Invenção dos Aeróstatos Reivindicada/Introducção

INTRODUCÇÃO

O homem lutando incessantemente com a natureza; trabalhando sem descanço para a modificar e aperfeiçoar, conhecer-lhe os segredos, senhorear-lhe as forças; oppondo intelligente e previdentemente os seus esforços ao cego e fatal influxo das potencias physicas ; sahindo d'esta lide algumas vezes vencido, muitas vencedor—tal é o interessante e sublime espectaculo que nos offerece a historia scientifica dos ultimos tempos.

Os arrojados navegadores dos seculos XV e XVI tinham saciado a curiosidade da Europa no que dizia respeito à geographia. Patenteadas por Bartholomeu Dias e Diogo Cam as mais importantes das regiões desconhecidas da Africa, por Vasco da Gama as da Asia, por Colombo e Cabral todo um continente, cuja existencia parecera antes fabulosa, effeituados esses grandes descobrimentos, buscou o espirito humano outro Ignoto, que continuasse a cevar-lhe o desejo de saber e a proporcionar-lhe ao mesmo tempo novas condições de desenvolvimento e de progresso. Encontrou-o nos phenomenos da natureza. Em perscrutar-lhes as causas e determinar-lhes as leis, no estudo das virtudes e attributos dos corpos se empenharam então os homens mais ingenhosos ou mais trabalhadores das nações cultas. As explorações geographicas, ás conquistas de novos reinos seguiram-se as descobertas das sciencias e as invenções das artes. Aos illustres navegadores, pela maior parte portuguezes, cujos gloriosos feitos marcam na historia uma epoca notavel, succederam os grandes sabios e inventores—Newton, Galileu, Lewenhoek, Papin e tantos outros, que, como os primeiros,

.....por suas obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando.

Nos fastos das nações não teem hoje logar menos distincto as conquistas do pensamento, que outr'ora os triumphos obtidos á custa do sangue humano, derramado nos campos da batalha. E tanto se ufanam os povoS modernos d'estas victorias, alcançadas pelo espirito sobre a materia, que, com relação aos mais valiosos descobrimentos, não cessam alguns de se dispular primazias e precedencias.

Em tão honroso certame pode entrar tambem o nosso Portugal, com quanto seja pequena a lista dos seus grandes inventores em comparação das que nos apresentam outros paizes da Europa. A longa decadencia, que veiu depois da epoca gloriosa das emprezas maritimas, os poucos recursos, que a nossa patria offerecia ao desenvolvimento das sciencias e das artes, dão cabal explicação da differença.

Todavia Bento de Moura mereceu de seus contemporaneos que lhe chamassem o Newton portuguez, e Bartholomeu Lourenço de Gusmão foi o precursor de Montgolfier.

Abundam na historia, ainda de remotas eras, noticias de tentativas aeronauticas. Entretanto as mais notaveis e numerosas não antecederam a grande reforma das sciencias physicas. Só depois que se conheceu a verdadeira importancia da observação e da experiencia, e se começaram a colher os seus magnificos fructos, é que ellas poderiam ministrar aos espiritos ousados e emprehendedores os melhores e mais valiosos recursos para a appetecida solução do problema da navegação aerea.

É naturalissimo ao homem o desejo de supplantar a lei fatal da gravidade, desprender-se da face do globo e ascender ás alturas da atmosphera. Incita-o a vontade para as regiões mysteriosas das nuvens e do raio ; impelle-o uma aspiração vaga e indefinida a trocar, pela ampla liberdade dos ceus, as miseras prisões terrenas ; move-o emfim o sentimento da perfectibilidade a assimilhar-se aos entes superiores, que todas as religiões admittem, dotados com o sublime atributo de se elevarem na atmosphera e percorrerem seus vastos dominios.

Não admira, pois, que, vendo-se condemnado a rastear pela terra, tenha por muitas vezes querido contraverter esta determinação do destino. Outras contravertera já. Animava-o o successo d'essas emprezas felizes ; não faltaram a Dedalo imitadores e a Icaro companheiros.

Mais lhe redobravam o empenho as difficuldades inherentes á execução do designio.

