CAPITULO CXI

 
O muro
 

Não sendo meu costume dissimular ou esconder nada, contarei nesta pagina o caso do muro. Elles estavam prestes a embarcar. Entrando em casa de D. Placida, vi um papelinho dobrado sobre a mesa; era um bilhete de Virgilia; dizia que me esperava á noite, na chacara, sem falta. E concluía: «O muro é baixo do lado do becco.»

Fiz um gesto de desagrado. A carta pareceu-me descommunalmente audaciosa, mal pensada e até ridicula. Não era só convidar o escandalo, era convidal-o de parceria com a risota. Imaginei-me a saltar o muro, embora baixo e do lado do becco; e, quando ia a galgal-o, via-me agarrado por um pedestre de policia, que me levava ao corpo da guarda. O muro é baixo! E que tinha que fosse baixo? Naturalmente Virgilia não soube o que fez; era possivel que já estivesse arrependida. Olhei para o papel, um pedaço de papel amarrotado, mas inflexivel. Tive comichões de o rasgar, em trinta mil pedaços, e atiral-os ao vento, como o ultimo despojo da minha aventura; mas recuei a tempo; o amor-proprio, o vexame da fuga, a idéa do medo... Não havia remedio senão ir.

— Diga-lhe que vou.

— Aonde? perguntou D. Placida.

— Onde ella disse que me espera.

— Não me disse nada.

— Neste papel.

D. Placida arregalou os olhos: — Mas esse papel, achei-o hoje de manhã, nesta sua gaveta, e pensei que...

Tive uma sensação exquisita. Reli o papel, mirei-o, remirei-o; era, na verdade, um antigo bilhete de Virgilia, recebido no começo dos nossos amores, uma certa entrevista na chacara, que me levou effectivamente a saltar o muro, um muro baixo e discreto. Guardei o papel e... Tive uma sensação exquisita.