CAPITULO CXXXIV

 
Cincoenta annos
 

Não lhes disse ainda, — mas digo-o agora, — que quando Virgilia descia a escada, e o official de marinha me tocava no hombro, tinha eu cincoenta annos. Era portanto a minha vida que descia pela escada abaixo, — ou a melhor parte, ao menos, uma parte cheia de prazeres, de agitações, de sustos, — capeada de dissimulação e duplicidade, — mas emfim a melhor, se devemos falar a linguagem usual. Si, porém, empregarmos outra mais sublime, a melhor parte foi a restante, como eu terei a honra de lhes dizer nas poucas paginas deste livro.

Cincoenta annos! Não era preciso confessal-o. Já se vae sentindo que o meu estylo não é tão lesto como nos primeiros dias. Naquella occasião, cessado o dialogo com o official de marinha, que enfiou a capa e saiu, confesso que fiquei um pouco triste. Voltei á sala, lembrou-me dansar uma polka, embriagar-me das luzes, das flores, dos crystaes, dos olhos bonitos, e do borburinho surdo e ligeiro das conversas particulares. E não me arrependo; remocei. Mas, meia hora depois, quando me retirei do baile, ás quatro da manhã, o que é que fui achar no fundo do carro? Os meus cincoenta annos. Lá estavam elles os teimosos, não tolhidos de frio, nem rheumaticos, — mas cochillando a sua fadiga, um pouco cobiçosos de cama e de repouso. Então, — e vejam até que ponto póde ir a imaginação de um homem, com somno, — então pareceu-me ouvir de um morcego encarapitado no tejadilho: — Sr. Braz Cubas, a rejuvenescencia estava na sala, nos crystaes, nas luzes, nas sedas, — emfim, nos outros.