Madalena (Humberto de Campos)

Sentado à mão direita de Deus Padre, o Nazareno olhava, das alturas, a sucessão infinita de nuvens. O panorama que se desenrolava aos seus olhos tristes fazia-lhe lembrar aquele que vira, uma tarde, do alto do Gólgota, nas proximidades de Jerusalém. Apenas, aqui, são as nuvens que se amontoam, enquanto que, lá, eram o monte Garizim, o monte Efraim, e o Tabor, perdidos na bruma da distância. Aquele espetáculo transportou-o a dias longínquos da sua vida na terra. E foi com saudade, numa tristeza dolorida, que chamou:

— Padre!

Chegou, pressuroso, o velho apóstolo, as chaves do Paraíso tilintando nas mãos.

— Pedro, — pediu, — Maria de Madalena está aí?

— Está, meu senhor; está no terceiro Jardim das Bem-aventuradas.

— Dize-lhe que venha comigo.

Momentos depois surgia, os olhos amortecidos, um sorriso de Gioconda no canto da boca mimosa, a antiga amante de Jesus.

— Maria, — pediu Jesus, com doçura, — aproxima-te.

E melancolicamente, os olhos afogados na distância:

— Uma profunda tristeza enche-me, neste momento, o coração. Parece que minh'alma, pregada numa cruz, entra em agonia... Não sei que seja, nem compreendo. Sei, apenas, que tenho um desejo irresistível de reviver, por um instante, certos momentos passados na terra: o episódio do poço de Jacó, as bodas de Caná, a ressurreição da filha de Jairo, e, sobretudo, aquela noite em que, na casa de Simão, o Fariseu, ungiste os meus pés com o teu bálsamo enxugando-o, depois, na toalha de ouro dos teus cabelos...

E após um instante:

— Maria, queres tu repetir aquele instante sublime da minha missão, e da tua vida?

Um choro miúdo, triste, dolorido, foi aresposta a esse pedido tão doce.

— Ah, Senhor, não posso! — gemeu a mísera.

E sacudida pelos soluços:

— Eu cortei os meus cabelos, Senhor!

E numa voz ainda mais triste:

— É moda...