XXIX

Poty voltou do banho.

Segue na areia o rasto de Coatiabo, e sobe ao alto da Jacarécanga. Ahi encontra o guerreiro em pé no cabeço do monte cam os olhos alongados e os braços estendidos para os largos mares.

Volve o Pytiguara as vistas e descobre uma grande igara, que vem surcando os verdes mares, impellida pelo vento;

— E' a grande igara dos irmãos de meu irmão que vem busca-lo?

O christão suspirou:

— São os guerreiros brancos innemigos de minha raça, que buscão as praias da valente nação pytiguara, para a guerra da vingança: elles foram derrotados com os Tabajaras nas margens do Camocim; agora vem com os seus amigos os Tupinambás pelo caminho do mar.

— Meu irmão é um grande chefe. Que pensa elle que deve fazer seu irmão Poty?

— Chama os caçadores de Soipé e os pescadores do Trahiry. Nós iremos a seu encontro.

Poty acordou a voz da inubia; e os dois guerreiros partirão ambos para o Mocoribe. Pouco alem virão os guerreiros de Jaguarassú e Camoropim que corrião ao grito de guerra. O irmão de Jacaúna os avisou da vinda do ennemigo.

A grande maracatim corre nas ondas, ao longo da terra que se dilata até as margens do Parnahyba. A lua começava a crescer quando elle deixou as aguas do Mearim; ventos contrarios a tinhão arrastado para os altos mares muito alem de seu destino.

Os guerreiros pytiguaras, para não espantar o ennemigo se occultão entre os cajueiros; e vão seguindo pela praia a grande igara: durante o dia avultão as brancas velas; de noite os fogos atravessão a negrura do mar, como vagalumes perdidos na mata.

Muitos sóes caminharão assim. Passão alem do Camocim, e afinal pisão as lindas ribeiras da enseada dos papagaios.

Poty manda um guerreiro ao grande Jacaúna e se prepara para o combate. Martim, que subiu ao morro de areia, conhece que o maracatim vem recolher no seio do mar; e avisa seu irmão.

O sol já nasceu; os guerreiros guaraciabas e os tupinambás seus amigos, correm sobre as ondas nas ligeiras pirogas e pojão na praia. Já formão o grande arco, e avanção como o cardume do peixe quando corta a correnteza do rio.

No centro estão os guerreiros do fogo, que trazem o raio; nas asas os guerreiros do Mearim que brandem o tacape.

Mas nação alguma jamais vibrou o arco certeiro, como a grande nação pytiguara; e Poty é o maior chefe, de quantos chefes empunharão a inubia guerreira. Ao seu lado caminha o irmão, tão grande chefe como elle, e sabedor das manhas da raça branca dos cabellos do sol.

Durante a noite os Pytiguaras fincão na praia a forte caiçara de espinho, e levantão contra ella um muro de areia, onde o rio esfria e se apaga. Ahi esperão o ennemigo. Martim manda que outros guerreiros subão a copa dos mais altos coqueiros; ali deffendidos pelas largas palmas, esperão o momento do combate.

A seta de Poty foi a primeira que partiu, e o chefe dos guaraciabas o primeiro heroe que mordeu o pó da terra estrangeira. Rugem os trovões na destra dos guerreiros brancos; mas os raios que disferem mergulhão-se na areia, ou se perdem nos ares.

As setas dos pytiguaras, já cahem do céo, já voão da terra, e se embebem todas no seio do ennemigo. Cada guerreiro tomba crivado de muitas flexas, como a presa que as piranhas disputão nas aguas do lago.

Os ennemigos embarcão outra vez nas pirogas, e voltam ao maracatim em busca dos grandes e pesados trovões, que um homem só, nem dois, podem manejar.

Quando voltão, o chefe dos pescadores, que corre nas aguas do mar como o veloz camoropim, de que tomou o nome, se arroja nas ondas, e mergulha. Ainda a espuma não se apagara, e já a piroga ennemiga se affundou, parecendo que a tragara uma baleia.

Veio a noite, que trouxe o repouso.

Ao romper d'alva, o maracatim fugia no horisonte para as margens do Mearim. Jacaúna chegou, não mais para o combate e só para o festim da victoria.

Nessa hora em que o canto guerreiro dos pytiguaras celebrava a derrota dos guaraciabas, o primeiro filho que o sangue da raça branca gerára nessa terra da liberdade, via a luz nos campos da Porangaba.



Notas editar

Pag. 136.—I. Tupinambás.—Nação formidavel, ramo primitivo da grande raça tupy. Depois de uma resistencia heroica, não podendo expulsar os portuguezes da Bahia, emigrarão até o Maranhão onde fizerão alliança com os franceses que já então infestavão aquellas paragens. O nome que elles se davão significa—gente parente dos Tupys—de Tupyanama—aba.

II.—Maracatim—Grande barco que levava na proa —tim—um maracá. Aos barcos menores ou canoas chamavam igara, de igagua e jara, senhor; senhora d´água.


 

Pag. 137.—I. Caiçara, de cai, pau queimado e a desinência çara, cousa que tem, ou se faz. O que se faz de pau queimado. Era uma forte estacada de pau a pique.

II.—Bahia dos papagaios.—E a bahia da Jericoacoara, de jeru, papagaio, cua, varzea, coara, buraco ou seio; enseada da varzea dos papagaios. E' um dos bons portos do Ceará.