CAPÍTULO XXIII A agricultura na ilha Terceira Quando Jácome de Bruges aportou pela primeira vez à ilha Terceira, de que vinha tomar posse, trouxeram os seus companheiros, além dos animais domésticos úteis ao homem, várias sementes de plantas forragíneas, árvores frutíferas e de outras que lhes pudessem ser úteis para construção e vários usos domésticos. Todas estas plantas, ao encontrarem um terreno fértil e em condições climatéricas suficientes para o seu crescimento, em breve adquiriram grande desenvolvimento, a ponto de Jácome de Bruges e os seus companheiros notaram grandes diferenças no aspeto da ilha, quando a ela chegaram definitivamente pela segunda vez. Em breve se formaram extensas matas, das quais se não encontram hoje vestígios. Conquanto a história nada nos diga de positivo sobre a introdução dos vários cereais indispensáveis à sustentação do homem, é de presumir que o trigo fosse um dos primeiros, bem como a vinha de verdelho, que foi a primeira conhecida nesta ilha. Segundo a opinião do Padre Cordeiro, o milho veio mais tarde, devendo-se a sua primeira cultura ao segundo capitão-general desta ilha, Dinis Gregório de Melo; porém Ferreira Drumond, contestando esta opinião, afirma que, cem anos antes deste general já se cultivava o milho em grande escala na ilha Terceira. Não podem também deixar de ser coevas do trigo e do milho, a cevada, o centeio e o linho. Em poucos anos, a cultura destes produtos adquiriu grandes proporções, já pelo grande cuidado e trabalho que o povo tinha com as suas terras, já pela grande fertilidade destas.
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Em 1691, o corregedor de Angra determinava que se continuasse o plantio das amoreiras, segundo a forma indicada nas Ordenações do Reino, mandando ao mesmo tempo que, todo o lavrador que possuísse terreno conveniente para este plantio colocasse na terra, todos os anos, nos meses de novembro e dezembro, doze estacas grossas, e que todos os anos, as Câmaras, procedessem a vistorias por intermédio dos escrivães pedâneos, os quais organizariam livros de registo. Por estas tempo existia já o plantio de Isatis tinctoria L, vulgarmente conhecida pelo nome de pastel, e introduzida pela primeira vez nas ilhas dos Açores, pelo capitão d'Utra,1 da ilha do Faial. Esta planta que, segundo a opinião do Padre Cordeiro, veio de Tolosa,2 foi empregada durante muito tempo em tinturaria e teve grande cultura nesta ilha nos primitivos tempos, chegando a constituir um dos principais ramos do comércio, sobretudo na Vila da Praia e freguesia dos Altares, de onde era exportada para Portugal e Flandres. Como se tornasse próspero este ramo de comércio, foi ordenado em regimento especial, de 3 de outubro de 1536, que o pastel exportado ficava sujeito ao pagamento de direitos no valor de 26% na ocasião de saída, além dos 2% que eram então aplicados à fortificação da ilha; e mais tarde, em 1570, chegou a pagar 500 réis por cada quintal, segundo o acórdão de 6 de outubro daquele ano. Esta planta foi desaparecendo a pouco e pouco, e hoje já dela se não faz cultura especial. Em 1693, as vinhas, que se encontravam em maior escala nas freguesias dos Biscoitos, Lajes, São Mateus e Feteira, chegaram a produzir 1:463 pipas de vinho de 225 canadas cada uma; e a cultura do trigo, 13:000 moios, o que constituía uma grande riqueza para a ilha, porque, vendendo-se, naquela época, ao preço de 12$000 réis o moio, o total correspondia à quantia de 156:000$000 réis. Em 1680, tentaram as autoridades locais dar um impulso à agricultura, que até ali não passava do que tinham feito os primeiros habitantes da ilha Terceira. Por carta do corregedor Luís da Cunha de Thoar, dirigida à Câmara de Angra, ordenou-se a execução das ordens expedidas pelo seu antecessor, sobre o plantio das amoreiras e criação do bicho da seda, formando-se deste modo uma nova fonte de riqueza para os terceirenses. Ordenou-se a todos os lavradores que efetuassem este plantio sob graves penas, bom como o de castanheiros, nogueiras e de muitas outras árvores que dessem madeira de construção, que ia faltando em toda a ilha. Pouco tempo durou este amor pela agricultura: os lavradores, ou por ignorância ou por resistirem quase sempre às inovações, desistiram do plantio de arvoredo e voltaram aos seus antigos trabalhos até que, em 1768, sofreu a agricultura da ilha Terceira novo impulso, devido às sábias providências
