CAPÍTULO II Continuação do governo absoluto até à morte de D. João VI Assinalou-se tristemente o novo governo absoluto com as prisões de cidadãos honestos e pacíficos, encerrados em negras enxovias, pelo crime de terem jurado a constituição ou manterem relações de amizade com alguns constitucionais. Prendiam-se os chefes de famílias honrados, injuriavam-se as esposas dedicadas, e maltratavam-se os filhos, com a aquiescência das primeiras autoridades da ilha Terceira, que, tão indignamente, se bandeavam com a populaça e a soldadesca desenfreada! Triste foi esta página da história terceirense, que tão fielmente reproduzia a de Portugal! Homens em cujo coração só devera existir a honra e o brio da sua pátria, deixarem-se levar pela loucura de uma política sem ideal, uma política de ódios e vinganças! Quantos crimes se não praticaram naquela época, em que os pais denunciavam os filhos, estes os irmãos, conservando entre si um ódio implacável, como se fosse um ódio de raça?! Quantas violências se não praticaram em Angra, levantando-se processos por crimes imaginários, alcunhando-se de hereges e jacobinos homens honestos e verdadeiros cristãos! E para cúmulo da desonra de uma classe que só devia apregoar a paz das famílias, valendo-se da santa religião cristã como um escudo invencível às paixões políticas, eram os próprios sacerdotes que, no púlpito e no confessionário, apoiavam e animavam o povo analfabeto à revolta. Desterravam-se para fora de Lisboa vultos importantes da política portuguesa, como Pato Moniz,1 o Conde de Subserra, o Marquês de Palmela, e outros, ao mesmo tempo que se absolviam outros, como o general Stockler, para o reconduzir a uma ilha onde fora um tirano


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Com a queda da constituição foi fácil aos três réus, Francisco de Borja Garção Stockler, frei Manuel Nicolau de Almeida e Caetano Paulo Xavier, obterem a absolvição no processo instaurado contra eles, a qual teve lugar no dia 10 de junho de 1823, sendo depois agraciado aquele general com o título de Barão da Vila da Praia e reintegrado no lugar de capitão-general dos Açores. Em ambos os partidos políticos se notou viva satisfação com o regresso de Stockler: uns, os absolutistas, antevendo novas perseguições aos constitucionais; e estes, esperando uma nova época de tréguas. O seu desembarque teve lugar no dia 17 de novembro de 1823, efetuando-se ao meio dia com salvas, repiques e girândolas, ao som de vivas entusiásticos, soltados pelo povo e autoridades que o acompanharam à igreja da Misericórdia, onde o general fez oração e ouviu um Te Deum, seguindo depois para o seu palácio. Vieram com o general as seguintes autoridades: José Diogo da Fonseca Pereira, corregedor; António Manuel da Fonseca Abreu Castelo Branco, juiz de fora para Angra; e António Justiniano Pegado Brotero, para igual cargo na Vila da Praia. Com a vinda de Stockler realizaram-se algumas solenidades religiosas, em ação de graças pela queda da constituição, sendo a primeira na igreja do Colégio, promovida pelo brigadeiro Vital de Bettencourt Vasconcelos e Lemos, a qual teve lugar no primeiro domingo depois da chegada do general. A 3 de dezembro do mesmo ano, outra solenidade religiosa na mesma igreja, promovida pelo seu capelão. A 18 do mesmo mês teve lugar o cumprimento de um voto feito pelos capelães e músicos da Sé a Nossa Senhora com o título da Boa-Hora, que se venera na ermida do Desterro, prometendo festejá-la solenemente se chegasse a verificar-se a queda da constituição. No 1.° de fevereiro do ano seguinte uma festa na igreja do Livramento, promovida por Luís Meireles do Canto e Castro; e, finalmente, a 8 do mesmo mês a festa a Jesus Cristo na igreja da Misericórdia, promovida pelo capitão-mor João Pereira Sarmento Forjaz de Lacerda. Assim festejaram os absolutistas a vinda do general Stockler e a queda da constituição portuguesa. Com a vinda das novas autoridades, fez-se um pouco de justiça a muitos dos infelizes que jaziam encerrados nas prisões, reconhecendo o corregedor, pela devassa a que procedeu, a improcedência das culpas, pondo-os em liberdade, o que não foi muito do agrado de Stockler; e, fazendo espalhar que, ocultamente, se tramava contra a sua vida, fez desterrar para a ilha de São Jorge, José Soares Silveira Estrela, António Moreira, frei Francisco da Avé Maria, Alexandre de Oliveira e André Avelino Homem; e a muitos outros caberia igual sorte se não tivessem a denúncia prévia e se não refugiassem antes da busca efetuada pelas escoltas.


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e instigando o povo ao extermínio dos pedreiros livres, nome por que eram conhecidos os constitucionais. A guerra civil estava iminente: bem a via D. João VI, mas como fugir ao ódio de sua esposa D. Carlota Joaquina e à espada de seu filho D. Miguel? Estes desgostos contínuos abalaram profundamente a saúde de El-Rei, que adoeceu gravemente no dia 4 de março de 1826, falecendo seis dias depois. Durante a sua doença, passou o governo de Portugal a sua filha D. Isabel Maria, que ficou presidindo a uma regência composta pelo patriarca de Lisboa D. Patrício da Silva, pelo Marquês de Valadas, pelo Conde dos Arcos e pelo Duque do Cadaval, até que o legítimo herdeiro providenciasse como quisesse.


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