Memórias de um pobre diabo/Primeira Parte - Capítulo 5
Quando escrevi — O homem deve ser sceptico, eu sabia onde ficava a fonte de Helvecio, Rousseau, Spinosa e outros, que o Camarão conhecia igualmente, como no Japão a esta hora se sabe que hontem chegou o vapor do Norte! Mas tal nomeada de literato consummado ganhei na opinião dos ledores do Camarão, que a redacção do Lagarto, receiando desequilibrar a prosperidade, poz logo á minha disposição todas as suas columnas.
Respondi á offerta enviando a minha — Ella.
Tres dias depois, corria ella o mundo, inserta na 1.ª columna do 1.º numero da 2.ª serie do periodico, levando na cabeça este chapelinho:
«— A redacção do Lagarto sente ineffavel satisfação dando aos seus assignantes a grata noticia de haver o muito talentoso, muito sympathico e já assaz conhecido autor do — Homem deve ser sceptico, honrado as humildes columnas do nosso periodico com o prestigio do seu invejavel nome. A poesia abaixo inserta, verdadeiro primor da imaginação, fôra o melhor padrão da gloria de Petrarcha, se Petrarcha a escrevesse. Felicitamo-nos, pois, reconhecendo que o mavioso poeta deste torrão, reune em si conjunctamente as qualidades dos cysnes do Senna, do Tejo, de Thebas, de Albião, de Torento, da Ausonia, etc.»
Leiam a primeira estrophe d'ella:
— Não sei dizer se a flôr da larangeira.
É tão formosa, tão gentil, tão bella,
Como a flôr do jardim da phantasia,
A flôr do meu amor, a minha — Ella...
Quem souber, diga.
Vim a saber mais tarde que cysne Ausonio queria dizer — Virgilio; cysne de Torento — Torquato Tasso; Cysne de Albião — Miltão; cysne de Thebas — Pindaro; cysne do Tejo — Camões; cysne do Senna — Lamartine; cysne da... n'uma palavra, que todos os poetas tem o seu quê de pato.