Eu não sou tua mãe que te preza?
Tu não vês meus cuidados maternos?
E me escondes as dores que sentes?
Não sei eu teus desgostos internos?
Eu te disse, meu filho, eu te disse
Que jamais te apartasses de mim.
Tu quiseste, meu filho, tu foste,
Tu agora padeces assim.
Tu deixaste meu seio materno,
Tu deixaste teu pai tão doente!
Vê teu pai, como, gasto de angustias,
Chora e geme — perdido e demente.
Tu deixaste os lugares da infância,
Mais as flores do nosso jardim.
Já não brotam, não cheiram as flores,
Já não deitam perfumes assim.
Já não deitam botões as roseiras,
Já não deitam se quer uma flor.
Elias sentem, percebem — coitadas —
Que perderam também seu cultor.
Eu beijei teu fantil jasmineiro,
E pedi-lhe em teu nome um jasmim,
Veio a brisa, moveu-lhe a folhagem;
Percebi que negava-mo assim.
Tuas plantas bem sabem — coitadas —
Que perderam seu lindo cultor.
Elias sabem também que tu vives
Sepultado no abismo da dor.
Teu presente, meu filho, é tão triste!
Que será teu futuro e teu fim?
E quem pode esperar mais horrores
Quem começa com tantos assim!
Tu quiseste ser monge, tu foste,
Tu saíste da casa paterna.
Insultaste os maternos pedidos,
Mais a queixa infantil e fraterna.
Teus irmãos levantaram mil vozes
Com seus lábios de ardente rubim.
E clamaram, — coitados — chorando,
Que não há, como o teu, gênio assim!
Tu cortaste os anéis dos cabelos,
— Teus cabelos, que eu tanto estimava.
Eu por eles chorei... tu sorriste,
Tu mais fero que a fera mais brava!
Eu por eles chorei: — que eles eram
Lindos fios de preto cetim.
Para seus tua irmã os queria,
Que os não tinha tão belos assim.
As mãozinhas da irmã que te chora
Teus cabelos, brincando, alisavam.
Quantas vezes meus lábios sedentos
Teus cabelos, meu filho, beijavam!
Hoje — que é de teus lindos cabelos,
Tão corridos, qual preto cetim?
Hoje tens desnuada a cabeça, —
E que frio não sentes assim?
Mas eu tive coragem p'ra ver-te
Adornado de crepe feral.
E te vi revestido a cadáver,
Como a face do gênio do mal.
Eu a Deus perguntei: — Pois ao mundo
Para as dores somente é que eu vim?
Para ver e sentir que meu filho
Dá-me tantos martírios assim?
Nos degraus dos altares ao longo
Te prostraste co'a face no chão.
E juraste ao Eterno ante os homens
Que meu filho não eras mais não.
Blasfemei nesse instante do Cristo
Nos assomos do meu frenesim.
— Os amores de pai não são nada,
Os extremos de mãe são assim!
Blasfemei desse Deus que arrancava
De meus braços meu filho querido:
Que despia-lhe os trajos de seda,
Para dar-lhe um funéreo vestido.
Blasfemei desse Deus que lhe impunha
Férreos votos, eternos, sem fim:
Que seus filhos por vítimas conta:
Que quer tantos martírios assim!
É mentira. Essa lei violenta
Não foi feita por Nosso Senhor.
Nosso Deus não nos prende com ferros,
Mas com laços de dócil amor.
Não inveja da mãe os prazeres,
Como rosas ornando o festim.
Não lhe dá inocentes filhinhos,
Para em vida arrancar-lhos assim.
Blasfemei! — e no reino das chamas
Dos demônios ouviu-me a coorte:
E rompeu numa horrível orquestra,
Digna festa dos filhos da morte!
A minh'alma riscou-a em seu livro
De meu Deus o cruel querubim.
Não faz mal: foi por ti que perdi-a.
Oxalá que eu ganhasse-te assim!
Mas tormentos oprimem teu peito
Mais terríveis talvez que este inferno.
Sim: tu sofres, — eu sei, — mais angustias
Do que sofre meu peito materno.
Já não brinca o prazer em teus olhos
Mais travessos, que vivo delfim,
As tristezas, que afeiam teu rosto,
Não há delas nos homens assim.
Não me escondas, meu filho, estas penas,
De pesares comuns não me prives.
Eu bem sei que sem mim — entre estranhos —
É difícil a vida que vives.
Vem, descerra, meu filho, estes lábios,
Onde vi transpirar-te o carmim.
Foste ingrato, é verdade: mas sabe
Que eu te estimo, meu filho, inda assim.
Entre a febre teu pai se revolve
Nesse leito que outrora foi teu.
Grita, clama, tateia, procura
Só por ti — primogênito seu.
Foste ingrato! — deixaste teus lares,
Teus irmãos, mais teu pai, mais a mim.
Tu quiseste ser monge, — meu filho,
Tu agora padeces assim!