CAPITULO C

 
O caso provavel
 

Se esse mundo não fosse uma região de espiritos desattentos, era escusado lembrar ao leitor que eu só affirmo certas leis, quando as possuo deveras; em relação a outras restrinjo-me á admissão da probabilidade. Um exemplo da segunda classe constitue o presente capitulo, cuja leitura recommendo a todas as pessoas que amam o estudo dos phenomenos sociaes. Segundo parece, e não é improvavel, existe entre os factos da vida publica e os da vida particular uma certa acção reciproca, regular, e talvez periodica, — ou, para usar de uma imagem, ha alguma cousa semelhante ás marés da praia do Flamengo e de outras egualmente marulhosas. Com effeito, quando a onda investe a praia, alaga-a muitos palmos a dentro; mas essa mesma agua torna ao mar, com variavel força, e vae engrossar a onda que ha de vir, e que terá de tornar como a primeira. Esta é a imagem; vejamos a applicação.

Deixei dito n’outra pagina que o Lobo Neves, nomeado presidente de provincia, recusou a nomeação por motivo da data do decreto, que era 13; acto grave, cuja consequencia foi separar do ministerio o marido de Virgilia. Assim, o facto particular da ogerisa de um numero produziu o phenomeno da dissidencia politica. Resta ver como, tempos depois, um acto politico determinou na vida particular uma cessação de movimento. Não convindo ao methodo deste livro descrever immediatamente esse outro phenomeno, limito-me a dizer por ora que o Lobo Neves, quatro mezes depois de nosso encontro no theatro, reconciliou-se com o ministerio; facto que o leitor não deve perder de vista, se quizer penetrar a subtileza do meu pensamento.