Obrigado pela palavra a ir passar a noite com o corretor Miranda, lá fui hoje. Veio mais gordo da Europa, onde só esteve alguns meses; é o mesmo impetuoso de sempre, mas bom sujeito e excelente marido. Nada novo, a não ser um jogo, parece que inventado nos Estados Unidos e que ele aprendeu a bordo. No meu tempo não se conhecia. Chama-se poker; eu trouxe o whist, que ainda jogo, e peguei no meu velho voltarete. Parece que o poker vai derrubar tudo. Na casa do Miranda até a senhora deste jogou.
As filhas não jogaram, nem a cunhada, D. Cesária, que não acha recreação nas cartas; confessou (rindo) que é muito melhor dizer mal da vida alheia, e não o faz sem graça. Justamente o que falta ao marido, a quem sobra o resto. Cuidei que os dois estivessem brigados com o corretor, não formalmente, porque D. Cesária não briga nunca, arrufa-se apenas; cuidei que estivessem arrufados com o corretor, quando este e a família embarcaram. Estivessem ou não, a volta os reconciliou É uma das prendas desta senhora. Talvez tivesse dito mal da própria irmã ou do cunhado, mas tão habilmente se arranjou que os achei unidíssimos. Não sei o que ela dirá de mim, eu acho-lhe interesse, e preferi-lhe a língua ao poker; com a língua não se perde dinheiro.
Como se falasse da morte do Barão de Santa-Pia e da situação da filha, D. Cesária perguntou se ela realmente não casava. Parece que duvida da viuvez de Fidélia. Eu não lhe disse que já pensara o mesmo, nem lhe disse nada; não quis trazer a outra à conversação e fiz bem. D. Cesária aceitou daí a pouco a hipótese da viuvez perpétua, por não achar graça à viúva, nem vida, nem maneiras, nada, coisa nenhuma; parece-lhe uma defunta. Eu sorri como devia, e fui ouvir a explicação que me davam de um bluff. No poker, bluff é uma espécie de conto-do-vigário.