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A casa de M’bororé

 

Dentro do mato grosso, mato velho e crescido, sem plantas pequenas dentro, aí, só há uma luz pouca, tirante a verde e a cinzento: e nenhuma árvore faz sombra, porque a ramaria de todas faz peneira por onde passa o sol, que nunca enxerga o chão...

Dentro desse mato, no mais tupido dele, há uma lombada redonda, como uma casca de caramburé; aí, em cima dela, há uma casa de pedra branca, branca como se encaliçada, e sem porta em nenhum lado nem janela em nenhuma altura.

Dentro da casa branca as salas estão lastradas de barras de ouro e barras de prata, do peso que é preciso dois homens para mover cada uma; e todas as juntas das pilhas estão tomadas de poeiras finas...

Por cima de tudo estão, em montes, tocheiros de ouro maciço e cálices e resplendores de santos; e salvas de prata e turíbulos e cajados.

Nos corredores, como prontos para içar para as cangalhas das mulas de carga, prontos, com as suas alças, estão lotes de surrões, socados de moedas de ouro, separadas em porções, metidas em bexigas de rês...

O rondador da casa branca anda dia e noite em redor dela; é um índio velho, cacique que foi, M’bororé, de nome, amigo dos santos padres das Sete Missões da serra que dá vertentes para o Uruguai.

Os padres foram tocados p’ra longe, levando só a roupa do corpo... mas a casa branca já estava feita, sem portas nem janelas... e M’bororé, que sabia tudo e era cacique, de noite, e precatado, com os seus guerreiros, carregou de todos os lugares para aquele as arrobas amarelas e as arrobas brancas, que não valiam a caça e a fruta do mato e a água fresca, e pelas quais os brancos de hoje matavam os nascidos aqui, e matavam-se uns aos outros.

M’bororé desprezava essas arrobas; mas como era amigo dos santos padres das Sete Missões, guardou tudo e espera por eles, rondando a casa branca, sem portas nem janelas.

Ronda e espera...