II

Reconhecimento geologico do terreno onde cahiu o meteorito Bendegó


Aspecto geral da zona percorrida

A rocha unica encontrada no terreno onde cahiu o meteorito de Bendegó é de gneiss, na maior parte em decomposição.

Alguns blocs de granito amontoados sobre pedreiras rasas e já decompostas guarnecem as margens do riacho Bendegó, outros desfilados em pequenos serrotes acompanham a direcção da Serra do Athanazio, que segue rumo de N. S. e solevanta-se distante nove kilometros das margens daquelle riacho.

Blocs isolados, tanto de gneiss como de granito, espalhados uns sobre a superficie do solo, outros mergulhados mais ou menos profundamente no terreno, e todos affectando fórmas arredondadas e collocações caprichosas, dão o caracteristico mais particular dessa zona exquisita do sertão.

Nestas paragens, como muito além do Bendegó, encontram-se grandes afloramentos de rochas em decomposição, contendo cavas profundas, naturaes ou abertas pelo homem por meio de fogo, com o fim de fazerem depositos de agua das chuvas.

Estas cavas, denominadas tanques de pedra, são geralmente cobertas de um engradado de madeira, cercadas de muros de pedra secca, e conservadas com especial cuidado por seu proprietario, que os considera um patrimonio da familia, e a bemfeitoria mais valiosa da propriedade.

O solo por toda parte é fraco, pobre e arenoso. A terra é regada unicamente com as chuvas torrenciaes das trovoadas, que transformam corregos insignificantes, por cujo leito se caminha a pé enchuto quasi todo o anno, em caudalosas torrentes provocadas por enchentes rapidas e perigosas, que sobem de seis a sete metros acima do leito ordinario, geralmente lastrado de seixos rolados de quartz, silex e gres dos mais duros.

A vegetação é escassa e enfesada, apparecendo apenas as arvores maiores no fundo dos valles junto aos riachos, isoladas ou em pequenos grupos.

Uma arborisação pouco corpulenta, crescida no meio de chapadões cobertos de bravios catingaes [1], onde predominam as familias das Cactaceas, Apocynaceas, Asclepiadaceas, Euphorbiaceas, Sapotaceas, Anacardiaceas, Leguminosas, Urticaceas, Smilaceas, Bromeliaceas, Loranthaceas, Malvaceas, Bombaceas, Plameiras e Polypodiaceas, etc., determina o principal caracteristico do sertão [2] da provincia da Bahia, por onde andámos.

O solo das catingas varia ; ora é calcareo, arenoso, ora argiloso, ora dioritico, ora granito-quartzo.

As especies peculiares á flora das catingas e as mais constantes são: [3]

Mandacarús diversos..... Cereus Scopa (D. C.).
Cereus mandacarú (Caminh.).
Cereus hexagonus (L. W.).
Cereus Jamacaru (S. Dyck).
Cereus geometrizans (Mart.).
Cereus flagelliformis.

Estes dous ultimos são tambem conhecidos vulgarmente pelos nomes de facheiro ou mandacarú de boi.

O mandacarú de leite é uma Euphorbiacea (a Euphorbia phosphorea).

Palmatorias diversas..... Opuntia brasiliensis (How.).
Opuntia elacta (Otto.).

Ha mais de uma cactacca com este nome nos sertões e catingas da Bahia, sendo as mais communs as que ficam indicadas.

