... quando o estrado
Do leito nupcial fôr Liberdade,
E fôr docel o céo — Fraternidade.