AO LEITOR
 

 

Que, no alto do principal de seus livros, confessasse Stendhal havel-o escripto para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cincoenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra diffusa, na qual eu, Braz Cubas, se adoptei a fórma livre de um Sterne, de um Lamb, ou de um de Maistre, não sei se lhe metti algumas rabugens de pessimismo. Póde ser. Obra de finado. Escrevi-a com a penna da galhofa e a tinta da melancholia; e não é difficil antever o que poderá sair desse connubio. Accresce que a gente grave achará no livro umas apparencias de puro romance, ao passo que a gente frivola não achará nelle o seu romance usual; e eil-o ahi fica privado da estima dos graves e do amor dos frivolos, que são as duas columnas maximas da opinião.

Mas eu ainda espero angariar as sympathias da opinião, e o meio efficaz para isso é fugir a um prologo explicito e longo. O melhor prologo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de um geito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinario que empreguei na composição destas Memorias, trabalhadas cá no outro seculo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessario ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.

BRAZ CUBAS.