Felicidade, o que és tu? Engano providencial que nos alimentas na alternativa do desejo e do desengano. Amiga cruel que nos foges com a esperança, apenas os labios sentem o travo do absyntho que a taça do prazer esconde no fundo.

Quem te encontrou n'esta vida, felicidade? O que eras tu, quando eu te via espargindo flôres desde o meu obscuro cantinho até aos imaginados horisontes do meu destino?

O que és tu hoje, phantasma severo que desdobras o teu manto negro sobre a esperança, que, momentos antes, mandaste luzir no meu despertar de infeliz?

Felicidade, o que serás tu, se não és a filha dos homens, morredoura como elles, soberba do teu nome, embaindo, com a mascara do opulento, os pobres que te esperam, cavando, cada vez mais fundo, no coração do ambicioso, o vácuo da cobiça, chegando aos labios do sequioso, que te busca na terra, a esponja acerba do desengano?

Porque te não vejo eu debaixo do docel dos principes da terra? Enfloraste os berços de Carlos I e Luiz XVI: porque deixaste borrifar de sangue no cadafalso as tuas grinaldas?

Busquei-te no seio da familia laboriosa, que aceitou humildemente a condemnação do eterno trabalhar, do suor copioso das fadigas. Não estavas lá. O braço trabalhador enervou-o a fome, no anno da esterilidade, e as creancinhas d'esse homem, sem cobiça de mais pão que o necessario á sua familia, vagiam pendentes dos seios aridos de sua mãe.

Busquei-te na mediocridade honesta, na alegria da independencia. Era falso esse existir na vida. A mediocridade anciava saír da sua esphera; a alegria da independencia era um sonho de infelizes servos; a independencia era uma situação mentirosa como o teu nome.

Estarias tu na gloria das batalhas? Se fizeste Cesar o primeiro de Roma, porque o não salvaste do punhal de Bruto?

Na gloria da virtude? E a cicuta de Socrates? e a guilhotina de Malherbe? Como estremaste os destinos de Séneca e Nero? de Virginia e Aggripina? Quando és tu o galardão da virtude, a socia fiel do nobre espirito, o premio benemerito do coração immaculado?

Na gloria da sabedoria?

Entraste, por ventura, na alma do philosopho, que tentou levar as multidões ao teu sanctuario? Orvalhaste-lhe a aridez do espirito abraseado em ancias de achar-te aqui? Déste a Cicero, teu apostolo inspirado, a resignação na morte? Estará o teu busto levantado sobre as ossadas de centenares de homens prodigiosos, poetas que fizeram seculos, honras perpetuas das nações, pisados pela desgraça, mortos de fome de pão e de ti, que lhes mandaste arrastar a mortalha por toda a vida?

Passarás ao menos uma primavera, no coração da virgem, que te chama do céo, que te crê filha de Deus, que se acolhe ao teu regaço como a asylo inviolavel de innocentes, que te vê na ternura maternal, que te beija nos labios de seus irmãos, que te respeita nas palavras ungidas de um velho, que te abraça soffrega na idolatria de um amante, que aperta ao seio todos os teus dons, cingindo-se ao seio do esposo estremecido?

Não, maldita da esperança, tu não estás entre nós. Existirias na terra, se entre os homens e Deus não estivesse o infinito.