De amar, minha Marília, a formosura
Não se podem livrar humanos peitos.
Adoram os heróis; e os mesmos brutos
Aos grilhões de Cupido estão sujeitos.
Quem, Marília, despreza uma beleza,
A luz da razão precisa;
E, se tem discurso, pisa
A lei que lhe ditou a Natureza.

Cupido entrou no Céu. O grande Jove
Uma vez se mudou em chuva de ouro;
Outras vezes tomou as várias formas
De General de Tebas, velha e touro.
O próprio Deus da Guerra desumano
Não viveu de amor ileso;
Quis a Vênus, e foi preso
Na rede que lhe armou o Deus Vulcano.

Mas sendo amor igual para os viventes,
Tem mais desculpa, ou menos esta chama:
Amar formosos rostos acredita,
Amar os feios de algum modo infama.
Que lê que Jove amou, não lê nem topa,
Que ele amou vulgar donzela:
Lê que amou a Dânae bela,
Encontra que roubou a linda Europa.

Se amar uma beleza se desculpa
Em quem ao próprio Céu e Terra move:
Qual é a minha glória, pois igualo
Ou excedo no amor ao mesmo Jove?
Amou o Pai dos Deuses Soberano
Um semblante peregrino:
Eu adoro o teu divino,
O teu divino rosto, e sou humano.