CAPÍTULO VI Casas e associações de beneficência na cidade de Angra Hospício Está situado na Rua da Rocha, sobranceira ao Portinho Novo. É uma casa abarracada, de modesta aparência, conhecida ainda pelo nome de Roda, por ter tido a antiga roda dos expostos. Ignora-se a data da fundação tão útil estabelecimento. Tem, à frente, uma sala de entrada e o dormitório dos expostos, e para a parte posterior a residência da Diretora ou Regente e dos demais empregados da casa. O movimento anual dos expostos, nestes últimos cinco anos, é, em média, de cinquenta e dois. Asilo de Infância Desvalida Acha-se situado no edifício do extinto convento de Santo António dos Capuchos, o qual foi doado para este fim, pela carta de lei de 27 de fevereiro de 1858, devido ao grande zelo do governador civil, o Conselheiro Nicolau Anastácio de Bettencourt. A 15 de fevereiro de 1643, o capitão Roque de Figueiredo, e sua consorte Maria Rebelo, que herdara de seu tio, o capitão e sargento-mor Gaspar de Freitas da Costa, o local onde então existia a ermida de São Roque e seus arredores, doavam este terreno, situado extra-muros da cidade de Angra, ao provincial Fr. Mateus da Conceição, para ali se construir um convento de Santo António dos Capuchos, o terceiro desta ordem construído nos Açores,


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tomando o cargo de padroeiro o capitão João de Ávila, íntimo amigo de Roque de Figueiredo. No dia 9 de março daquele mesmo ano, assentava-se a primeira pedra nos alicerces do arco da capela principal, ao mesmo tempo que alguns ossos dos Santos Mártires ali eram depositados como relíquias de grande estima e veneração, assistindo ao ato o mestre provincial que praticou a cerimonia, as autoridades locais, o clero e as corporações religiosas. Tendo este provincial de visitar as outras ilhas de oeste, mandou vir da ilha de São Miguel o Padre Fr. Bernardo de Santa Bárbara, para presidir às obras que se estavam fazendo, conferindo ao mesmo tempo, ao guardião do convento de São Francisco, os plenos poderes para que lançasse os hábitos aos noviços que pretendiam recolher-se no novo convento. No dia 14 de maio do mesmo ano, quinta-feira de Ascensão, celebrava-se uma grande festa na igreja de São Francisco, depois da qual foi levado o Sacramento em procissão para o novo convento, onde ficou recolhido, bem como os noviços; e, no dia 12 de junho seguinte, ficava pronta a igreja e a capela, celebrando-se no dia seguinte a primeira missa no altar-mor. Assim se organizou o novo convento, ficando Santo António como orago da igreja, e os religiosos pertencendo à ordem primeira dos Menores Observantes, guardando-se a disciplina Recolecta. Pelo Decreto de 17 de maio de 1832, e pelo de 28 de maio de 1834, ficou extinto, passando a ficar incorporado nos próprios nacionais até ao atual destino. Em 1830 aquartelava-se neste convento a Companhia de Voluntários Académicos, depois de regressar dos Biscoitos, na época da emigração, passando depois a formar, conjuntamente com a companhia de condutores, a brigada de artilharia volante, por ordem do dia de 29 de maio daquele ano, sob o comando do 1.° tenente José Maria Baldy. Ali ficou residindo esta brigada até maio de 1832, em que embarcou para o Exército Libertador, sob o comando do major de artilharia João Pedro Soares Luna. Mais tarde, o benemérito governador civil Nicolau Anastácio de Bettencourt, conseguiu instalar naquele edifício um asilo de infância desvalida, uma das melhores instituições da sociedade moderna; e a 16 de abril de 1853, após a missa celebrada pelo chantre da Sé Catedral, Eusébio Joaquim Fernandes, e sermão pregado pelo vigário António Joaquim Borges, fundava-se definitivamente o asilo, cujos estatutos foram aprovados pela Rainha, Senhora D. Maria II, no Decreto de 8 de junho daquele ano. Por estes estatutos, ainda em vigor, o asilo podia recolher crianças de ambos os sexos, e a sua manutenção estava a cargo da Irmandade de Nossa Senhora do Livramento, que elegia de dois em dois anos uma mesa administrativa composta de sete vogais, um dos quais era nomeado Mordomo.