A fraqueza de seus musculos para percorrer as longas distancias terrestres vencera-a comn o auxilio dos animaes domesticos, em quanto não soube domar tambem a força do vapor. Supprira por meio da arte a insufficiencia de sua organisação para vogar incolume na superficie da agua. Alargara assim o seu imperio por todos os continentes e por todos os mares. Mas o elemento do ar resistia-lhe sempre. Este fluido indomito, este meio pertinazmente rebelde parecia zombar de todos os esforços, deixando quem os empregava inferior, n'este ponto, ás aves e até aos insectos alados.

Para resolver o problema da navegação propriamente dicta, servira de mestra a natureza. Na forma de barco está imitado o corpo esguio e alongado do peixe, nos remos as barbatanas, no leme a cauda, e ainda nas velas, se merecessem credito antigos escriptores, os braços espalmados e membranosos de um animal aquatico. Querendo descobrir o segredo de se librar nos ares, o homem estudou o mechanismo das aves, como antecedentemente observara o dos peixes para abrir o caminho do oceano.

Archytas, amigo e mestre de Platão, fabricou uma pomba de madeira, que, movida por certo artificio interior, voava por algum espaço. Com automatos simillhantes distrahia Torriano a Carlos V no convento de Yuste, onde findou seus dias, trocando pela humildade da vida religiosa as grandezas do imperio e as pompas mundanas.

Sem fallar de Simão Mago, a cujo vôo, segundo contam, as orações de S. Pedro pozeram desgraçado fim, ou do imprudente que em tempo do imperador Manuel Comneno quiz voar do cimo da torre do hippodromo de Constantinopla e deu miseravelmente em terra ; não faltam outras tentativas, mais bem averiguadas, de alguns physicos ou mechanicos, que pretenderam percorrer os ares, servindo-se de apparelhos similhantes ás azas das aves.

No seculo XI Oliveiro de Malmesbury, benedictino inglez, lançou-se do alto de uma torre com azas artificiaes. Voou por algum espaço, mas afinal cahia e quebrou as pernas ; dizendo depois d'este desasıre, acrescentam alguns, que o não teria soffrido, se alem das azas, levasse uma cauda.

No seculo XIII Rogero Bacon deu n'um de seus livros a descripção de certa machina volante, que um homem poderia elevar e impellir na atmosphera, movendo umas grandes azas á maneira de remos.

João Baptista Dante fabricou em Perusia no seculo XV umas azas artificiaes, com que voou algumas vezes por cima do lago Trasimeno.

De apparelhos similhantes se serviram com vario successo, entre outros muitos, Le Besnier, o marquez de Bacqueville, Alard e Desforges. Todos estes ensaios, porèm, mostraram que, para se mover nos ares à maneira das aves, não tem o homem força bastante nem organisação apropriada.

O padre Lana, segundo crêmos, foi quem primeiro expendeu a idêa de construir um apparellho especificamente mais leve que um egual volume de ar, e por isso capaz de se elevar na atmosphera. Todavia a sua barca volante, tal como a descreveu em 1670 no Prodromo dell'arte maestra, ninguem a chegou a construir e muito menos a experimentar. Nem uma nem outra coisa seria possivel, porque os quatro balões de cobre que a barca deveria levar vazios, se tivessem a espessura bastante para resistirem á pressão atmospherica, pezariam mais que o ar que deslocassem, e se fossem tão delgados que pesassem menos, rebentariam por effeito d'aquella pressão.

Pondo de parte por inexequivel, nunca experimentado, e incapaz de o ser, o designio do padre Lana, não consta que, antes de Bartholomeu Lourenço de Gusmão, ou depois d'elle até Montgolfier, houvesse quem pretendesse resolver o problema da navegação aerea, soccorrendo-se de apparelhos mais leves que o ar, isto é de verdadeiros aerostatos[1]

Ha em todo o invento uma idêa fundamental, caracteristica, em que, por assim dizer, está a sua essencia. Na machina de vapôr è o emlolo movido pela força expansiva do vapôr da agua. Na illuminação a gaz é a distillação das substancias organicas para lhes extrahir um fluido combustivel e capaz de dar luz clara e brilhante. Na photographia é a fixação das imagens dos objectos sobre corpos que a luz modifica. Na aerostação, finalmente, é a preparação de envoltorios, que, cheios de ar dilatado pelo fogo ou de fluidos mais leves que o ar, sobem n'elle por virtude do principio denominado d'Archimedes.

