CAPÍTULO XXVII Topografia médica da ilha Terceira Difícil ou quase impossível é descrever atualmente, e com precisão, a topografia médica da ilha Terceira, pela deficiência absoluta de estatísticas, tanto antigas, como modernas. É muito possível, e estamos certos que de futuro, com a nova organização do serviço de saúde pública, se chegue a obter um resultado desejado. Daqui até lá, contentar-nos-emos com as estatísticas preenchidas por indivíduos profanos na ciência médica, para qualquer estudo nosográfico que se pretenda fazer. Não bastam os elementos que temos descrito nos capítulos anteriores, e que constituem uma das bases em que deve assentar uma topografia médica; como é a distribuição da água potável e seu encanamento, o esgoto da cidade e as suas condições meteorológicas; é necessário também o estudo do movimento da população, a sintomatologia especial que algumas doenças apresentam nesta ilha, as suas causas, as zonas em que predominam, e outros fatores, e é esse estudo que até hoje se não fez. Neste pequeno e incompleto capítulo, lançámos mão do movimento clínico do Hospital Civil de Angra, durante um período de dez anos, e das estatísticas organizadas segundo o novo regulamento dos serviços sanitários. Vejamos previamente o que nos diz a história, acerca das várias epidemias, que assolaram a ilha Terceira, desde os seus primeiros anos. A primeira que apareceu foi a da peste oriental, em 1599. Até aí nada consta na história; e parece que os primeiros habitantes foram robustos e saudáveis, porque até 1575 só havia um médico em toda a ilha e com residência obrigatória em Angra. A célebre epidemia, que vitimou mais de 7:000 pessoas, foi importada num caixote de fazendas da Índia, aberto numa casa da Rua da Esperança, onde hoje funciona o Teatro Angrense, e no mês de abril daquele ano.


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O primeiro indivíduo que inspirou o ar contido no referido caixote, caiu fulminado pela doença; e com excessiva rapidez se propagou pela cidade e freguesias do campo à exceção da Agualva e do lugar do Posto Santo. Reunida a Câmara de Angra, por ordem do corregedor, deliberou-se a imediata destruição da casa por meio do fogo, que foi entretido, durante três dias, por grandes molhos de lenha, que o povo deitava para dentro das paredes da casa. Não foi possível extinguir o mal, com este meio; e no fim de poucos dias, entrava na Vila da Praia, vitimando 700 pessoas em poucas semanas. Reconhecendo-se a impossibilidade no tratamento de tantas pessoas nas suas próprias habitações, foram estabelecidas as seguintes casas de saúde: uma na Vila da Praia, na canada denominada da Saúde, e duas em Angra, sendo a primeira em São Bento, onde atualmente está a igreja do Livramento, e a outra na antiga travessa da Saúde, à Praça da Restauração, e que hoje já não existe. Terminou esta epidemia em novembro do mesmo ano, e a 20 de janeiro de 1600 arvorava-se a bandeira de saúde em toda a ilha, por ser dia do mártir São Sebastião. Em 1643, apareceu uma outra epidemia na Vila de São Sebastião, fazendo algumas vítimas, mas ignora-se a sua natureza; e em 1656, pela primeira vez, a epidemia de varíola, atacando de preferência as crianças até à idade de 15 anos. E como poucas escapassem a esta doença, foi denominado o «ano das bexigas». Em 1736 apareceu também uma grande epidemia na Vila da Praia, fazendo algumas vítimas, mas ignorando-se a sua natureza. Em 1741, nova epidemia em São Sebastião, apresentando como sintoma predominante a febre intensa. É de supor que fosse de febres tifoides, que não são raras naquela freguesia, e para o que contribui a existência dos charcos na vizinhança das casas. Consta, que neste tempo se procedia à desinfeção, fazendo queimar rosmaninho, murta, alecrim e outras ervas, com renovação constante do ar no interior das casas. Em 1754 e 1755, uma outra epidemia semelhante na Vila da Praia, ignorando-se também a sua natureza e número de vítimas, porque só em 1768 se começaram a organizar as estatísticas mortuárias, por ordem do capitão-general D. Antão de Almada. Apareceu em 1771 uma nova epidemia de tísica e escrófulas1 no Regimento de Angra, sendo necessário mandar para o Reino uma parte dos soldados. Em fevereiro de 1794, desenvolveu-se uma grande epidemia de escarlatina, que durou dois anos, vitimando muitas pessoas. Começou no Porto Martins, sendo um indivíduo de nome Vicente Coelho, vindo de Lisboa, o transmissor do micróbio.


