Qual! não posso interromper o Memorial; aqui me tenho outra vez com a pena na mão. Em verdade, dá certo gosto deitar ao papel coisas que querem sair da cabeça, por via da memória ou da reflexão. Venhamos novamente à notação dos dias.
Desta vez o que me põe a pena na mão é a sombra da sombra de uma lágrima...
Creio tê-la visto anteontem (22) na pálpebra de Fidélia, referindo-me eu à dissidência do pai e do marido. Não quisera agora lembrar-me dela, nem tê-la visto ou sequer suspeitado. Não gosto de lágrimas, ainda em olhos de mulheres, sejam ou não bonitas; são confissões de fraqueza, e eu nasci com tédio aos fracos. Ao cabo, as mulheres são menos fracas que os homens, — ou mais pacientes, mais capazes de sofrer a dor e a adversidade... Aí está; tinha resolvido não escrever mais, e lá vai uma página com a sombra da sombra de um assunto.
Também, se foi verdadeiramente lágrima, foi tão passageira que, quando dei por ela, já não existia. Tudo é fugaz neste mundo. Se eu não tivesse os olhos adoentados dava-me a compor outro Eclesiastes, à moderna, posto nada deva haver moderno depois daquele livro. Já dizia ele que nada era novo debaixo do sol, e se o não era então, não o foi nem será nunca mais. Tudo é assim contraditório e vago também.