E assim como não ha rasão para contestar a Papin a gloria do descobrimento das machinas de vapôr, se bem que só alguns annos mais tarde Savery construisse a primeira capaz de receber uteis applicações:[2] assim como ao engenheiro Lebon se attribue o achado da illuminação a gaz, com quanto fosse depois Murdoch o primeiro que a pozesse por obra ; assim como se julga de Niepce a invenção da photographia, apesar de se deverem a Daguerre as modificações e aperfeiçoamentos indispensaveis para se generalisar o processo photographico ; assim tambem a gloria da invenção das machinas aerostalicas pertence a Bartholomeu Lourenço de Gusmão, embora setenta e quatro annos depois os irmãos Montgolfiers, sem conhecerem as tentativas do nosso compatriota, chegassem ao mesmo resultado e conseguissem, pelo tempo e logar em que viviam, generalisar e popularisar este grande descobrimento.

Para mostrar, pois, que é portugueza a sua primeira origem, não precisamos de mais que provar que Bartholomeu Lourenço se serviu do fogo para fazer subir na atmosphera um envoltorio de panno ou de papel, porque se não sabe de quem antecedentemente executasse similhante experiencia. Ora os documentos contemporaneos não deixám a menor duvida sobre este facto.

Antes das experiencias dos Montgolfiers, e mais em particular depois d'ellas, varios escriptores, tanto nacionaes como estrangeiros, alludiram ao invento de Barthelomeu Lourenço de Gusmão. Mui differentes e até contradictorias noticias deram a este respeito e ainda hoje estão dando em livros recentemente publicados[3]. Entretanto na Memoria de Francisco Freire de Carvalho, impressa em 1843 pela Academia real das sciencias, e no artigo respectivo do Diccionario bibliographico do sr. Innocencio Francisco da Silva encontram-se, ali os documentos e aqui as datas e indicações bastantes, para corrigir as inexactidões divulgadas.

O auctor da Memoria citada colligiu importantes testimunhos, em cuja publicação prestou grande e valioso serviço. Não satisfez, porem, plenamente no modo por que pretendeu reivindicar para a nação portugueza a gloria da invenção das machinas aerostaticas. Era Francisco Freire de Carvalho muito versado na lilteratura latina e nacional, mas faltava-lhe o conhecimento das sciencias physicas, indispensavel para bem tractar o assumpto e tirar das premissas contidas nos documentos todas as conclusões congruentes ao fim que se propuzera.

No anno de 1860 encontrámos no archivo da Bibliotheca da Universidade de Coimbra muitos manuscriptos relativos á machina volante e a seu inventor. Uns corriam já impressos na Memoria de Freire de Carvalho ; outros eram ineditos e completamente ignorados d'este e de todos os curiosos investigadores, que até áquella epoca haviam diligenciado apurar a verdade de um successo tão obscuro como interessante para a historia scientifica do nosso paiz.

Sobre os novos documentos e os outros já conhecidos escrevemos no Instituto, a cuja redacção tinhamos a honra de pertencer n'aquelle tempo, uma serie de artigos desde junho de 1860 até fevereiro de 1861. Parecendo-nos agora que na publicação completa d'estes documentos e dos que posteriormente lográmos colligir, na confrontação das copias differentes e no exame critico de todos, porem mais minucioso, mais methodico e sobre tudo mais allumiado pelo facho das sciencias physicas, alguma utilidade haveria, resolvemo-nos a imprimir o opusculo que hoje offerecemos ao publico. Se foi boa ou má resolução não o diremos nós, mas as pessoas illustradas que prezam as glorias portuguezas e não padecem ainda o achaque de dar cega e geral preferencia ás coisas estrangeiras sobre as nacionaes.

A fim de não deformar o processo analytico que vamos emprehender com o que não está strictamente ligado ao assumpto, daremos n'este logar uma succinta noticia biographica de Bartholomeu Lourenço de Gusmão.

Nasceu este nosso insigne compatriota no anno de 1685 na provincia de S. Paulo do Brazil na villa de Santos, elevada em 1830 á cathegoria de cidade. Foi filho do cirurgião mor Francisco Lourenço e irmão de Alexandre de Gusmão, celebre diplomata e ministro d'estado d'elrei D. João V.