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A educação dos asilados esteve por muito tempo confiada a uma respeitável família desta cidade, que procurava sempre instruir as inocentes crianças nos rudes trabalhos domésticos, ao mesmo tempo que as ensinava a ler e escrever e lhes ministrava os sãos principies da religião cristã. Desde novembro de 1894, a educação interna passou a ser feita pelas irmãs de São José de Cluny, que são incansáveis no desempenho da sua santa missão. O edifício do asilo está contíguo à igreja do Livramento, e comunica com o exterior por um pequeno pórtio sobre o qual se vê a inscrição, em azulejos «Asilo da Infância Desvalida». No pavimento inferior, o rés-do-chão, encontra-se uma pequena sala de receção, uma outra destinada à escola das asiladas, e, finalmente, a aula de francês para as pessoas estranhas que queiram aprender aquela língua, o refeitório, a cozinha e o pequeno claustro do antigo convento, ao meio do qual se vê uma cruz de pedra assente sobre um pequeno pedestal de quatro degraus, tendo no cimo a inscrição J. N. R. J. e na base a data da fundação. No andar nobre, existem dois bons dormitórios para as asiladas, a rouparia, a habitação da Diretora e os vários acessórios do asilo. Ao asilo pertence ainda uma boa parte da antiga cerca do convento, parte da qual serve para recreio das asiladas, e a outra está convenientemente agricultada. Orfanato do Beato João Baptista Machado Este instituto de beneficência e instrução, fundado pela irmandade de Nossa Senhora do Livramento da cidade de Angra, foi aberto no dia 24 de dezembro de 1899, sendo os seus estatutos aprovados por alvará do governo civil de 25 de janeiro do mesmo ano. Não tem por enquanto edifício próprio, e é administrado pela dita irmandade de Nossa Senhora do Livramento, sustentando-se de esmolas do público angrense, de um subsídio da atual Junta Geral, e em parte do rendimento do Asilo de Infância Desvalida. Existe atualmente num espaçoso edifício na Ladeira de São Francisco, e sustenta já dez crianças internas. Não tendo sido possível montar dentro do edifício oficinas próprias para a educação das crianças, estão estas, por enquanto, distribuídas por várias oficinas da cidade, pernoitando e sustentando-se à custa desta associação, e frequentando também uma escola de instrução primária que funciona no próprio edifício.


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Asilo de Mendicidade Acha-se situado na parte baixa do edifício do Hospital de Santo Espírito, voltado ao nascente. Este útil estabelecimento foi criado pelo governador civil, José Maria da Silva Leal, que, além de promover a sua criação, estabeleceu os primeiros elementos da sua receita. Foi inaugurado em 14 de abril de 1860, assistindo a este ato, não só o Bispo D. Fr. Estêvão de Jesus Maria, como também todas as autoridades civis e funcionários públicos. O asilo tem uma entrada independente do resto do edifício, vedada por uma grande porta, sobre a qual se lê a seguinte inscrição «Abril — 1860 — Asilo de Mendicidade». Depois de subirmos uma pequena rampa que serve de entrada, deparamos, à direita, com uma vasta cerca que serve de horta e passeio para os asilados, e à esquerda os dormitórios, sendo um para o sexo masculino e outro para o feminino. Tem ainda mais, a cozinha, dispensa, casa de arrecadação, habitação da diretora, sala de receção, e ao canto do edifício, uma pequena mas elegante capela, construída há poucos anos, tendo um só altar com uma bonita imagem de Nossa Senhora de Lourdes, e na parede lateral esquerda, sobre uma peanha de madeira, uma outra imagem, não menos bonita, do Coração de Jesus. Desde janeiro de 1896 o asilo passou a ter uma direção interna, desempenhada por irmãs de São José de Cluny, à semelhança da que está no Asilo de Infância Desvalida. Recolhimento de Jesus Maria José No cimo da Rua da Miragaia, e em frente da Rua de Cima de Santa Luzia, está o edifício do Recolhimento Jesus Maria José, vulgarmente conhecido pelo nome de Mónicas. Este recolhimento foi instituído em 1684 por D. Mónica Maria de Andrade, quando viúva do capitão João de Ávila; e ali se recolheu com algumas pessoas do seu sexo, a fim de passarem uma vida retirada do mundo. Em 1747, com prévia licença do Bispo de Angra, D. Fr. Valério do Sacramento, era investida no cargo de prioresa D. Mónica Maria da Apresentação, que, por meio de escritura própria, dotava o recolhimento com vinte moios de trigo, renda anual para decoração do templo e conservação do edifício, e para azeite da lâmpada do Santíssimo. Mais tarde, a 2 de abril de 1791, o Bispo D. José de Ave Maria Leite da


