CAPÍTULO IV Restabelece-se o sossego na ilha Terceira; morte de Diogo de Teive; progresso das duas Capitanias e morte dos seus primeiros donatários Em 1474, desembarcava em Angra João Vaz Corte-Real, filho de Vasco Anes Corte-Real, casado com D. Maria Abarca, que o acompanhou, e trazendo consigo uma grande comitiva. Estabeleceu a sua residência nos paços de Álvaro Martins Homem, a quem pagou todas as despesas feitas. À sua chegada, estavam concluídos os seguintes melhoramentos na sua capitania: a igreja Nossa Senhora da Conceição e a da invocação de São Salvador, onde mais tarde se construiu a atual Sé Catedral, a canalização da ribeira de São João de Deus, a dessecação da atual Praça da Restauração, onde havia um grande pântano, o lançamento das principais ruas de Angra, que ele depois continuou, e, finalmente, o convento dos franciscanos, onde hoje está o Seminário e igreja de São Francisco. Na capitania da Praia, encontrou Álvaro Martins Homem, a igreja de São Sebastião no lugar da ribeira de Frei João, a capelania de Santo Espírito, em Vila Nova, e a paroquial de Santa Cruz da Praia, atual matriz. Cada um dos capitães do donatário tratou de organizar a administração pública e sistema governativo, que, nos primeiros anos até 1480, foi à semelhança dos consulados. A partir desta época, foram criadas duas Câmaras Municipais: uma em Angra, com três vereadores, um procurador do concelho, um tesoureiro e um escrivão, que só escrevia nos livros dos acórdãos, registo e livro de contas; outra na Praia, composta de dois vereadores, um procurador que servia de tesoureiro, e um escrivão. Havia também, em Angra,


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dois juízes ordinários: um servindo de presidente da Câmara, e encarregado da administração orfanológica; e o outro destinado ao despacho dos feitos cíveis e crimes, e podendo substituir o primeiro nas suas atribuições. Na Praia, a organização judiciária era a mesma. A eleição dos vereadores era trienal e feita por pelouros, segundo as Ordenações do Reino; e eram eles que depois procediam à eleição dos almotacés. Perante este aparato judicial, a primeira instância era constituída pelo juiz ordinário; e daqui se podia apelar para o tribunal do capitão do donatário, e dele para o grão mestrado, nos casos em que a apelação era permitida. Vendo Duarte Paim, que caíra no desagrado de D. Beatriz, por se não conformar com as suas determinações, voltou para a ilha Terceira, onde continuou em questão com Álvaro Martins Homem, que procurava alargar os limites da sua capitania, e, mais tarde, com seu filho Antão Martins, sendo sempre vencido, até que morreu sem ter conseguido os seus desejos. Foi nesta ocasião que para Diogo de Teive começou a expiação dos seus crimes, recebendo sempre sentença contrária em todos os pleitos por ele sustentados, e obrigando-o a recorrer até à última instância, que era o grão mestrado. Quis ele mesmo acompanhar os processos até Lisboa, julgando talvez que a sua presença seria o bastante para obter sentença favorável no tribunal superior; mas, sabendo previamente D. Afonso V, quais as suas perversidades, logo o mandou prender. D. Sancha Rodrigues d'Arce, tendo sido prevenida desta prisão, lançou-se aos pés de El-Rei pedindo justiça contra Diogo de Teive, a quem imputava o crime de assassinato na pessoa de seu defunto marido. Ouvida esta queixa com toda a atenção, por D. Afonso V, a quem sensibilizaram as lágrimas da desolada viúva, mandou intimar imediatamente o réu, na sua prisão, para que no prazo de dez dias desse conta de Jácome de Bruges, aliás procederia contra ele. Vendo Diogo de Teive que chegava a hora da expiação dos seus crimes, e que a sua consciência o arguia do mal que tinha feito, cheio de remorsos e vergonha, suicidou-se ao sexto dia, acabando por esta forma uma das causas principais da anarquia, que, por algum tempo, reinou na ilha Terceira. Restabelecido o sossego, entraram as duas capitanias no caminho do seu desenvolvimento rápido caprichando, cada um dos capitão do donatários, no engrandecimento da parte que lhe competia. Capitania de Angra A grande reputação em que era tido em Portugal o fidalgo João Vaz Corte-Real, e conhecida a grande fertilidade do terreno e do muito que faltava