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Alastrou-se esta epidemia por algumas freguesias, tornando-se mais intensa na Vila de São Sebastião e freguesia da Ribeirinha, sendo necessário enviar para aquelas localidades os médicos e farmácias volantes. Em 1800 apareceu novamente a varíola, que durou alguns anos, parecendo ficar endémica. Em 1806 aplicou-se pela primeira vez a vacina anti-variolosa, para o que veio de Lisboa um cirurgião especial para tal fim. Grande foi o número de crianças vacinadas; até que em 1808, desenvolvendo-se uma outra epidemia, que o povo atribuiu à vacinação, começaram a aparecer queixas contra tal medida sanitária, ocultando ao mesmo tempo as crianças. Este retraimento deu lugar a que, em 1811, recrudescesse a epidemia, sendo maior o número de vítimas. Pouco depois extinguiu-se a epidemia e só a vamos encontrar outra vez em 1845, na freguesia da Ribeirinha; em 1863 e 1864, com menor mortandade; em 1873 e 1874, principalmente na freguesia de São Mateus, e finalmente em 1887 e 1888, em que se tornou bastante grave, tendo o seu foco principal em Angra. Em 1891 e 1895 apareceram alguns casos de varíola, que foram imediatamente isolados no Castelinho, evitando-se desta forma a propagação da moléstia. Além da varíola, foi também visitada a ilha Terceira, pela coqueluche2 em 1882 e 1899, vitimando um grande número de crianças; pelo sarampo, em 1889 e 1900, e pelas febres tifoides em vários anos, sendo mais notável a epidemia que se manifestou em 1874 na guarnição do Castelo de São João Baptista. Para o estudo a que nos propomos fazer, faltam-nos ainda alguns pontos importantes a conhecer, e que têm um lugar importante na etiologia de muitas doenças reinantes nesta ilha. Orientação da cidade e seus arredores — Como vimos no princípio deste trabalho, a cidade de Angra, disposta em anfiteatro e exposta aos ventos do quadrante do sul, é cercada por várias serras, pelo lado do norte., as quais lhe opõem um abrigo aos ventos frios, mas facilitam, com bastante prejuízo para a saúde dos seus habitantes, a acumulação de grande quantidade de humidade, quando o vento predominante é SO, S. e SE. As nuvens, caminhando com estes ventos, muito próximas à terra, encontram obstáculo ao seu movimento pelo lado norte, e acumulam-se prodigiosamente, chegando muitas vezes a encobrirem numa espessa névoa quase toda a cidade e arredores; tornando-a muito mais húmida que às freguesias expostas ao norte, onde as nuvens caminham mais livremente e a maior altura. Clima— Pela sua posição e natureza geográfica, o clima da ilha