Cabeça de frade.......... Varias especieis de Melocactus (Meloc. Hookerianus Gardn.) e de Echinocactus são assim chamadas.
Cansansão ou cansansão de-leite............. Jatropha urens ou Jatropha vitifolia.
Macambira............... Bromelia lacintosa (Arr. Cam.).
Icó...................... Capparis Icó (Eichl.) ou Colicodendron Icó (Mart.).
Umburana ou imburana Bursera leptophlœos (Mart.) ou Icica leptophlœos (Mart.).
Alecrim (arvore).......... Hypericum-laxiusculum (St. Hil.).
Candeia ou páo de candeia................. Piptocarpha rotundifolia (Baker).
Umbuzeiro ou imbuzeiro Spondias purpurea (L.) ou Spondias tuberosa (Arr. Cam.).
Imbaúba das caatingas... Cecropia-carbonaria (Mart.)
Gravatá................. Bilbergia patentissima (?).
Barba de pau............ Tillandsia recurvata (L.), e Tilland. usneoides (L.).
Catingueira............. Linharea tinctoria (Arr. Cam.).
Caranai ou palmeira espinhosa.............. Mauritia aculeata (Mart.)
Aricuri ou nicuri......... Cocos coronata (Mart.).
Assahi das caatingas..... Euterpe Catinga (Wall.) ou Euterpe molissima (B. Rod.) e var. Aurantiaca.
Barriguda............... Chorisia-ventricosa (St. Hil.) e Chor. crispiflora H. B. Kth.
Cajueiro anão ou do campo
Embirussú-da-catinga
Bombax Martianum
(Schum.) ou Carolinea
tomentosa (Mart).
Anacardium humile (St. Hil.).

« Ainda ha com abundancia a Favella, Chique-chique, Catinga de porco ou Pau de rato e Carahybeira, de que não podemos encontrar classificação.

A baraúna — Melanoxilonbraúna ; a Aroeira — Astronium sp.; o Itapicurú — Peltongyne sp ; o Ipé — Tecoma speciosa; a Caraiperana — Moquilea turiuva; o Genipapo — Genipa Brasiliensis; o Caixão — Curataris Estrellensis ; a Juréma — Acacia Jurema; e o Angico — Acacia Angico são os generos mais communs da vegetação dos valles.

A 20 kilometros do Bendegó encontram-se ossos fosseis espalhados sobre a superficie do terreno ou pouco enterrados no solo.

Tivemos occasião de vêr, no logar denominado Quebreguenhem, ossadas de animaes de domensões colossaes.

O Museu Nacional já possue alguns exemplares, posto que incompletos alguns e arruinados outros.

Estes ossos pertencem na maior parte ao genero Megatherium e Mastodonte.

E' quasi certa a existencia de importantes depositos de esqueletos de animaes gigantescos em outras lagóas bem proximas da que foi por nós visitada.

A falta absoluta de tempo para nos afastarmos do objecto principal da nossa commissão, e além de tudo a falta absoluta de competencia para irmos além do que nos é permitido fazer, tornam, infelizmente, incompleta esta exposição, que poderia ter sido muito interessante e proveitosa, si tivesse sido tratada por algum professional de reconhecida nomeada.

A Serra Geral, depois de dar passagem ao rio S. Francisco, investe pelo territorio bahiano na direcção Norte-Sul ; atirando ramificações para todos os lados, fórma systema com outras serras secundarias ; compondo deste modo o esqueleto rochoso da provincia, determina a formação especial dos differentes valles e o contorno caprichoso de sua hydrographia.

Entre as principaes ramificações da Serra Geral, na zona por nós percorrida, levantam-se serras que correm nos seguintes rumos :

    Serra do Sobrado, ao rumo de.............    6º NO
    Serra do Itú.............................       NO
    Serra do Lopes...........................   10º NE
    Serra do Acarú...........................   10º NO
    Serra do Athanasio.......................   20º NO
    Serra do Monte Santo.....................   11º NO
    Serra Grande.............................   30º NO
    Serra Branca.............................   20º NO
    Serra da Itiuba..........................       NS

As serras do Sobrado e do Acarú marcam a divisa das aguas do rio Irapiranga (em lingua indigena quer dizer peixe vermelho), vulgarmente conhecido como Vasa-Barris, com as do rio Itapicurú-Assú.

O Irapiranga nasce na serra do Itú e vai ter ao mar, depois de atravessar a provincia de Sergipe na direcção S E ; o Itapicurú-Assú tem as cabeceiras nas serras da Jacobina Velha, atravessa a provincia da Bahia do poente para o nascente, e vai levar ás costas do Atlântico as aguas dos seus mais notáveis tributarios desta parte do sertão, o Jacaricy, o Itapicurii-mirim, o Cariacá , o Riachão, o Rio do Peixe e outros.