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ainda por distribuir, deu lugar à vinda de muitos outros fidalgos do reino, com grande pessoal, tornando-se a capitania de Angra superior, em número, à da Praia. Em pouco tempo se arrotearam os terrenos à beira-mar, plantando vinhas e árvores de frutos, e fazendo construções onde se não podia cultivar os cereais, excetuando somente a parte do interior da ilha, aberta ao gado bravo, e que constituía os baldios, sendo os principais: a Queimada, o Sanguinhal e o Escampadouro. Abriram-se estradas, e estabeleceram-se povoações em diferentes pontos da parte ocidental da ilha, até que, em 1480, estava completa a edificação de Angra, pelo que foi elevada à categoria de vila. Para defesa da sua capitania, mandou João Vaz construir o Castelo de São Luís ou de São Cristóvão, onde hoje está o monumento a D. Pedro IV, sendo ao mesmo tempo, o primeiro presídio que houve em Angra, o qual se concluiu em 1493. Para o serviço religioso, concluiu-se a igreja de São Salvador, estabeleceu-se depois a igreja de Santa Bárbara, a primeira paróquia para o lado do poente; e a seguir, a capelania de São Mateus e a de Santo António, no Porto Judeu. Foi no tempo deste capitão do donatário que os Açores foram visitados, pela primeira vez, por um Bispo, D. João Aranha, que veio encarregado de crismar os açorianos e de conferir ordens sacras. Não parou aqui o zelo e dedicação de João Vaz Corte-Real: a par dos atos religiosos, mereceu-lhe uma atenção especial os pobres e infelizes doentes da sua capitania, para o que mandou edificar na Vila de Angra, o primeiro hospital da ilha, com o nome de Santo Espírito, o qual foi aprovado por Alvará régio de 15 de março de 1492. Neste hospital eram recebidos e tratados gratuitamente os pobres da capitania, concorrendo com seus serviços clínicos os religiosos franciscanos, enquanto não houve facultativo habilitado. Finalmente, auxiliou a edificação do convento de São Francisco e permitiu que os franciscanos se incumbissem gratuitamente do ensino da doutrina cristã, da instrução primária, gramática latina, filosofia, retórica e outras disciplinas. Fora da Vila de Angra, concluiu o arruamento na freguesia de São Sebastião, e pretendia fazer o mesmo em Santa Bárbara, para depois estabelecer duas vilas, ficando Angra como cidade. Este grande capitão capitão do donatário, cujo génio altivo e algo despótico, foi ofuscado pelos grandes melhoramentos efetuados na sua capitania, foi sempre estimado e respeitado no reino, chegando a obter algumas mercês. Quando, por Carta do 1.° de junho de 1489, El-Rei D. João II, doava a ilha Terceira e Graciosa a D. Manuel, Duque de Beja e de Viseu, este, não só confirmou João Vaz Corte-Real na capitania de Angra, como também lhe fez mercê da alcaidaria-mor do castelo de São Cristóvão e da ilha de São Jorge, por Alvará de 19 de maio de 1495.


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Pouco tempo gozou João Vaz o engrandecimento da sua capitania e das mercês que lhe foram conferidas, pois que faleceu em 1496, sendo sepultado na capela-mor da igreja de São Francisco. Sucedeu-lhe seu filho Vasco Anes Corte-Real. Capitania da Praia Menos abastado, mas da mesma forma altivo e empreendedor, foi Álvaro Martins Homem na sua capitania. Com o dinheiro recebido das mãos de João Vaz Corte-Real, pela venda das suas casas e moinhos de Angra, mandou construir oito na Agualva e três nas Quatro Ribeiras. Deu princípio a todas as igrejas da sua capitania, sendo logo criadas paróquias as de São Roque dos Altares, a de Santo Espírito de Vila Nova, e a de Santa Cruz na Praia; e tal impulso deu a esta parte da sua capitania, que foi elevada à categoria de vila, quase mesmo tempo que a de Angra. Para a defesa militar da Vila, mandou construir uma muralha, que mais tarde orlou a vistosa baía da Praia com alguns redutos, colocando-se abrigo de qualquer invasão inimiga ou dos piratas, que infestavam os mares dos Açores. Afonso Gonçalves de Antona Baldaia, fidalgo da Casa dos Infantes, e amigo íntimo de Álvaro Martins Homem, de quem era seu lugar-tenente, promovera a construção do convento de São Francisco, doando-lhe terreno seu, à semelhança do que fizera em Angra, e sendo seu fundador frei Simão de Novais. Pouco depois faleceu tão benemérito cidadão, sendo conduzido o seu cadáver para Angra, e sepultado em cova rasa no capítulo dos religiosos franciscanos angrenses, conforme a sua última determinação. Por este mesmo tempo, teve lugar a fundação do mosteiro da Luz, com 26 freiras, e fundado por Catarina de Ornelas. Não sobreviveu muito tempo, ao seu particular amigo, o capitão do donatário da Praia; e em 1482 baixava à terra o cadáver de Álvaro Martins Homem, sucedendo-lhe seu filho Antão Martins Homem, por Carta de 26 de março de 1483, passada na Vila de Moura.


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