Destinado a seguir a carreira ecclesiastica, veiu para Portugal ainda em verdes annos e cursou com distincção os estudos da Universidade de Coimbra, onde recebeu o grau de doutor na faculdade de canones[4]. Segundo refere Barbosa na Bibliotheca Lusitana, foi muito versado não só na jurisprudencia, mas nas humanidades ; sabia com pureza a lingua latina, fallava com promptidão a franceza e a italiana e tinha grande intelligencia da grega e hebraica.[5] Estes estudos não o inhibiram de se applicar ás sciencias physicas, que provavelmente cultivou ainda em Coimbra, pois contava apenas vinte e quatro annos quando em Lisboa fazia as suas experiencias aeronauticas, e escrevia sobre o modo de esgotar sem gente as naus que fazem agua[6].

Bartholomeu Lourenço de Gusmão exerceu com applauso o ministerio do pulpito. Dos seus sermões correm impressos tres em 1712, 1718 e 1721. Foi um dos cincoenta academicos, com que em dezembro de 1720 se constituiu, sob a protecção de D. João V, a Academia real de historia. Encarregado por esta associação de escrever as Memorias para a historia ecclesiastica do bispado do Porto, occupou-se d'este assumpto em varias conferencias, e leu o prologo da obra, com approvação geral da assemblèa, em 13 de juiho de 1721. Em duas sessões tratou por incidente do supposto concilio bracharense do anno de 411, cuja existencia refutou contra a opinião de diversos escriptores e até de alguns seus consocios[7].

El-rei D. João V dispensou-lhe grande favor e o nomeou fidalgo capellão da casa real, por alvará de 16 de janeiro de 1722. O mesmo monarcha o encarregou de missões diplomaticas na côrte de Roma, conforme affirmam os srs. Innocencio da Silva e Ferdinand Denis, com quanto na Bibliotheca Lusitana não vejamos mencionada similhante circumstancia.

Em setembro de 1724, para escapar ás perseguições do Santo Officio, fugiu precipitadamente de Lisboa em companhia de seu irmão fr. João Alvares de Santa Maria, da ordem dos carmelitas. Passou a Hespanha, e, sobrevindo-lhe uma febre maligna, se recolheu ao hospital de Toledo, onde falleceu a 18 de novembro de 1724, e foi sepultado na egreja parochial de S. Romão d'aquella cidade[8].