O rio Jacaricy, principal tributário do Itapicurú-Assú, nasce na lagoa Sucuriúba, que fica entre as serras do Lopes e da Itiúba.

O Itapicurú-mirim tem as vertentes na Serra da Saude, além da Villa Nova da Rainha , hoje cidade do Bom Fim.

O rio do Peixe nasce na serra da Caracuanha , e o Cariacá na serra do Lopes.

O Itapicurú-Assú recebe o rio Jacuricy logo abaixo da villa de Santo Antonio das Queimadas; o Cariacá, antes de passar pela freguezia dos Tucanos; o Itapicurú-mirim a 12 kilometros acima da villa de Queimadas, e o Rio do Peixe depois de unido ao Riachão, a pouca distancia da estação do Rio do Peixe.

Tanto os rios Itapicurú-Assú e Itapicurú-mirim, como o Rio do Peixe e o Riachão, cortam o prolongamento da estrada de ferro da Bahia ao S. Francisco, que os atravessa, aquelles em pontes de 50m,0 de vão ; o Riachão em uma ponte de 30m,0, e dous braços do rio do Peixe, em duas pontes de 30 e 16m de vão.

O Itapicurú-Assú atravessa o prolongamento da estrada de ferro no 227k,603; o Itapicurú-mirim no 280k,612 ; o Rio do Peixe no 206k,600 e o Riachão no 200k,0.

Dos Serrotes das Pedras miudas e do Arraial nasce o riacho do Desterro , principal affluente do Bendegó, que tem origem em uma lagôa aberta na fralda oriental da Serra do Athanasio, e que depois de percorrer um valle apertado e tortuoso vai juntar-se ao rio Vasa-Barris na povoação dos Canudos a 45 kilometros da sua nascente.

O Bendegó em quasi todo o percurso é cortado por fortes paredões de pedra secca, levantados pelos moradores ribeirinhos, com o fim de represar os aguas durante a estação dos chuvas e dest’arte premunir-se para os dias calamitosos da secca.

A Serra do Lopes segue parallelamente á Serra Geral, a serra de Monte Santo, toda de quartzito, e a Serra Grande, formada na maior parte de schistos em decomposição adiantada, donde se destacam laminas de 0m,01 a 0m,02 de espessura e tamanho limitado, estendem-se na mesma direcção da Serra Grande.

As Serras do Garrote, Caixão, Manoel Alves, Damazio e do Engorda, que se inclinam sobre estas; finalmente, as Serras Branca e do Jabucunam, Santa Rosa, Capivara, Pedra d ’agua e de S. Sebastião, que correm do lado de Oeste da Serra de Monte Santo, e a Serra da Itiuba onde predomina o granito, o gneiss, os diuritos, e syenitos formam a linha de horizonte de uma grande zona formada de valles profundos, extensos, através dos quaes na época das trovoadas, as grossas chuvas de enchurradas rasgam sulcos immensos, que conduzem as aguas para o Itapicurú-Assú, unico rio de corrente constante em toda esta parte considerável do sertão da Bahia.

A falta de chuvas regulares dá á zona que percorremos um aspecto desolador, e a vegetação das gramineas e outros pequenos arbustos, que cobrem durante o inverno, a camada de areia mais ou menos espessa que se estende sobre os taboleiros, desapparece completamente durante a quadra abrazadora do verão.

Algumas lagoas fornecem agua de péssima qualidade, apenas para o consumo da criação.

Na parte do sertão que fica além da Serra Grande onde não chega o inverno, os criadores vêm-se na dura necessidade de dar agua aos animaes á ração, até que cheguem as chuvas de trovoadas que, abastecendo os caldeirões, tanques e ipoeiras, os colloca em melhores condições até o anno seguinte.

A miséria é grande, quando faltam as chuvas de trovoadas durante dous ou mais annos; no entretanto, logo que as regas naturaes apparecem em quantidade sufiiciente e nos épocas próprias, ha abundancia de excellenles e variados mantimentos.

