Memórias de um pobre diabo/Epílogo da Terceira e Última Parte

Agua vai!

Quem em dias de sua vida não pregou um calote?

Esperava o leitor que os meus conhecidos morressem apunhalados, e, sabidas as contas, apenas falleceram dous, em consequencia dos remedios das boticas!

Fallei em bodas e o Sr. Joaquim roeu-nos a corda.

Moraes no seu diccionario, a proposito da palavra—boi, cita estes versos:

Coisas ha hi que passam sem ser cridas,
E coisas cridas ha nunca passadas...

E eu, a proposito do amor, fui mais laconico que o veni, vidi, vici; tantas vezes citado e nem uma só comprehendido!

Puz em scena um enthusiasta do genio e não me referi ao—stultorum infinitus est numerus de Salomão!

Abiquei o Parnaso e não arenguei á cerca da impropriedade deste decasyllabo de Francisco Manoel:

Capri-barbi-corní-pedes-felpudos!

Agatanhei Plinio e não trouxe á balha o livro 7.º cap. 9.º onde diz que a—gloria para uma mulher é suspender das orelhas duas perolas!

Notei Pantagruel e não aproveitei este remate de um discurso, (vai a um de fundo):

dos
poros
dos
nossos
corações,
transuda
a
mais
pura
essencia,
que
póde
ser
respirada
pelo

olfacto
da
patria; [1]

para analysar o Tratado do Sublime do conselheiro da rainha Zenobia!

Embarquei Monica para a França e não lhe besuntei os labios com o adeus de Scipião ao sahir de Roma:

Ingrata patria, non possidebis ossa mea!

Tropecei no commumnismo e nem patavina com referencia á Republica de Platão, ou á Utopia do Moro, ou á Civitas solis de Thomaz de Campanella, o Calabrez, que nunca li.

Obviei... E' tarde.

Ah! se não fosse tarde! Só na applicação, que Monica fez da palavra monogamia (que não é palavra, conforme decidiram o capitalista e o seu guarda-livros), tínhamos materia para um in-folio, se, ácinte, eu pretendesse revoltar contra mim trezentos e sessenta e cinco doutores, pelo minimo. Mas é que tenho teiró ás inimizades.

E os plagiatos? Neste ponto o reverendo padre Severino fôra como um Potosi. Tem-lhe custado caro alguns! Rendeu-lhe, por exemplo, tres mezes de cama esta odesinha copiada, assignada e enviada a quem não a inspirara.

  A M....
  (O original dizia—A R....)
Não cumpriste o promettido,
      Teu marido,
Teu marido t'o-privou!
Não te salva essa desculpa...
      Teve a culpa,
Teve a culpa—quem faltou.

_____

Teu marido... oh que embaraço
      Erro crasso;
Erro crasso, e provo-o já;
Elle velava ou dormia:
      Que fazia?
Que fazia, dize lá?

_____

Se velava e... cobiçoso...
      Desejoso...
Desejoso em... te ameigar...
Entre os braços te-prendia;
      Não podia,
Não te-podia... obrigar...

_____

Se dormia—estava morto.
      Franco o porto...
Franco o porto estava então...
Mas, não dormia; velava,
      Devorava...
Devorava o meu quinhão...

_____

Adormeceste cançada,
      Fatigada,
Fatigada... Deus do Céo!
Elle tambem—fatigado,
      Do seu lado,
A teu lado adormeceu!

_____

E eu? lá ao sereno exposto!
      Dando o gôsto,
Dando o gosto ao meu rival,
De me vêr magro... e desfeito,
      Pelo effeito,
Effeito... da catarrhal!

_____

Não cumpriste o promettido!
      Teu marido,
Teu marido t'o-privou;
Não te salva essa desculpa:
      Teve a culpa
Quem com elle se fartou...

Pobre pastor!

Verificou-se-lhe no lombo o rifão—guardado está o bocado para quem o hade comer.

Eu compuz as estrophes e elle comeu a... sova!

Antes assim! que lhe faça bom proveito.

......

Leitor!... talvez não acredites e no entanto assim é: vou passar a limpo uma escriptura!

Se alguma vez eu escrever as minhas aventuras, abarrotar-te-hei de pasteis....

P. S.

posteridade!

—Fallei a puro esmo em quanto disse.... da minha pessoa. Quando escreveres a minha biographia procura em outra fonte os apontamentos, senão irás de gatinhas como até esta data em todas as mais... tens ido.

  1. Vide supplemento do Jornal do Commercio de 16 de maio de 1866, correspondencias do Norte. [N. do A.]