(Catule Mendes)
São duas horas da noite, d'uma noite de primavera clara e fresca, e Julieta, encostada no peitoril da janela, espera o amante. Soltos os cabelos, o pescoço estendido, o olhar de quem espreita, estremece ao menor ruído.
Tinha ouvido, já, o rodar de muitos veículos, e, julgando que paravam à porta, sentia bater o coração. Um carro único, piedade cruel do acaso, parou.
— É ele; com certeza que é ele!
Engano. Era o morador do terceiro andar, um homem gordo, cujo nariz, brilhando na escuridão, lembrava uma brasa.
Julieta escutou ainda, atentamente, o ruído de passos no passeio da rua, os quais ressoavam no silêncio do quarteirão deserto e solitário. Mais d'uma vez julgou reconhecê-los; mas, ou era o cocheiro da Companhia que virava a esquina, com o seu chapéu de oleado branco, e que, a pé, se dirigia para casa, de chicote na mão; ou algum bêbado, que caminhava encostado à parede. Zangou-se por fim, bateu o pé, e fechou com ruído a vidraça. Justamente nessa noite trazia o coração cheio de ternura; a primavera tinha-lhe dado bons conselhos, e tencionava encher o amante de felicidade. Sentia vontade de chorar, mas as lágrimas não se viam e avermelhavam as pálpebras sem necessidade. Fechou as portas com violência.
— Não vem? Pois o pior é para ele, quer venha, quer não; já não estou disposta a esperar mais!
Entra para o quarto, desfaz os caracóis, desaperta o colete, põe o livro sobre a mesa da cabeceira ao lado do castiçal, deixa cair as saias, desabotoa as botinas, tira as meias, e, mudando a camisa, mete-se no meio dos lençóis daquele leito frio e deserto, depois de ter estufado o travesseiro, furiosamente, aos murros. Apenas, porém, se deita, ouve o barulho de uma chave a entrar na fechadura, abrir-se uma porta e depois outra... É ele! Julieta, que finge dormir, voltada para a parede, dia, então, consigo, sorrindo:
— É assim mesmo; o melhor meio de fazer chegar um conviva retardatário é, mesmo, pôr o jantar na mesa!