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Terceira está compreendido no grupo dos climas marítimos e temperados, onde se não observam grandes variações de temperatura; e ao mesmo tempo, o grau de humidade quase constante, como se pode ver no capítulo anteceder, leva-nos também a considerar o clima da ilha Terceira como bastante húmido. Canalização da água potável, e esgoto da cidade — No capítulo XX, tratámos das nascentes de água potável que possuía a ilha Terceira, e dos encanamentos empregados para a conduzir à cidade e às habitações. Vimos quão perniciosos podem ser para a saúde pública, não só os de barro ordinário que se tornam porosos no fim de poucos anos, como também os de chumbo; e se por felicidade nossa, não aparecem os envenenamentos pelos sais deste metal, é porque temos a nosso favor a natureza da água e a sua corrente constante. Ao lado da canalização da água potável, caminha a do esgoto, feita, na maior parte, de alvenaria cimentada, defeituosa na sua construção e condições de impermeabilidade; e é para lamentar, que, sendo a cidade de Angra tão acidentada e tão abundante em água, não possua ainda uma canalização de esgoto fácil, rápida e higiénica. Nas freguesias rurais, não há canalização de esgoto. Existem ainda as tradicionais fossas fixas e descobertas, próximas das habitações, estabelecendo-se a drenagem facilmente através do terreno; e junto a estas, os primitivos currais de porcos, sem limpeza alguma, formando tudo, no seu conjunto, uma atmosfera mefítica3 em volta das casas. Alimentação — A alimentação do povo terceirense é frugal; e dificilmente se tem habituado à culinária moderna nas freguesias rurais, onde há falta das principais substâncias alimentares e de meios pecuniários. O pão, fabricado com o trigo produzido na ilha, que é pouco e de má qualidade, e ao qual adicionam farinha importada, é geralmente feito com fermento de milho, juntando-se-lhe muitas vezes a batata-doce cozida. Não pode constituir, desta forma, um alimento de fácil digestão, se bem que possua bastantes princípios nutritivos. No campo, predomina o pão de farinha de milho mal fermentado. A carne é sempre de má qualidade, porque o gado abatido, ou é bravo ou cansado das lides do campo. O bom e cuidadosamente tratado, caminha em todos os paquetes para o mercado de Lisboa. Na culinária terceirense emprega-se em grande escala a gordura de porco derretida, o que torna a digestão mais morosa e difícil. A caça não é frequente; e o leite, geralmente bom e contendo um grande número de princípios nutritivos, devido à alimentação do gado, torna-se hoje um alimento perigoso, pelo grande número de casos de tuberculose que ultimamente tem aparecido no gado vaccum.


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No campo, a alimentação é geralmente herbácea, fazendo-se grande consumo do peixe seco e salgado. O uso das bebidas alcoólicas tem alastrado rapidamente por toda a ilha e com grande incremento, não sendo muito raros os casos de alcoolismo. Nos restantes géneros alimentícios, de que o povo pode lançar mão, encontram-se as mesmas falsificações, que hoje aparecem em todo o mundo civilizado. Habitações — Com grande dificuldade se tem conseguido insinuar no espírito do povo terceirense a construção moderna de casas de habitação, não só pela falta de arquitetos convenientemente habilitados e instruídos, mas também pela repugnância que, em geral, tem o povo para tudo o que é modernismo e diferente do que seus avós empregavam. As grossas e sólidas paredes de cantaria, através das quais não é possível fazer-se a evaporação, recobertas de espessa argamassa, e sobre elas um pesado teto de telha de barro ordinário, de indústria local, constituem o tipo geralmente usado nas construções domiciliárias, tanto na cidade como nos arredores, não se atendendo, no seu interior, à quantidade de luz que deva receber, nem à ventilação que deve ter. No campo, onde há falta de meios pecuniários, e ao mesmo tempo de operários, predomina um outro tipo de construção. As casas são, na maior parte, térreas, e as suas paredes feitas de alvenaria e toscamente argamassadas. Os tabiques modernos, são substituídos por frontais de madeira, circulando livremente o ar por sobre os diversos compartimentos da casa. Despreza-se também a quantidade e qualidade de luz necessária, e são geralmente as alcovas mais pequenas, as destinadas para dormitório, qualquer que seja o número de pessoas. E nalgumas freguesias, onde não chegou ainda uns leves rudimentos de higiene, não é raro ver-se, em convívio ameno, o cão, o porco, o gato e as galinhas, dormindo debaixo das mesmas telhas dos seus donos, assim transformadas em outras tantas Arcas de Noé. Movimento da população —Segundo as estatísticas oficiais, a população da ilha Terceira, tem sofrido, nestes últimos anos, as alterações que constam das tabelas seguintes:


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População da ilha Terceira Concelhos 1898 1899 1900 1901 1902 Angra do Heroísmo 32 823 33 624 32 939 32 902 32 758 Praia da Vitória 15 323 15 229 15 577 15 590 14 428 Total 48 147 48 853 48 516 48 492 47 186 Número de fogos existentes Concelhos 1898 1899 1900 1901 1902 Angra do Heroísmo 8 778 8 842 8 773 8 705 8 760 Praia da Vitória 3 992 3 993 4 030 4 030 4 039 Total 12 770 12 835 12 803 12 735 12 799 Nascimentos Concelhos 1898 1899 1900 1901 1902 Angra do Heroísmo 1 052 1 096 1 177 1 099 1 222 Praia da Vitória 552 512 597 561 580 Total 10 604 1 608 1 774 1 660 1 802 Óbitos Concelhos 1898 1899 1900 1901 1902 Angra do Heroísmo 680 1 139 839 776 645 Praia da Vitória 238 417 226 345 342 Total 918 1 556 1 065 1 121 986 Emigração Concelhos 1898 1899 1900 1901 1902 Angra do Heroísmo 343 321 576 654 915 Praia da Vitória



Sendo a superfície da ilha Terceira de 424 quilómetros quadrados, pouco mais ou menos, temos em média, para cada quilómetro quadrado 111,28 habitantes. Número de habitantes por fogo, em 1902 – 3,6 Média anual por cada 100 habitantes – 3,8 Média anual por cada 100 habitantes – 2,3


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Comparando estas tabelas entre si, deduz-se que a população da ilha Terceira tende a decrescer nestes últimos anos, devido à emigração sempre crescente para os Estados Unidos da América do Norte e Brasil. Quais as causas desta emigração? Durante muito tempo convergiu para a atual República do Brasil, onde, à custa de rudes trabalhos, muitas vezes superiores às suas forças, conseguiam alcançar um pecúlio mais que suficiente para se estabelecerem na sua pátria, sem mais trabalhos, e aqui viverem o resto da sua vida. Ultimamente, a emigração tem aumentado consideravelmente para a América do Norte; pois que, sendo um país mais saudável, excessivamente grande e grandiosamente industrial, é mais fácil ao emigrante encontrar colocação, de onde aufira maiores lucros com menos despesas. Para uns, é a ganância do dinheiro, despertada por este ou aquele vizinho que, vindo da América com um pequeno pecúlio, ostenta riqueza na sua freguesia; para outros, é realmente a necessidade de adquirir os meios de subsistência para a sua família, que os obriga a procurar além-mar, outros lucros que a sua pátria não dá. E não dá, porque a falta de indústrias, e o excessivo preço da sua alimentação, comparado ao seu salário, inibe ao trabalhador o concentrar um magro pecúlio no fundo da sua arca para viver no resto da sua velhice: e para aqueles, que de modo algum podem obter os meios de emigrarem, a sua alimentação torna-se deficientíssima. Resta-nos finalmente a enumeração das moléstias que mais predominam nesta ilha, tomando como base as estatísticas hospitalares, visto que, das outras, nada podemos colher por agora de positivo. Doenças gerais — De todas, a mais frequente, é a febre tifoide. Sobre este ponto convém notar que de há muitos anos aparecem nesta ilha, no princípio do outono, algumas doenças febris, com carácter epidémico, a que o vulgo dá o nome de febres gástricas, e que, não tendo o quadro sintomatológico completo da febre tifoide, tem contudo o mesmo ciclo