As culturas unicas que podem resistir a essas irregularidades de rega e até mesmo a seccas prolongadas, são a do algodão e a do fumo, as quaes vão tendo felizmente grande desenvolvimento, graças á facilidade nos meios de transporte, que só agora tem-se aberto para os centros consumidores.

O thermometro centígrado á sombra chega muitas vezes a 35°.

As noites são frescas.

O sertão do província da Bahia que percorremos não se descreve, só se comprehende vendo. Fazemos nossas as palavras do professor J. M. Caminhoá, e aqui deixamos transcriptas as suas observações sobre o sertão, por isso que não temos a pretenção de dizer melhor.

Diz o professor J. M. Caminhoá :

« Ha um erro em que tèm incorrido muitos sábios e naturalistas que não estiveram no Brazil, e foram mal informados, e outros que aqui estiveram, mas visitaram os sertões sómente no tempo da sêcca; este erro consiste em considerarem aquellas paragens como desertos áridos, sem vegetação e inhabitaveis.

« Conforme a época em que é percorrido, apresenta paineis de natureza tão diferentes, mesmo tão oppostos entre si, que muitas vezes o naturalista, ou viajante custa crer que o sitio em que se acha seja o mesmo que alguns dias ou semanas antes fora por elle visto !

« Por occasião da Estação das aguas, o que equivale a dizer-se da vida, a vegetação é pujante e original, o céo limpido, e a natureza encantadora ; na época ou estação da sêcca os campos apresentam-se negros ou pardos, por causa da relva requeimada ; o solo, quando não é arenoso, greta-se profundamente; as arvores acham-se despidas de folhagens, e os galhos e ramos que morreram ficam por tal modo ressequidos, que em algumas especies basta o atrito de um no outro, para produzir-se fogo, que, se não ha o necessario cuidado, activa medonho incendio pelos estorricados arbustos e arbusculos ; incendio quasi inextinguivel, porque então só se encontra agua em pouca porção e em limitadissimos logares ; além disso ha grande risco para o gado.

« Chegada a estação quente e sêcca, cessa no sertão a verdura da folhagem, excepto nos Joazeiros (Ziziphus Joazeiro ), e em poucos outros, e a paisagem toma o aspecto de inverno rigoroso em climas frios, ou temperados ; mas distinguindo-se aqui principalmente pelas mattas de cactaceas gigantescas (mandacarús, palmatórias, etc.) e outras armadas de espinhos ; lembrando , até certo ponto, as Euphorbias cactoides que caracterisam o vegetação das bordas dos desertos africanos ; principalmente ao pór do sol, em que o horizonte no sertão é também rubro como alli, a irradiação do calorico é extraordinária, e a atmosphera tem até certa altura espessa camada de pó.

« Além dos cactos e do joazeiro, ha em geral raríssimas outras plantas que se conservam verdes durante a Estação sêcca nos sertões; por exemplo, uma utilissima , o umbúseiro, do qual nos occupamos adiante, e cuja rama ou folhagem, como a do joazeiro, serve para dar-se ração aos carneirinhos e ao gado miúdo em muitos logares.

« A’ noite, quando o céo é puro e bellissimo, e o brilho da luz planetaria se derrama através da atmosphéra, ha um espectaculo digno de não ser esquecido, por sua originalidade.

« Ouve-se ao longe e de vários pontos um canto monòtono e triste, ao qual depois succede um ruido acompanhado de nuvens de pó levantado pelo gado sequioso e faminto, que corre ao logar em que os vaqueiros, com archótes accêsos feitos de um Cereus a que denominam facheiro, queimam os espinhos dos mandacarús (Cereus Jumacarú e outros), das palmatórias (Opuntia) e de muitas outras Cactaceas, para que os animaes possam, pelo menos durante a noite e nos dias seguintes, ter alimento, e saciar a sêde no abundante liquido acidulo e agradavel contido nos cladódios daquellas plantas providenciaes em taes regiões!

