Mote
Meu Deus, que será de mim?
Bungüê, que será de ti?
1:AlmaSe o descuido do futuro,
e a lembrança do presente
é em mim tão continente,
como do mundo murmuro?
Será, porque não procuro
temer do princípio o fim?
Será, porque sigo assim
cegamente o meu pecado?
mas se me vir condenado,
Meu Deus, que será de mim?
2:DemônioSe não segues meus enganos,
e meus deleites não segues,
temo, que nunca sossegues
no florido dos teus anos:
vê, como vivem ufanos
os descuidados de si;
canta, baila, folga, e ri,
pois os que não se alegraram.
dous infernos militaram.
Bangüê, que será de ti?
3:AlmaSe para o céu me criastes,
Meu Deus, à imagem vossa,
como é possível, que possa
fugir-vos, pois me buscastes:
e se para mim tratastes
o melhor remédio, e fim,
eu como ingrato Caim
deste bem tão esquecido
tenho-vos tão ofendido:
Meu Deus, que será de mim?
4:DemônioTodo o cantar alivia,
e todo o folgar alegra
toda a branca, parda e negra
tem sua hora de folia:
só tu na melancolia
tens alívio? canta aqui,
e torna a cantar ali,
que desse modo o praticam,
os que alegres pronosticam,
Bangüê, que será de ti?
5:AlmaEu para vós ofensor,
vós para mim ofendido?
eu já de vós esquecido,
e vós de mim redentor?
ai como sinto, Senhor,
de tão mau princípio o fim:
se não me valeis assim,
como àquele, que na cruz
feristes com vossa luz,
Meu Deus, que será de mim?
6:DemônioComo assim na flor dos anos
colhes o fruto amargoso?
não vês, que todo o penoso
é causa de muitos danos?
deixa, deixa desenganos,
segue os deleites, que aqui
te ofereço: porque ali
os mais, que cantando vão,
dizem na triste canção,
Bangüê que será de ti?
7:AlmaQuem vos ofendeu, Senhor?
Uma criatura vossa?
como é possível, que eu possa
ofender meu Criador?
triste de mim pecador,
se a glória, que dais sem fim
perdida num serafim
se perder em mim também!
Se eu perder tamanho bem,
Meu Deus, que será de mim?
8:DemônioSe a tua culpa merece
do teu Deus a esquivança
a folga no mundo, e descansa,
que o arrepender aborrece:
se o pecado te entristece,
como já em outros vi,
te prometo desde aqui,
que os mais da tua facção,
e tu no inferno dirão,
Bangüê, que será de ti?