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Costa e Silva entregava a este recolhimento os estatutos por que se devia regular, ficando exclusivamente destinado para pessoas do sexo feminino, pobres e viúvas desamparadas. Este edifício tem junto a sua respetiva igreja, de que falaremos no lugar competente. Há poucos anos sofreu reparações importantes, ficando então um bom edifício, com quartos espaçosos para as recolhidas, que estão sob a direção interna de uma regente. Convento de São Gonçalo É o único edifício de Angra que ainda hoje conserva, apesar de leves reparações interiores, a mesma disposição do antigo convento da ordem de Santa Clara; e foi também o único convento que escapou à extinção das ordens religiosas, em virtude do Decreto n.º 25 de 17 de maio de 1832. Em 1542 concedeu o Papa Paulo III a bula de fundação do Mosteiro de São Gonçalo, e deu principio às obras o padroeiro Brás Pires do Canto, natural da Vila de Guimarães e escrivão do eclesiástico. Logo que o edifício ficou apto para ser fechado em clausura, foram admitidas por fundadoras Inês de Deus e Susana de Cristo, filhas do padroeiro e seculares, e muitas outras, as quais, no fim de um ano, professaram nas mãos do Bispo D. Nuno Álvares Pereira; porém, constando em Roma o modo como tinham sido feitas estas profissões, ordenou-se que viessem duas freiras do Mosteiro de Jesus, da Vila da Praia, a título de reformadoras, nas mãos das quais todas aquelas religiosas renunciaram, por terem sido considerados ilegais os seus votos. Ficou então o Mosteiro de São Gonçalo em obediência à Mitra do Porto até 1585 em que, pelo breve pontifício de Gregório XIII, passou a ficar sujeito ao bispado de Angra, sendo então Bispo desta diocese D. Fr. Manuel de Gouveia. O edifício do extinto Convento de São Gonçalo é bastante espaçoso e encontra-se hoje na maior parte deteriorado. Conserva ainda um claustro, não muito amplo, em volta do qual se notam as varandas dos corredores superiores, assentes sobre arcadas. Entre estas varandas existem cinco oratórios bastante deteriorados, e onde existiam algumas imagens que foram distribuídas por algumas paróquias, e outras, pelas famílias de algumas freiras. No dormitório denominado o novo, e que foi feito no tempo em que era abadessa, Madre Catarina de Nazaret, encontra-se uma boa imagem antiga, e de grandes dimensões, do Senhor dos Passos, bem como alguns quadros a óleo sem valor artístico, sendo o mais importante o de Nossa Senhora do Rosário. O convento tem dois coros que comunicam com a igreja própria, e nos


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quais se encontram as seguintes imagens: no coro de cima, Santa Ana, Santa Clara, São João Evangelista, Senhor Amarrado à Coluna, Senhor Jesus dos Milagres, Santo António, São João, Sagrado Coração de Jesus, Anjo da Guarda, São Domingos, São Francisco de Borja, São Sebastião, Senhor Morto, Menino Jesus, São Roque, Espírito Santo, e um quadro a alce representando a Senhora das Dores com seu filho nos braços. No coro baixo estão as imagens de Santa Clara e a de Santa Catarina. Detrás do coro ficava o cemitério, em seguida o quintal, e por último a cerca. Este edifício tem ainda um segundo claustro e um pátio que fica junto a um grande granel, com o costumado portão dos carros para a estrada de São Gonçalo. Junto à parte do coro e para o lado do adro, existe a portaria do extinto convento com a respetiva roda e parlatório, e um outro semelhante a este com entrada pelo Alto das Covas, junto ao Passeio Público. Este convento foi extinto definitivamente pelo falecimento da sua última religiosa professa, a abadessa Madre Matilde Clementina do Carmo, a 20 de junho de 1885. Por carta de lei de 30 de julho daquele amo, foi concedido todo o edifício do extinto convento, bem como a igreja anexa e respetivas alfaias, a uma associação fundada em 1885 com o título de Associação Educadora do Sexo Feminino, a qual instituiu uma escola de instrução primária para crianças, com entrada pelo Alto das Covas, e transformou o resto do edifício em recolhimento semelhante ao das Mónicas. Esta associação tem estatutos próprios aprovados pelo Governo. Cozinha Económica Angrense Esta simpática instituição de caridade foi inaugurada modestamente em abril de 1897, por iniciativa da ilustre dama terceirense D. Maria Guilhermina de Bettencourt Mesquita, coadjuvada por alguns cavalheiros, que de bom grado se prontificaram à criação de tão útil estabelecimento. No fim de pouco tempo, com as quotas dos benfeitores, por subscrição mensal, e com o produto de esmolas extraordinárias e subsídios da Caixa Económica de Angra, conseguiu obter um capital suficiente para distribuir jantares gratuitos aos pobres, e por módico preço aos pouco remediados, e ao mesmo tempo construir um edifício próprio numa parte da cerca do extinto convento de São Gonçalo, que ainda não está completo. Neste edifício modesto, mas elegante, encontra-se convenientemente instalada a Cozinha Económica, com todas a. suas dependências próprias, e a habitação da sua diretora, que é também a sua iniciadora.