« Os cactos, além de serem durante a sêcca o celleiro e o manancial do gado, alguns delles tèm a vantagem de accumular grande cópia de fécula nas raizes que, depois de assadas, ou raladas e reduzidas a farinha, também nutrem o homem.

« Das profundezas dos valles, em certas occasiões parte um ruido especialissimo proveniente das pás com que os vaqueiros cavam o leito dos rios seccos, para encontrarem alguma agua, ás vezes a um e mais metros de profundidade: chamam o isto fazer cacimbas ou poços, com cuja agua saturada de saes mitigam a sêde ao gado

« As cacimbas são excavadas muitas vezes no leito de rios navegaveis na outra estação por embarcações de regular calado !

« Nesta época as féras sedentas deixam os antros, e vèm até perto das habitações perseguir o gado ! A caça grossa (veados, caititús, etc.) é morta facilmente perto dos valles, ou onde ha cacimbas, e até junto das habitações; os pombas, juritis, perdizes e centenares de outras aves são apanhados quasi que a mão !

« Saint Hilaire escreveu o seguinte, tractando do sertão no tempo da sècca :

« Então um calor irritante acabrunha o viajante ; uma poeira incommoda se levanta sob seus passos, e algumas vezes mesmo não encontra-se agua para mitigar a sède. Ha toda a tristeza de nossos invernos com um céo brilhante e os calores do verão. »

« Este estado de cousas dura de um mez e meio a dois mezes, e mesmo a tres, quando não ha irregularidade das Estações.

« Ao cabo desta phase, ha um dia em que o atmosphéra se torna brumosa, o céo ennegrece-se, e prepara-se uma terrível tormenta ! E’ a proximidade das primeiras aguas.

« Cousa curiosa! Emquanto isto se dá, e logo que começam os primeiros, extensos e rápidos relâmpagos succedidos pelo estrondo do trovão, o gado saltita pelas encostadas e collinas, parecendo ter prazer, e como que prevendo as vantagens que disso lhe provirão !

« A chuva que então cahe é torrencial, mas os campos e estradas profundamente gretados absorvem-a totalmente a principio. Desprende-se então um cheiro especial de barro cozido, que tanto excita o apetite nos geóphagos.

« Ao cabo ás vezes de algumas horas, ou, quando muito, de alguns dias, a temperatura baixa, de modo que parece estar-se em clima bem diverso; principalmente si depois da trovoada continua a chuva incessante e fina; a vegetação revive nos campos , nas catingas e cerrados com tal vigor, que os renovos desabrocham em horas.

« O sólo, que era negro, fica em poucos dias coberto de um tapete esmeraldino, e os campos matisados, abundando principalmente em flores de vaqueiro (Sida ), cecèm e outros Amaryllis, mal-me-queres , etc .

« Em uma a duas semanas, além da relva, começa a florescencia pelos valles e mattos, onde as trepadeiras formando festões, ou enroscando-se aos caules das arvores, cobrem-se, como estas, de grandes, bellas e aromaticas flores.

« O umbuseiro (Spondios tuberosa) floresce logo, e pouco depois cobre-se de saborosos fructos agridòces e odoriferos, de cuja polpa misturada com leite, fazem alli uma deliciosa bebida , a umbusada, que é tomada só, ou com a coalhada escorrida (leite coalhado e sem o sòro).

« O páo d'arco (Tecoma), em logar de folhas, apresenta-se, tanto o roixo como o amarello, coberto de lindissimas e delicadas flores que dão um aspecto festivo e admiravel ás florestas ! Os mulungus ou murungús (Erythrina) das cèrcas nativas das malhadas e dos curraes, sem terem uma folha, sequer, cobrem-se tambem de flores de um escarlate vivo e deslumbrante.

« O ar que então se respira tem um aroma dos mais agradaveis e exquisitos !

« Os ribeirões, quando as aguas continuam por muitos dias, enchem-se, bem como vários rios.

