—Eu me lembro tanto d’ella,
De tudo quanto era seu!
Tenho em meu peito guardadas.
Suas palavras sagradas
C'os risos que ella me deu.
Era mui bella e formosa,
Era a mais linda pretinha,
Da adusta Lybia rainha,
E no Brasil pobre escrava!
Oh, que saudade que tenho
Dos seus mimosos carinhos,
Quando c’ os tenros filhinhos
Ella sorrindo brincava.
Eramos dois — seus cuidados,
Sonhos de sua alma bella;
Ella a palmeira singela,
Na fulva areia nascida.
Nos roliços braços de ebano
De amor o fructo apertava,
E á nossa bocca junctava
Um beijo seu, que era vida.
Quando o prazer entreabria
Seus labios de roixo lirio,
Ella fingia o martyrio
Nas trevas da solidão.
Os alvos dentes nevados
Da liberdade eram mytho,
No rosto a dor do afflicto,
Negra a côr da escravidão.
Os olhos negros, altivos,
Dous astros eram luzentes ;
Eram estrellas cadentes
Por corpo humano sustidas.
Foram espelhos brilhantes
Da nossa vida primeira,
Foram a luz derradeira
Das nossas crenças perdidas.
Tam terna como a saudade
No frio chão das campinas,
Tam meiga como as boninas
Aos raios do sol de Abril
No gesto grave e sombria
Como a vaga que fluctua,
Placida a mente — era a Lua
Reflectindo em Ceos de anil.
Suave o genio, qual rosa
Ao despontar da alvorada,
Quando treme enamorada
Ao sopro d’aura fagueira.
Brandinha a voz sonorosa,
Sentida como a Rolinha,
Gemendo triste sosinha,
Ao som da aragem faceira.
Escuro e ledo o semblante,
De encantos sorria a fronte,
— Baça nuvem no horisonte
Das ondas surgindo á flor;
Tinha o coração de santa,
Era seu peito de Archanjo,
Mais pura n' alma que um anjo,
Aos pés de seu Criador.
Se junto á cruz penitente,
A' Deus orava contricta,
Tinha uma prece infinita
Como o dobrar do sineiro ;
As lagrimas que brotavam
Eram pérolas sentidas,
Dos lindos olhos vertidas
Na terra do captiveiro.