Ah, Marília, que tormento
Não tens de sentir saudosa!
Não podem ver os teus olhos
A campina deleitosa,
Nem a tua mesma aldeia,
Que tiranos não proponham
À inda inquieta ideia
Uma imagem de aflição.
Mandarás aos surdos Deuses
Novos suspiros em vão.

Quando levares, Marília,
Teu ledo rebanho ao prado,
Tu dirás: Aqui trazia
Dirceu também o seu gado.
Verás os sítios ditosos
Onde, Marília, te dava
Doces beijos amorosos
Nos dedos da branca mão.
Mandarás aos surdos Deuses
Novos suspiros em vão.

Quando à janela saíres,
Sem quereres, descuidada,
À minha pobre morada,
Tu dirás então contigo:
Ali Dirceu esperava
Para me levar consigo;
E ali sofreu a prisão.
Mandarás aos surdos Deuses
Novos suspiros em vão.

Quando vires igualmente
Do caro Glauceste a choça,
Onde alegre se juntavam
Os poucos da escolha nossa,
Pondo os olhos na varanda
Tu dirás de mágoa cheia:
Todo o congresso ali anda,
Só o meu amado não.
Mandarás aos surdos Deuses
Novos suspiros em vão.

Quando passar pela rua
O meu companheiro honrado,
Sem que me vejas com ele
Caminhar emparelhado,
Tu dirás: Não foi tirana
Somente comigo a sorte;
Também cortou desumana
A mais fiel união.
Mandarás aos surdos Deuses
Novos suspiros em vão.

Numa masmorra metido,
Eu não vejo imagens destas,
Imagens que são por certo
A quem adora funestas.
Mas se existem separadas
Dos inchados, roxos olhos,
Estão, que é mais, retratadas
No fundo do coração.
Também mando aos surdos Deuses
Tristes suspiros em vão.