Memórias de um pobre diabo/Primeira Parte - Capítulo 3

Ouçam isto:

— Senhor meu sobrinho! abeire-se cá, sommemos as nossas contas. Ha dous mezes esteve vossê de cama, em risco de morrer entrevado, consequencias das suas sahidas de casa a deshoras; pondo novamente os pés na rua foi contrahir uma divida na importancia de oitenta e cinco mil e quinhentos réis; aqui tenho a nota:


1 Vestido de cambraia de côr com babados. 15$000
1 Chale de lã e sêda. 10$000
Dinheiro pedido. 6$000
Juros. 2$000
2 Pares de chinelas de saltinho. 6$000
1 Peça de morim francez. 8$000
1 Vidro d'agua de Colonia. 1$500
1 Dito de Patchouly. 1$000
1 Pente de tartaruga (imitação). 10$000
1 Pote de pomada. 1$000
1 Par de brincos (ouro de lei). 25$000
Rs... 85$500

pagos por mim ao Sr. Moreira, por honra das cinzas de meu irmão. Não satisfeito com esta compra, que vossê diz ter feito para seu uso, como se eu fosse algum pato, ave a mais estupida dos gallinheiros, tanto assim que sempre ouvi chamar pato a quem se deixa levar, sobretudo, pelos não me-deixes de certas mulheres; não satisfeito, dizia, ha oito dias recebeu vossê uma sova de peias, em resposta aos desaforados versos que dirigio á santa mulher do honrado visinho o Sr. Onofre. Somme as parcellas, subtrahindo a sova a seu favor, e veja quanto me resta? O embolso é a sua entrada para a escola de aprendizes marinheiros.... Vá aprender a ser homem....

— E os meus estudos, tio? balbuciei.

— Os seus estudos! replicou elle; o que estuda vossê?

— Oh tio! o latim....

— Sim, o latim.... ha quatro annos anda vossê estudando o latim; e o que sabe delle?

— Já declino os nominativos, tio....

Que vergonha! eu chegava aos 16 annos!