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  1. Pouco tempo depois que o celebre Cavendish fez conhecidas as propriedades do hydrogenio, o doutor inglez Black avançou que um leve e tenue envoltorio, comno uma bexiga, cheio d'aquelle gaz e formando um todo mais leve que um egual volume d'ar, poderia elevar-se e sustentar-se na atmosphera. Não chegou porem a fazer as experiencias que para o demonstrar annunciara. Tentou-as mais tarde, no principio do anno de 1782 o italiano Tiberio Cavallo que havia alguns annos se dedicava em Londres com fervorosa diligencia aos estudos physicos. De suas primeiras tentativas não tirou resultado; n'umas por causa do peso dos envoltorios de que se servia, n'outras porque o hydrogenio sahia filtrado pelos poros das substancias de que os fabricava. Afinal contentou-se de lançar ao ar bolhas de sabão, que enchia de hydrogenio por meio de uma bexiga com este gaz, adaptada aos tubos com que as formava.
    A proposição aventada por Black já antecedentemente o tinha sido pelo padre Lana, e a experiencia das bolhas de sabão não differiu tanto do brinquedo infantil, usado e conhecido em toda a parte, que mereça a qualificação de tentativa aeronautica.
    Os promenores referidos veem no artigo «Aerostation» do «Dictionnaire des sciences mathematiques» de Montferrier. Não nos parece provavel que as alludidas experiencias tenham maior importancia do que se lhe attribue na obra citada: porque, se a tivessem, por força seriam mais conhecidas. Não deixaremos porem de advertir que Tiberio Cavallo publicou, alem de outros livros de physica, um intitulado «The history of aerostation» (Londres 1785 in 8.º) onde se deve achar a noticia exacta e circumstanciada de suas experiencias.
  2. Não figura na historia das machinas de vapor o nome de Bento de Moura Portugal. Que teve alguma parte importante nos aperfeiçoamentos, que successivamente se foram fazendo a estes apparelhos, é o que múi claramente se deduz da noticia seguinte, extrahida da «Gazeta de Lisboa» de 6 de fevereiro de 1742.
    «A rainha N. S. com os principes e o sr. infante D. Pedro foram a uma das casas reaes de campo, do sitio de Belem, a que chamam da praia, e ali viram as operações de duas machinas, as quaes por meio do peso do ar e da força do vapor levantavam agua, dando o frio occasião a que o peso do ar podesse tornar a reduzir em agua os vapores, em que o calor a tinha transformado. El-rei N. S. com o principe e o sr. infante D. Antonio tinham já visto a operação d'estas machinas, que são as que os inglezes chamam simples, as quaes em terras abundantes de lenha são de grandissima utilidade. Deve-se a sua primeira origem ao marquez de Worcester, e invento da sua practica ao capitão Severi, ambos de nação ingleza, e o moverem-se por si mesmas, com mais algumas circumstancias attendiveis, ao Dr. Bento de Moura Portugal, superintendente e conservador das fabricas reaes da fundição d'artilharia da comarca de Thomar, socio da Real sociedade de Londres, o qual assistiu ás mesmas operações e fez armar as machinas.»
  3. Para exemplo da confusão e divergencia das noticias, que lá fora correm âcerca das tentativas de Bartholomeu Lourenço de Gusmão, apontaremos a obra que Luiz Figuier está publicando sob o titulo: «Les merveilles de la science». O auctor sahiu do embaraço, em que taes noticias o collocavam, advertindo com toda a gravidade que se não deve confundir o Gusmão, que fez experiencias aeronauticas em 1709,com o Bartholomeu Lourenço, a quem chamavam « o Ovoador ». Para desatar o nó Gordiano bastava-lhe abrir qualquer diccionario biographico, mas a ter este pequeno trabalho preferiu lançar mão da espada de Alexandre, posto que bem menos gloriosamente que o illustre conquistador da Persia.
    No mesmo anno outro escriptor francez, lendo mal a inscripção da custodia de Belem e tomando um verbo por um nome proprio, attribuiu-a ao insigne italiano «Acabove» que fez mestre ou fundador de umae scola de esculptura em Portugal.
  4. Segundo uma noticia biographica de Bartholomeu Lourenço, á qual daremos logar mais adiante no capitulo VI d'este opusculo, não foi antes mas depois de 1709 que elle, tendo regressado da Hollanda, completou em Coimbra os seus estudos.
  5. A respeito da prodigiosa memoria de Bartholomeu Lourenço de Gusmão escreveu o padre João Baptista de Castro o seguinte n'um opusculo inedito que intitulou «Indagações curiosas breves e scientificas sobre os inventores e origens de varias coisas.»
    «Aprendendo eu philosophia no anno de 1715 com o R. P.e Filippe Neri da congregação do Oratorio, vi fazer na casa da aula ao D.or Bartholomeu Lourenço de Gusmão, chamado o «Voador», notaveis ostentações de memoria local que pareciam exceder as forças humanas. Abria-se um livro de folha que elle nunca tinha lido ; punha-se a lêr duas ou quatro paginas uma só vez, e as tornava a repetir fielmente, e o que mais admirava, era repetil-as tambem de baixo para cima. Foi homem de grande esphera e que mereceu grandes aplausos n'esta côrte, mas malogrado.»
    Tem este opusculo a data de 1766 e faz parte do Cod. CXII/2-14 da Bibliotheca publica de Evora.
    A asserção do auctor concorda exactamente com o que a este mesmo respeito se lê em a noticia biographica do padre Gusmão citada na precedente nota, a pag. 13.
  6. «Varios modos de esgotar sem gente as naus que fazem agua, offerecido ao muito alto e poderoso rei de Portugal e dos Algarves D. João V Nosso Senhor. Pelo P. Bartholomeu Lourenço. » Lisboa 1710.
  7. «Collecçam dos documentos Estatutos e Memorias da Academia Real de Historia Portugueza»—-tom. 1.° 2.° e 3.° Lisboa 1721, 1722 e 1723.
  8. O conhecimento d'estas ultimas noticias, relativas á fuga e morte de Bartholomeu Lourenço de Gusmão, deve-se a Francisco Freire de Carvalho, que no tom. 1.° das «Actas das sessões da Academia real das sciencias» deu publicidade ao documento d'onde se extrahiram. Vej. a nota final d'este opusculo.