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Montepio Terceirense Esta associação de socorros mútuos, que tantos benefícios tem prestado, foi instituída definitivamente, com estatutos aprovados pelo Governo, em 30 de maio de 1862, sendo de 157 o número de sócios fundadores, e tendo por título o de Sociedade Auxiliadora das Classes Laboriosas. Em 8 de agosto de 1877, passou a denominar-se Montepio Terceirense das Classes Laboriosas, com 416 sócios; e em 6 de abril de 1899, em virtude da lei criada sobre as sociedades de socorros mútuos, passou a ter o nome de Montepio Terceirense, tendo como fundadores 715 sócios. Esta associação está hoje instalada, conjuntamente com a sua Caixa Económica, num só edifício, como vimos quando tratámos desta última. No pavimento do primeiro andar, além da Caixa, encontra-se a tesouraria do Montepio e a arrecadação da escrituração, e no pavimento superior, uma sala espaçosa para as sessões da assembleia geral, e pequenos gabinetes destinados direção, num dos quais funciona o escritório do Montepio. Em 31 de dezembro existiam 743 sócios e 168 pensionistas de sobrevivência; sendo o seu saldo para 1901, na sua conta corrente com a Caixa Económica desta associação de 40:170$863 réis, e o do seu fundo de reserva de 38:227$578 réis. Cofre de Caridade Quando em 1891, na noite de 22 para 23 de julho, se deu uma grande catástrofe na freguesia de São Bento, extra-muros da cidade de Angra, em consequência de uma tromba de água que arrasou algumas casas e destruiu ao mesmo tempo as estradas e terrenos particulares, o Ex.mo Conselheiro José Ignacio de Almeida Monjardino, que então exercia o cargo de governador civil interino, pensou e levou a efeito a instituição denominada Cofre de Caridade do Distrito de Angra do Heroísmo, por alvará de 16 de outubro daquele ano. Esta instituição, que tão bons serviços tem já prestado nesta ilha, teve, como fundo inicial, todas as somas oferecidas naquela época para ocorrer os desastres provenientes da catástrofe acima mencionada. Funciona numa das salas do governo civil, e é administrada por uma comissão composta de cinco indivíduos de provada respeitabilidade, nomeados de dois em dois anos, um pelo Bispo da Diocese, outro pelo Governador Civil, outro pela Câmara Municipal, outro pela Junta Geral e o último pela Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia. Além dos socorros prestados em 1891, de que já falámos, o Cofre de Caridade tem prestado o seu valioso auxílio, socorrendo as famílias dos pescadores vítimas da tempestade que em novembro de 1892 fez naufragar


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diferentes barcos no porto de Vila Nova; fazendo construir as vazas que foram destruídas pelo ciclone de 28 de agosto de 1893 e que pertenciam a pobres pescadores, principalmente na freguesia de São Mateus, e finalmente, socorrendo as vítimas da tromba de água que em 1900 caiu sobre a Serra da Praia, arruinando algumas vazas e terras lavradias. Esta instituição apresenta nas últimas contas do biénio de 1898-1900, um saldo de 10:316$813 réis, que se acha depositado nas Caixas Económicas da cidade, vencendo os respetivos juros.


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