CAPITULO CVI

 
Jogo perigoso
 

Respirei e sentei-me. D. Placida atroava a sala com exclamações e lastimas. Eu ouvia, sem lhe dizer cousa nenhuma; reflectia commigo se não era melhor ter fechado Virgilia na alcova e ficado na sala; mas adverti logo que seria peior; confirmaria a suspeita, e chegaria o fogo á polvora e uma scena de sangue... Foi muito melhor assim. Mas depois? que ia acontecer em casa de Virgilia? Matal-a-hia o marido? espancal-a-hia? encerral-a-hia? expulsal-a-hia? Estas interrogações percorriam lentamente o meu cerebro, como os pontinhos e virgulas escuras percorrem o campo visual dos olhos enfermos ou cansados. Iam e vinham, com o seu aspecto secco e tragico, e eu não podia agarrar um dellos e dizer: és tu, tu e não outro.

De repente vejo um vulto negro; era D. Placida, que fôra dentro, enfiára a mantilha, e vinha offerecerse-me para ir á casa do Lobo Neves. Ponderei-lhe que era arriscado, porque elle desconfiaria da visita tão proxima.

— Socegue, interrompeu ella; eu saberei arranjar as cousas. Se elle estiver em casa não entro.

Saiu; eu fiquei a ruminar o successo e as consequencias possiveis. Ao cabo, parecia-me jogar um jogo perigoso, e perguntava a mim mesmo se não era tempo de levantar e espairecer, como um parceiro do whist. E então senti-me tomado de uma saudade do casamento, de um desejo de canalizar a vida. Porque não? Meu coração tinha ainda que explorar; não me sentia incapaz de um amor casto, severo e puro. Na verdade, as aventuras são a parte torrencial e vertiginosa da vida, isto é, a excepção; eu estava enfarado dellas; não sei até se me pungia algum remorso. Mal pensei naquillo, deixei-me ir atraz da imaginação; vi-me logo casado, ao pé de uma mulher adoravel, deante de um baby, que dormia no regaço da ama, todos nós no fundo do uma chacara sombria e verde, a espiarmos atravez das arvores uma nesga do ceu azul, extremamente azul...