Illustrissimo Senhor,
De Virtudes mui perfeito,
Vós deveis de ser eleito
De todas as Leis dador.

Deos vos deu tanto primor,
Que não se acha em vossa marca
Mais subido Patriarcha,
De nobre Gente Pastor.

Determinei de escrever
A minha çapataria:
Por ver Vossa Senhoria
O que sahe de meu cozer.

Que me quero entremeter
Nesta obra, que offereço
Porque saibão o que conheço,
E quanto mais posso fazer.

Sahirá de meu cozer
Tanta obra de lavores,
Que folguem muitos Senhores
De a calçar, e trazer.

E quero entremeter
Laços em obra grosseira,
Quem tiver boa maneira
Folgará muito de aver.

Cozo com linho assedado,
Encerado a cada ponto;
Cozo meudo sem conto,
Que assim o quer o calçado.

Se vier algum avizado
Requerer algumas solas,
Eu as corto sem bitolas,
E logo vai sobresolado.

Tambem sou official:
Ás vezes cozo com vira,
E sei bem como se tira
O ganho do cabedal.

Se vier algum zombar
Fazer me qualquer pergunta,
Dir lhe hei, como se ajunta
A agulha com o dedal.

Minha obra he mui segura
Porque a mais he de correia,
Se a alguem parecer feia,
Naõ entende de costura.

Eu faço obra de dura,
E não ando pela rama,
Conheço bem a courama,
Que conve[m] á creatura.

Sei medir, e sei talhar,
Semque vos assim pareça:
Tudo tenho na cabeça,
Se o eu quizer usar.

E quem o quizer grozar,
Olhe bem a minha obra,
Achará, que inda me sobra
Dous cabos pera ajuntar.

Sempre ando occupado
Por fazer minha obra boa,
Se eu vivera em Lisboa,
Eu fôra mais estimado.

Contente sou, e pagado
De lançar um so remendo,
Indaque estem remoendo,
Não me toquem no calçado.