Os dois filhos postiços do casal Aguiar não têm ciúmes um do outro, não se sentem diminuídos pela afeição que recebem dos velhos. Ao contrário, parecem achar que a porção de cada um cresce com a que o outro recebe também. Eis aí uma boa divisão de amigos; há casos em que os filhos de verdade não se mostram tão cordatos.
Mana Rita, a quem comuniquei esta impressão, acha também que é assim. Acrescenta, porém, uma reflexão mais fina que essa, e não tenho dúvida em a escrever aqui ao pé da minha, tanto mais que lhe repliquei com outra, não menos fina que a sua. Vá este elogio a nós ambos. Sempre há de haver quem nos desgabe um pouco, e aí fica já a compensação. Nem custa muito elogiar-se a gente a si mesma. Eis o que me disse a mana:
— Esse sentimento há de custar pouco ao Tristão, estando aqui de passagem.
Ao que eu repliquei:
— Também não lhe custará muito a Fidélia, sabendo que ele se vai embora daqui a pouco.
Escritas as palavras de ambos nós, entro a duvidar da finura dela e minha. Por mais rápida que fosse a passagem do rapaz, ele gostaria de se ver exclusivamente querido, e ela também a si. Penso outra vez que a qualidade do afeto filial é que os faz assim generosos e abertos. Repito o que lá disse acima: casos há em que não vivem com tanto acordo filhos verdadeiros.
Rita deu-me outras notícias da casa Aguiar, onde não piso há mais de uma semana, creio. Todas confirmam a comunhão de boa vontade da parte de moços e velhos. Os quatro passam os dias em conversa, e ontem a viúva Noronha tocou piano, um pouquinho, é verdade, mas tocou. Parece que já uma vez jogaram cartas. Rita disse mais:
— Fidélia, que desde que saiu do colégio nunca mais fez trabalhos de agulha, começa agora a imitar a amiga, e já ontem trabalharam juntas. Quando eu lá cheguei às duas horas da tarde e dei com elas, defronte uma da outra, movendo agulhas, você não imagina a alegria com que me receberam; D. Carmo mostrava um pouco de orgulho também, ou coisa parecida. Faziam um par de sapatinhos de criança. O trabalho de Fidélia não tinha a perfeição do da outra, e não estava tão adiantado, mas também o de D. Carmo podia ir mais depressa; talvez fosse intenção dela não deixar a moça muito atrás, e por isso iria demorando os dedos. Quis rir, perguntando a qual delas destinavam tais sapatos, mas não tive tempo; Fidélia disse-me que eram para o filho de uma criada de D. Carmo que fora dar à luz em casa do marido. D. Carmo ia começar o crochê quando Fidélia lhe apareceu, e quis acompanhá-la. Consentiu para não sair trabalho de velha.
O mais que a mana me disse não vai aqui para não encher papel nem tempo, mas era interessante. Vai só isto, que jantou lá e Fidélia também, a convite de D. Carmo. O velho Aguiar e Tristão tinham saído a passeio, depois do almoço, mas voltaram cedo, às quatro horas. Não viram a parada do dia de ontem (sete) apenas viram passar um batalhão, que não deixou impressão no moço. Todos os batalhões se parecem, disse ele. O hino nacional, sim, é que acordou nele algumas saudades do tempo de criança e de rapaz; assim o confessou, e daí nasceu a conversação musical que levou Fidélia ao piano. A viúva não tocou mais de quatro ou cinco minutos, e fê-lo a pedido de Tristão, que lhe citou um autor; Rita não se lembra que autor foi, mas achou bonita a música. Também se falou em coisas da Europa, e os dois ajustaram bem os modos de ver.
Ouvi tudo isso em Andaraí, onde fui jantar hoje com Rita. Propus-lhe vir comigo e irmos ao Flamengo, a mana recusou; estava com o sono atrasado, e queria dormir. Voltei só e fui à casa Aguiar, onde os quatro e o desembargador conversaram de festas religiosas, a propósito do dia santo de hoje. Ainda uma vez os dois deram impressões européias, e realmente ajustaram as reminiscências. As minhas, quando as pediram, ficaram naquele acordo de cabeça, que é útil, quando um assunto cansa ou aborrece, como este a mim.
Quando o tio e a sobrinha se foram, eu fiquei ainda um quarto de hora com a gente Aguiar. O resto amanhã; também eu estou com sono.