Crime e mistério: o fogo e a história

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A dramaticidade destrutiva torna os incêndios memórias históricas fundamentais, como os famosos incêndios de Roma, do Reichstag na Alemanha e da Prefeitura de Cascavel, por exemplo, quando inocentes por um triz não foram linchados pela população indignada.

Mas há outros incêndios ocorridos na região que também tiveram sua carga de influência histórica. Este foi o caso, por exemplo, do primeiro de uma série de incêndios misteriosos ocorridos em Cascavel. Foi em 1959, quando as chamas devoraram a primeira usina que forneceu energia elétrica para os cascavelenses. Era movida a óleo diesel e contava com o apoio de um locomóvel a lenha. O incêndio também destruiu o locomóvel, além das instalações da usina. Esse incêndio teve como conseqüência histórica a decisão da Prefeitura de construir uma usina hidrelétrica, que viria a ser implantada no salto do rio Melissa.

Depois do incêndio criminoso da Prefeitura em 1960[1], em 1962 ocorreram os incêndios florestais mais terríveis já vividos pela região, provocados por uma seca prolongada. Cascavel desapareceu debaixo de uma nuvem de fumaça por vários dias, enquanto ao redor da cidade queimavam as florestas com seus majestosos pinheirais. “Há quinze dias que vivemos no meio de fumaça. Os olhos ardem pela manhã e na hora do deitar”, contam os anais do Colégio Marista referentes a 1962.

Em setembro de 1963, o deputado federal Lyrio Bertoli foi ao Congresso pedir apoio aos paranaenses, empobrecidos pelos prejuízos econômicos decorrentes dos vastos incêndios que devoraram campos e matas, trazendo desespero à população. Depois, Lyrio foi ao plenário da Câmara para agradecer ao povo brasileiro pela solidariedade demonstrada com os paranaenses, “desolados pelo fogo que devastou todo o Estado”.

Quase oito anos depois do incêndio criminoso que destruiu a Prefeitura de Cascavel, mais uma tragédia alcançaria instalações do poder constituído. No dia 18 de setembro de 1968 o fogo destruiria implacavelmente as dependências do novo Fórum Desembargador José Munhoz de Mello, então instalado na travessa Willy Barth, hoje Jarlindo João Grando, área mais tarde transferida ao Instituto de Previdência Municipal e ocupada por um depósito de empresas públicas.

“Depois que saiu da minha Escola Técnica, o Fórum foi para a travessa. Foi construído pela Prefeitura e funcionava bastante apertado, porque já na época havia duas varas mais o Cartório Eleitoral. Os três cartórios funcionavam num aperto danado” (Antônio Cid, depoimento).

O fogo foi descoberto por volta de meia-noite do dia 18 para 19 de setembro. Cid era o escrivão eleitoral e sua equipe trabalhava até tarde da noite porque faltava pouco mais de um mês para as eleições.

“Nós trabalhávamos toda noite até 11, 11 e meia, às vezes até meia-noite. Naquele dia em que o Fórum incendiou-se, ou pegou fogo, ou atearam fogo, nós saímos dali por volta das 11 e meia. E quando eu e os demais funcionários entramos na perua Kombi, eu percebi que a luz do Fórum tinha ficado acesa. Então pedi a um funcionário, de nome João, para descer e ir lá desligar a chave da luz que ficou ligada” (Antônio Cid).

Incendiários perderam tempo

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O funcionário desligou a chave observado pelos demais colegas e pelo escrivão. Cid em seguida os deixou, um a um, em suas casas, dirigindo-se, por fim, à sua residência. Quando acabara de chegar, Cid viu alguém surgir desesperado, aos gritos: “Acorda, que o Fórum está pegando fogo!”

“Dirigi-me para lá, mas quando cheguei não dava para fazer mais nada. O prédio era todo de madeira de pinho e havia muito papel lá dentro, principalmente na parte eleitoral, que foi onde começou o fogo. Nós tínhamos posto todos os processos eleitorais, tanto daquele ano, 68, quanto dos anos anteriores, no forro. A grande quantidade de papel que havia ali deve ter ajudado o fogo a se alastrar com relativa facilidade pelo casarão” (Antônio Cid).

Uma onda de suspeitas, como em 1960, por ocasião da queima da Prefeitura, varreu a cidade. Os grupos adversários acusavam-se mutuamente na surdina, porque ninguém tinha coragem de levantar denúncias oficiais, na falta de indícios. A ditadura estava chegando ao auge e havia muito medo nas ruas da cidade. Além disso, foi um crime que tinha tudo para ser perfeito: seus autores só não se lembraram de que o Cartório do Distribuidor funcionava na residência da cartorária Aracy Tanaka Biazetto, que conseguiu preservar boa parte da memória jurídica da Comarca.

As suspeitas mais evidentes recaíram sobre pessoas que tinham contra si ações muito pesadas, envolvendo elevados interesses financeiros, além de figurões com processos espinhosos na área criminal. Um deles, aliás, referente a outro sinistro suspeitíssimo: o da Prefeitura, em dezembro de 1960. Desconfianças sobre o caráter criminoso do incêndio também afloraram quando se descobriu que alguns processos haviam milagrosamente escapado do incêndio. Este foi o caso de uma tentativa de furto de jipe, acompanhado pelo advogado Valdir Webber. Ele descobriu que o processo, obrigado a estar no Fórum no dia do incêndio, havia inexplicavelmente sido salvo.

Havia também o complicado processo eleitoral. Um candidato indesejável para as elites - Zacarias Silvério de Oliveira, que fazia o figurino populista do velho PTB e depois foi cooptado pelos seus ex-adversários - liderava as pesquisas informais de opinião que se fazia na época e concentrava seu eleitorado na periferia da cidade e na zona rural. A destruição dos registros eleitorais do interior liquidava suas chances de vitória.

“Com a queima do Fórum, não se realizariam as eleições que se aproximavam. Quando o Tribunal Eleitoral já se preparava para isto, o dr. Sidney Dietrich Zappa, reunindo um grupo de pessoas da cidade, com elas elaborou inteligente plano, comunicando ao Tribunal que realizaria as eleições” (Alcides Pereira, depoimento).

Naqueles meados de setembro, o Juiz Sidney Zappa estava para proferir sentenças de três ou quatro processos envolvendo grandes interesses pecuniários. As partes que se consideravam antecipadamente derrotadas teriam teoricamente vantagens com a destruição definitiva dos processos.

A perícia constatou que o incêndio do Fórum foi de fato criminoso. As chamas brotaram justamente pelos fundos do prédio, onde se encontrava o Cartório Eleitoral. A constatação chegou a levantar suspeitas sobre a equipe do cartorário Antônio Cid, que deixara o fórum minutos antes da eclosão do incêndio. No entanto, o Cartório Eleitoral teria forçosamente que ser o alvo inicial de qualquer incendiário criminoso: era não só a área mais oculta para o sigilo da ação quanto a mais propícia para a rápida propagação das chamas. Se começasse pela frente, seria logo visto e combatido.

(Fonte: Alceu A. Sperança, jornal O Paraná, seção dominical Máquina do Tempo)

  1. ver Exaltados_queriam_linchar_o_prefeito,