Alguem procurava o coronel. Amigo ou inimigo? O homem da honra nunca se nega. O que fôra christão antes de politico, e pedira a Deus a paz de seus irmãos, antes de mostrar-lhes, ao sol das batalhas, o lampejo de uma espada escrava da obrigação, esse poude ser exauctorado de titulos ás grandezas, de direito ao trabalho, de pão, e de liberdade, mas o opprobrio não o desanima, nem o envergonha.

A valentia moral não tem capitolios na sociedade immorigerada; mas tem-os na consciencia do proprio que a experimenta. Um homem assim, decaído do que fôra, apresenta-se altivo de certa soberania que parece um triumpho, ultraje dos oppressores.

O coronel, se tivesse a receber as felicitações vendidas á sua patente de general, talvez não consentisse que tão depressa fosse aberta a sua porta.

Abriram-n'a.

O homem que entrára, sem dar o nome, era uma figura que, sem articular palavra, impunha silencio aos que o recebiam. Trajava pobremente.

Quem buscasse um modelo para a estatua da imagem do infortunio, acha'-la-ia n'aquelle homem.

E, sorrindo, offerecia a mão ao coronel, que viera, chamado por sua esposa, a contempla'-lo rodeado dos filhos, que pareciam perguntar-lhe quem era o extranho hospede.

Aquelle silencio, precursor de lagrimas, não podia conter muitos minutos corações anciosos.

—«Quem é o senhor?» perguntou o coronel.

—Quem sou eu?! respondeu o desconhecido.—Trinta annos de clausura, e alguns mezes de trabalhos desfiguram a face de um irmão!...

O coronel correra aos braços do hospede. Maria, organisação melindrosa, que presentia já os calefrios de um enthusiasmo juvenil, estremecia d'aquelle tremor nervoso, em que as lagrimas da alegria denunciam alma vehemente, apaixonada por tudo que é grandioso. Sua mãe tomava a mão de seu cunhado entre as suas, que pareciam erguidas em graças ao Altissimo. As outras creanças volteavam alegres em redor do grupo, e figuravam outros tantos anjos a solennisarem aquella festa na tristeza, e aquelle jubiloso alvoroço do sangue, quando o espirito se confrangia na dôr.