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tomadas pelo capitão-general D. Antão de Almada. Este grande homem, a quem a ilha Terceira deveu muito, vendo a riqueza que podia advir para a ilha, pela fertilidade do solo, dirigiu às Câmaras de Angra, da Vila da Praia e de Sâo Sebastião uma portaria-circular, mostrando-lhes a necessidade urgente que havia em convidar os lavradores de toda a ilha para uma reunião, a fim de lhes ser exposto o modo como deviam regular as suas lavouras e aproveitar os campos suscetíveis de cultura, anunciando ao mesmo tempo o aforamento dos baldios que existiam, bem como o roteamento dos campos próprios para a cultura dos cereais. Em 1769 fez D. Antão de Almada cumprir uma portaria, pela qual, todo o indivíduo que possuísse terras ficaria obrigado ao plantio de árvores e sujeito à multa de 2$000 réis, se porventura não cumprisse estas ordens imediatamente. Constando-lhe também que, no interior da ilha, existiam pastagens de particulares, que seriam mais aproveitáveis para outras culturas, determinou a todas as Câmaras da ilha que obrigassem os proprietários a abri-las e semeá-las convenientemente segundo as necessidades da terra. Por esta ocasião, exigiu D. Antão de Almada que as Câmaras lhe fornecessem estatísticas, não só dos agricultores e proprietários, como também da produção de cereais, linho, legumes, etc.; e, tendo recebido da Câmara de Santa Cruz das Flores um caixote com semente de cedro zimbreiro,3 tratou imediatamente de a distribuir pelas Câmaras, para que estas a semeassem nos baldios dos seus concelhos, o que mais tarde viria substituir a outra madeira que tendia a desaparecer, pelo grande consumo que dela faziam em várias construções. Em 1789, o capitão-general Dinis Gregório de Melo mandava buscar, à sua custa, diferentes qualidades de trigo e milho, que fez distribuir por toda a ilha, bem como de giesta que aqui não havia, para poder suprir a lenha que se consumia na arte culinária e que ia faltando nalgumas povoações. Santos tempos estes, em que os governantes presavam, primeiro que tudo, o bem-estar dos governados e o progresso desta ilha! Naquele mesmo ano, importou o capitão-general semente de batata-inglesa,4 desconhecida em toda a ilha, e imediatamente ordenou às Câmaras que obrigassem os lavradores a semeá-la, para o que fez público a seguinte postura: «O lavrador que cultivar cinco alqueires de terra, será obrigado a semear uma quarta de terra de batatas; o que cultivar dez alqueires semeará meio alqueire, e assim em proporção...». Apesar da vigilância empregada para a execução desta postura, houve grande relutância por parte dos lavradores, na cultura desta planta, chegando alguns a semeá-la no terreno mais fraco e ordinário que tinham, e outros a não fazerem caso do que a terra produzia, sustentando os seus porcos com a dita batata-inglesa. A pouco e pouco foram-se habituando a este género de cultura, constituindo hoje um dos géneros alimentícios de maior consumo. Ao mesmo tempo que tomavam incremento as sementeiras dos várias
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cereais, cresciam e multiplicavam-se as árvores frutíferas, sobretudo as laranjeiras, que mais tarde constituíram uma fonte de riqueza para a ilha, pela grande quantidade de laranja que se exportava. O mais antigo documento que existe da cultura da laranjeira nesta ilha, data do primeiro quartel do século XVI, num testamento feito por João Correia, o Velho, e sua mulher Catarina Simoa, moradores e proprietários na freguesia da Agualva, e que a 16 de dezembro de 1520 legavam a seu filho, e outros, um pomar de laranjeiras e limoeiros que possuíam. Uma grande parte do terreno foi ocupado por grandes laranjais, sendo os frutos exportados para a Inglaterra em navios desta nação, chegando a exportação, em 1872, a ser de 67:059 caixas com laranjas. Em 1851 apareceu nas laranjeiras uma doença produzida por um organismo, o Coccus hesperidum,5 que, a pouco e pouco, foi destruindo as plantas até terminar por completo a exportação. Hoje, apenas há laranjeiras para consumo da ilha. Com a vinha sucedeu caso análogo: florescente durante uma certa época, e em que toda a ilha chegou a produzir perto de 2:000 pipas de vinho verdelho, começou a definhar em 1853 com o aparecimento do Oidium tukeri.6 Pela incúria do lavrador em combater energicamente a nova moléstia, deixou a vinha de produzir o suficiente para consumo da ilha. Em 1870 introduziu-se uma nova cepa, de origem americana, conhecida pelo nome de vinha Isabel.7 A produção foi extraordinária nos