Sibila lambebant linguis vibranlibas ora.
VIRGÍLIO
- I
Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda,
E lustra o dorso nu da índia americana...
Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda,
E pousa o colibri nas flores da liana.
Ali — a luz cruel, a calmaria intensa!
Aqui — a sombra, a paz, os ventos, a cascata...
E a pluma dos bambus a tremular imensa...
E o canto de aves mil... e a solidão... e a mata...
E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
A Indígena, a gentil matrona do deserto
Amarra aos palmeirais a rede mosqueada,
Que, leve como um berço, embala o vento incerto...
Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado
A perna a n ais formosa-o corpo o mais macio,
E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
Entrega um seio nu, moreno, luzidio.
Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro,
Do verde gravata nos cachos reluzentes,
Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
E desce devagar pelos cipós pendentes.
E desce... e desce mais... à rede já se chega...
Da índia nos cabelos a longa cauda some...
Horror! aquele horror ao peito eis que se apega!
A baba — quer o leite! — A chaga — sente fome!
O veneno-quer mel! A escama quer a pele!
Quer o almíscar-perfume!-O imundo quer-o belo!
A língua do reptil-lambendo o seio imbele!...
Uma cobra-por filho... Horrível pesadelo!...
- II
Assim, minh'alma, assim um dia adormeceste
Na floresta ideal da ardente mocidade...
Abria a fantasia— a pétala celeste...
Zumbia o sonho d'ouro em doce obscuridade...
Assim, minh'alma deste o seio (ó dor imensa!)
Onde a paixão corria indômita e fremente!
Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença,
Não boca de mulher... mas de fatal serpente!...