CAPÍTULO XI Edifícios particulares mais notáveis Além dos edifícios que temos descrito nos capítulos antecedentes, alguns há que tiveram e têm ainda valor histórico, pelo papel que desempenharam na história política, administrativa e religiosa desta ilha: — Na Rua do Marquês, encontra-se a casa de residência do cidadão João Machado Gomes, mandada construir por Álvaro Martins Homem, e depois comprada pelo donatário de Angra, João Vaz Corte Real, no ano de 1474. Nesta casa residiu mais tarde o Conde de Torres Vedras, Manuel da Silva, lugar-tenente de D. António Prior do Crato, o qual também ali esteve em 1582, quando visitou a ilha Terceira. Depois foi doada ao Marquês de Castelo Rodrigo, D. Cristóvão de Moura, gentil-homem da Câmara de D. Filipe II, e também capitão do donatário da ilha; e quando os bens do Marquês foram sequestrados, entrou a casa na administração da Fazenda Pública, sendo alguns anos depois arrematada por um particular. — O palacete do Par do Reino, Conde da Praia da Victoria, situado acima da igreja de Santa Luzia, e onde funciona hoje a escola distrital. Ali se premeditaram os atos preparatórios do heroico brado da restauração de 22 de junho de 1828, tendo lugar as reuniões dos conjurados, debaixo do maior segredo, numas águas-furtadas do edifício.


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— A casa denominada dos Remédios, pertencente à família de Miguel do Canto e Castro, e situada no princípio Rua do Armador, bairro do Corpo Santo. Ali residiu a heroica D. Violante do Canto e Silva, afeta a D. António, chegando a oferecer-lhe toda a sue fortuna, a bem da sua pretensão à coroa de Portugal. Ali residiu também o Marquês de Santa Cruz, D. Álvaro de Bazán. Este edifício esteve destinado para ser convento de Santo Agostinho em 1589, a pedido do prior e padres do que já existia daquela ordem. O seguinte alvará de 9 de dezembro daquele ano, que transcrevemos em parte, assim o dá a entender : «Eu El-Rei faço saber que este alvará virem que o prior e padres do convento de Santo Agostinho da cidade de Angra da ilha Terceira me enviaram dizer por sua petição que por o mosteiro que da dita ordem estava principiado na dita cidade estar algum tanto dela afastado e longe para a devoção do povo tinham assentado de edificar o seu mosteiro na ermida da invocação de Nossa Senhora dos Remédios que estava na dita cidade nas dadas de António Pires do Canto, já falecido, que ora eram de Manuel do Canto de Castro, neto de Estêvão Ferreira de Melo, com quem estavam concertados com o tutor do dito Manuel do Canto, por ser lugar parto e acomodado e donde os pregadores da casa não teriam tanto trabalho quando fossem pregar à Sé e a outras igrejas da cidade. E pedindo-me houvesse ,por bem mandar-lhes passar provisão assim para poderem fazer seus contratos […] hei por bem querendo fazer mercê por esmola à dita ordem de Santo Agostinho visto como o que os ditos prior e padres pretendem é em favor da religião Cristã e acrescentamento da dita ordem e melhor comodidade sua sem prejuízo de partes nem do dito Manuel do Canto e Castro nem de seu morgado e sucessores dele na maneira sobredita de lhes der licença para que contratem na forma costumada para o que hei por suprida a idade menor como se fora maior de 25 anos e assim me praz que os ditos prior e padres possam edificar e fazer na dita ermida e sítio seu mosteiro […]». Ignoramos a razão por que foi abandonada esta resolução. — A casa denominada da Verónica, sita na Rua Direita, esquina da Rua da Alfândega. Nesta casa existiu o corpo da guarda da porta do cais, durante o domínio castelhano. — A casa do abastado negociante António Pedro Simões, na Rua Direita. Ali funcionou, na casa velha que há poucos anos foi demolida, o Tribunal da Fazenda Real, ou da Alfândega, instituído por El-Rei D. Manuel em 1499. — Na mesma rua, encontramos a casa do cavalheiro João Carlos da Silva, onde esteve residindo o Conde de Vila Flor por ocasião da chegada de D. Pedro IV, estabelecendo naquele edifício, que então pertencia a Aniceto António dos Santos, o seu quartel-general.


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— A casa denominada do Fartura, na Praça da Restauração, que junta com a da esquina da Rua Direita, constituiu o Depósito Militar de oficiais de 1.ª e 2.ª linhas, cadetes e porta-estandartes, o qual foi criado pela Ordem do Dia n.° 45, de 9 de novembro de 1829. — Na mesma Praça, a casa onde hoje está alojado o Hotel Central, serviu por algum tempo de Paços do Concelho, enquanto se construía o atual edifício da Câmara Municipal. —A casa conhecida antigamente pelo nome de Casa do Fagundes, contígua à Ermida de Nossa Senhora Saúde; serviu outrora Casa da Pólvora da cidade. — A casa da ilustre família do falecido Conde de Sieuve de Menezes, na Rua de São Pedro, serviu de Hospital Regimental reunido, durante a época da emigração. — A casa da família Canto, próxima da igreja de São Gonçalo, serviu também noutros tempos de Hospital Militar provisório. — A casa da família Mourato, na Rua da Sé, serviu por algum tempo de Pagadoria Geral Militar, criada pela Portaria de 17 e Ordem do Dia n.° 19, de 27 de julho de 1829. — Na mesma rua, os dois quarteirões de casas, próximos à praça do mercado, constituíram antigamente o convento e a igreja da Esperança, pertencente à Ordem de Santa Clara, segundo a reforma do Papa Urbano IV. Foi fundado este convento em 1557 por Isabel de Jesus, religiosa do mosteiro de São João Baptista, da ilha do Faial, com a respetiva bula de Paulo IV, sendo padroeiro da capela-mor Álvaro Pereira Sarmento, seu irmão. Tendo vindo à ilha Terceira a dita religiosa procurar alívios à grave moléstia de que sofria e vendo-se, pouco tempo depois, completamente curada, entendeu que devia e podia fundar um mosteiro religioso, para assim manifestar perante o Altíssimo, o seu reconhecimento. — Próximo deste convento, no Largo Onze de Agosto, existiu um outro, pertencente à Ordem de Santo Agostinho, com a invocação de Nossa Senhora da Graça. Foi promovida a sua edificação em 1579 por Fr. António Varejão, natural de Freixo de Espada à Cinta, e só em 1594 é que se realizou a sua fundação. Foi profanado em 1829; e ali esteve aquartelado o Batalhão de Caçadores n.° 2, criado pela Ordem do Dia n.° 29, de 23 de agosto de 1829. — Finalmente, resta-nos falar da casa da Rua de Jesus, que hoje pertence à família Xavier de Andrade, cujo primitivo dono fora João da Silva do Canto, e para onde foram residir os primeiros jesuítas que desembarcaram em Angra, permanecendo ali até 16 de fevereiro de 1608. Nesta casa existia uma capela com a invocação de Nossa Senhora das Neves.


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