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febril, com as alterações características de cada período, apresentando os mesmos meios de contágio. A falta de um gabinete bacteriológico, impede-nos de determinar a rigor a natureza do micróbio patogénico desta doença, que, por enquanto, consideramos como forma benigna da febre tifoide. Aparece indistintamente em toda a ilha e na época acima indicada. O tifo exantematico não é conhecido entre nós, do mesmo modo que o cólera, febre amarela e o impaludismo. Em 1902, apareceu pela primeira vez nesta ilha, a meningite cérebro espinhal epidémica, causando algumas vítimas na freguesia da Ribeirinha, onde foi o seu foco, e em 1903 no Porto Judeu. Tomadas todas as providências que o caso urgia, e com o auxílio de um hospital provisório, conseguiu-se debelar esta epidemia que chegou a manifestar-se na cidade, onde o número de vítimas foi insignificante. A erisipela é frequente, apresentando-se com carácter grave, e atacando de preferência os membros inferiores. As febres eruptivas têm-se manifestado sempre sob a forma epidémica, como vimos no princípio deste capítulo. Doenças distróficas e discrásicas — Temos em primeiro o reumatismo, manifestando-se sob várias formas e espalhado por toda a ilha, o que não admira, em presença da humidade que constantemente envolve esta ilha, não só na atmosfera como também no subsolo. É mais frequente o reumatismo crónico, e pelas estatísticas vê-se mais frequentemente na cidade, Ribeirinha, Santa Bárbara, São Bartolomeu, Altares e Fontinhas. A gota, raríssimas vezes é manifestada, e só na cidade tem aparecido. Seguindo a ordem de frequência, ternos em primeiro lugar a anemia, ou melhor ainda a cloro-anemia, tão espalhada por quase toda a ilha e manifestando-se indistintamente em todas as camadas sociais. As suas causas múltiplas, e de todos conhecidas, foram já enumeradas neste capítulo. A diabetes tem-se manifestado ultimamente em diferentes pontos da ilha Terceira, com todas as suas variantes de forma e complicações. Durante muitos anos, foi desconhecida entre nós esta doença, e só, de longe em longe, aparecia um ou outro caso, se porventura o doente acusava o sabor adocicado na urina. Aos antigos diabéticos, cuja doença passava desapercebida por falta de meios de diagnóstico, davam o nome de héticos, pelo extremo de magreza a que chegavam. No grupo das doenças discrásicas, colocam-se o escorbuto e a escrófula, sendo mais frequente esta última na ilha Terceira, tanto na cidade, como nas freguesias rurais expostas ao quadrante do sul. Das doenças virulentas, só é conhecido o carbúnculo nesta ilha.


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Doenças do aparelho locomotor — A única que aparece com alguma frequência é o raquitismo nas crianças do campo, devido à sua má alimentação. Doenças do aparelho digestivo — São as mais frequentes na ilha Terceira, tendo por causas principais, a qualidade da água, e o uso excessivo da gordura de porco. A alimentação viciosa da primeira infância, concorre também muito, para aparecimento das gastrites e gastroenterites, manifestando-se, quase todos os anos, sob a forma epidémica, nos meses de maio e junho, em que muitas crianças morrem vítimas dos erros das suas mães. Há por costume, entre as classes pouco remediadas da cidade, e em todas freguesias rurais, começar a alimentação de um recém-nascido pelas sopas leite e, pouco depois de um ano, tudo o que a criança deseja; e não contentes com isso, têm por hábito entreter os pobres entes, no berço, com mamadeiras artificiais, formadas por um pequeno trapo de linho envolvendo pedaço de pão embebido em leite com açúcar. E durante algumas horas, estão as crianças sugando aquele líquido através do pano, às vezes mal lavado, e sobre o qual pousa a mosca ou outro insecto qualquer. Estes usos anti-higiénicos e perniciosos, vêm já dos seus antepassados difícil e será aboli-los. São frequentes as gastrites sob a forma crónica, em todas as idades, sexos e profissões, e concomitantemente as estomatites e faringites. As anginas catarrais e flegmonosas, tão frequentes na estação invernosa, raríssimas vezes se apresentam com carácter grave. A difteria, hoje tão espalhada pela Europa, só aqui tem aparecido sob forma esporádica, e de longe em longe. As enterites, tanto agudas como crónicas, são frequentes na estação calmosa, e tendo sempre como causa a alimentação. Finalmente, aparecem com pouca frequência as hepatites crónicas nos indivíduos que têm permanecido por algum tempo nos países quentes, e a icterícia, revestindo quase sempre a forma catarral. Estas doenças do aparelho digestivo, aparecem indistintamente em toda a ilha, sendo mais frequentes na cidade, arredores e freguesias de oeste. A ascite, pouco frequente na ilha Terceira, nota-se de preferência no sexo feminino, tendo geralmente como causa os tumores do útero ou ovários. Doenças do aparelho urinário — Aparecem frequentes vezes as cistites, na maioria dos casos de origem blenorrágica. As nefrites são raras, e mais raro o mal de Bright,4 que antigamente era conhecido entre o povo pelo nome de «tísica gorda». A hematúria, congestões renais e outras doenças dos rins, são ainda mais raras, sendo algumas desconhecidas na ilha Terceira.