« Uma temperatura de 16° a 18° centígrados á noute e pela manhã obriga a procurar agasalho aos que poucos dias antes dormiam ao relento e com calor.

« As aves que tinham migrado para as margens e logares proximos dos rios e mananciaes voltam a suas habitações.

« Foi alli que comprehendemos quanto é bem dado aos papagaios o nome especifico de festivus ! Com effeito, quando chegam os bandos destas aves a gritarem alegremente, acompanhadas das arapongas, chéchéos e de um sem numero de outras, começam logo o se animar aquellas paragens, e como que toda a natureza desperta ! Então, o sertanejo é feliz, e não inveja nem mesmo os reis da terra.

« Em breve começam as vaquejadas ou ajunctamento do gado bravio, para ser marcado com o ferro distinctivo da fazenda a que pertence.

« Vestido com seu gibão, perneiras, guarda-peito e chapéo, tudo de couro curtido, o vaqueiro cavalga dextro e veloz animal, e leva pendente da cintura a faca-de-arrasto, com que corta o cipoal, ou algum ramo espinhoso, que lhe impede a passagem, e ao lado o laço que habilmente maneja para prender a rez, que é por elle seguida sempre na corrida vertiginosa no campo, ou interrompida na catinga e na floresta.

« Os agricultores sertanejos sabem aproveitar a opportunidade para plantar legumes e hortaliças, milho e outros vegetaes que dão em pouco tempo, o que fazem logo depois de chuvas ou primeiras aguas que seguem-se ás primeiras trovoadas: taes chuvas, porque determinam o apparecimento das folhas das arvores, são tambem chamadas de rama.

« Depois de passada esta época, quando volta o calor, e á proporção que as aguas dos rios ribeiros vão baixando, elles plantam o fumo, a mandióca, aipim, melancia, abobreira, legumes, milho, e mesmo arroz, nas margens dos referidos rios e das lagôas e tanques, etc., onde se conserva a humidade por tempo quasi sempre sufficiente para obterem a colheita.

« A esta plantação no Ceará e em algumas outras provincias do Norte denominam da vasante.

« Ha duas épocas da sêcca, que são alli conhecidas pelos nomes de Verão de Outubro, e Verão de Março.

« Ha tambem duas épocas de abundancia naquellas paragens durante o anno, quando as estações correm com regularidade, e são no começo de cada um dos referidos verões, em que se colhem fructos do primeiros, que amadurescem no segundo, e vice-versa.»

Quadro das altitudes approximadas de pontos culminantes de diversas serras comprehendidas na zona explorada
DESIGNAÇÕES Altitude em metros
Alto da Santa Cruz na Serra de Monte Santo 781
Jabucunam Serra do Lopes 630
Carahyba 680
Pedra d’agua 720
Santa Rosa 800
Morro do Engorda 620
Lage 620
Serra Queimada 680
Serra Grande 630
Sera do Athanasio 630

  1. O professor L. M. Caminhoá, no seu tratado de Botanica Medica Geral, fasciculo XIII, na parte que se occupa da — Geographia Botanica — diz:
    CAÁ-TINGAS OU CATINGAS. — Esta palavra é tambem de origem tupinica, vem de caá, planta ou matto e tinga, espinhoso (fedorento?)
    Chamam-se assim certas mattas intertropicaes pouco espessas e pouco altas, de arvores tortuosas, e de arbustos em geral espinhosos, ou aculeados, que perdem as folhas pelo verão ; distinguem-se por ter poucos renovos, o cortex ser espesso e encrustado de Lichenes, etc.
  2. SERTÕES. - São zonas do interior do paiz, mais ou menos extensas, seccas e clevadas, de ordinario pouco productivas para grande numero de vegetaes, e caracterisadas por uma flora especial.
    A palavra sertão serve também ás vezes para significar um logar mais ou menos remoto, mesmo quando coberto de florestas ; como é empregada em varios pontos da provincia do Espirito Santo (Geographia Botanica do professor J. M. Caminhoá).
  3. Classificação do professor J. M. Caminhoá — Geographa Botanica.