primeiros anos, até que a filoxera,8 introduzida casualmente, a foi destruindo lentamente, tornando-se necessário a sua enxertia em vinha riparia9 para resistir a tal flagelo. A cana-de-açúcar, cuja cultura se experimentou em 1862 e 1863, e que poderia constituir uma fonte de prosperidade para a ilha, já pelo açúcar que dela se poderia obter, já pela riqueza alcoólica que possuis, desapareceu quase por completo, apesar de se ter obtido bons resultados na primeira colheita que se fez em 1864. A batata-doce que há anos se cultiva em toda a ilha em grande escala, e que constitui uma boa fonte de riqueza para o lavrador que a cultiva, e para o industrial que dela extrai o álcool, tende a desaparecer também, não só pela incúria do lavrador no adubamento conveniente da terra, como, também pela doença conhecida pelo nome de «black rot» produzida por um microrganismo, o Ceratocystis fimbriata.10 Nestes últimos asnos ensaiou-se a cultura do sorgo-sacarino,11 mais económica do que a da batata doce e mais lucrativa para o lavrador, mas que já desapareceu também; e assim tem caminhado a agricultura na ilha Terceira, sob a influência perniciosa da política e da falta de proteção às indústrias. Será por falta de iniciativa própria que a agricultura chegou a este estado? Não. Por Alvará de 18 de setembro de 1811 foi estabelecida nesta ilha
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a Junta do Melhoramento da Agricultura, que decaiu, até que em 1817 novamente se estabeleceu, sendo o primeiro inspetor Tomás José da Silva. Por Carta de Lei de 2 de fevereiro de 1822 foi extinta esta junta. No 1.° de dezembro de 1844 fundava-se na cidade de Angra uma sociedade composta pelos principais lavradores, com o fim de promover a cultura de multicaules,12 o plantio das amoreiras, criação do bicho-da-seda e cultura do mamoeiro e extração do óleo. No ano seguinte fundava-se uma outra sociedade com o nome de Bons Desejos, destinada ao desenvolvimento das indústrias e agricultura, e fundação de um Montepio dos lavradores. Estas sociedades extinguiram-se pouco depois por falta de proteção dos governos; e, por Decreto de 23 de novembro de 1854, fundava-se a Sociedade Agrícola para o desenvolvimento da nossa agricultura, que forçoso é dizer, pouco ou nada fez em benefício da ilha Terceira. Pelo Regulamento de 28 de fevereiro de 1877, cessou a Sociedade Agrícola e estabeleceram-se as bases da sua nova organização com o nome de Conselho de Agricultura Distrital; mas nada se fez até 1878, em que, pela vigência de novo Código Administrativo, ficaram a cargo da Junta Geral as propriedades da Sociedade Agrícola. O mesmo regímen continuou até 1892, em que foram extintas as Juntas Gerais e criada, por Decreto do 1.° de dezembro do mesmo ano, outra organização do Conselho de Agricultura, que ficou assim composto: presidente — o governador civil; vice-presidente — o secretário-geral do Distrito; secretário —o agrónomo distrital; vogais — o presidente da Câmara da cabeça do distrito; dois lavradores nomeados pelo Governo, sob proposta do governador civil; o veterinário distrital. Nada se fez até 1899,em que foi decretada a autonomia administrativa para Angra, que tomou conta dos serviços agrícolas; e por virtude da nova organização daqueles serviços, publicada no Diário do Governo de 13 de janeiro de 1902, foi também reorganizado o Conselho de Agricultura, ficando constituído da seguinte forma: presidente — o governador civil; vice-presidente —o secretário-geral; secretários — o agrónomo distrital e o intendente de pecuária; vogais — o silvicultor do quadro mais graduado que haja; de tantos agricultores eleitos pelas Câmaras Municipais quantos do Conselho de Distrito. O Conselho de Agricultura assim constituído, reúne-se duas vezes por ano e na sua ausência funciona uma comissão executiva composta pelo vice-presidente, dois secretários e dois dos vogais agricultores eleitos. Infelizmente nada se tem feito em Angra!
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O estudo orográfico de toda a ilha, que nos mostra os extensos planaltos do interior, indica-nos que só esta parte, em harmonia com o grau de humidade do nosso clima, pode ser útil, como de facto é, à vegetação forraginosa; e que a cultura cerealífera só poderá abranger o litoral, sendo o Ramo Grande o verdadeiro celeiro de toda a ilha, predominando, no resto, a cultura de abundantes árvores de fruto, leguminosas, etc.
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