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Doenças do aparelho respiratório — De todas as doenças que podem ter sede no aparelho respiratório, as mais frequentes são: a bronquite simples e crónica, a asma e a tuberculose. As laringites são muito raras, e as pneumonias não se manifestam com grande frequência devido às pequenas variações de temperatura. A coqueluche tem aparecido algumas vezes sob a forma epidémica, bem como o falso croup,5 produzindo algumas vítimas nas crianças. Durante muito tempo, eram raros os casos de tuberculose pulmonar, que se limitava quase à cidade. Hoje está espalhada por toda a ilha indistintamente, poupando ainda assim algumas freguesias que estão à maior altitude como é a Serreta, e outras expostas ao norte, como os Biscoitos e Quatro Ribeiras. As condições do clima, o grande número de indivíduos tuberculosos que regressam do Brasil, e a falta de conhecimentos, nas classes pobres, sobre os preceitos higiénicos a empregar em tal doença e os seus modos de contágio, constituem as causas principais do grande incremento que tem adquirido, nestes ultimo anos, tão terrível e devastadora doença. A asma é também frequente, manifestando-se sobretudo na cidade e freguesias expostas ao quadrante do sul. As pleuresias são mais raras, e quase sempre aparecem sob a forma seca, raras vezes purulenta. Doenças do aparelho circulatório — Não sendo muito frequentes estas doenças, ainda assim, as que aparecem, são, na maioria dos casos, lesões valvulares, e tendo geralmente, como causa dominante, a diátese reumatismal. Doenças do sistema nervoso — Entre as doenças localizadas no sistema nervoso, encontram-se com pouca frequência, as mielites, meningites tuberculosas, de preferência nas crianças, congestões cerebrais, e um ou outro caso de amolecimento cerebral; manifestando-se estas doenças na cidade e arredores. Das nevroses, as mais frequentes são a epilepsia, histeria, a coreia6 nas crianças, e muito raras vezes o tétano, sempre de origem traumática. Estas nevroses da primeira infância, tornam-se mais frequentes nas freguesias rurais da ilha do que na cidade, concorrendo para isso, a alimentação viciosa e má higiene. Alguns casos têm aparecido de alienação mental e idiotia, sendo em maior número no sexo feminino, e mais nas freguesias de oeste. Doenças da pele — As mais frequentes são: o eczema, ou simples ou conjuntamente com herpes, e atacando de preferência as extremidades inferiores e o coiro cabeludo nas crianças, seguindo-se, na ordem de frequência,


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o impetigo, ectima7 e as manifestações cutâneas da sífilis. São mais frequentes as primeiras nas freguesias do campo, expostas ao quadrante do sul, tendo como causa principal a falta de higiene e a alimentação. A lepra tuberculosa não tem, por enquanto, passado além de uma família na freguesia dos Biscoitos. Doenças dos órgãos dos sentidos — As mais frequentes são: as otites catarrais, quase sempre ligadas à diátese escrofulosa; as conjuntivites sob as suas diferentes formas; e a catarata, que geralmente é senil. Doenças cirúrgicas — As diferentes espécies de tumores, tanto malignos como benignos, têm aparecido indistintamente, sendo mais frequentes os carcinomas e fibromas da glândula mamária, que de outra região qualquer. A tuberculose óssea tem ultimamente aparecido com alguma frequência tendo como causas as já apontadas anteriormente. As varizes são frequentes, notando-se mais nas freguesias expostas ao nascente, enquanto que as hérnias, aparecem de preferência para oeste da ilha. Ignoramos qual seja a causa desta diferença, sendo sempre o mesmo género de trabalho nos campos, e as mesmas condições de meio. Temos finalmente no sexo feminino as metrites, salpingites e quistos do ovário, mais frequentes na cidade e arredores. A sífilis tem-se manifestado apenas na cidade, mas em pequena escala.


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