CAPITULO VIII

Casamentos pobres e casamentos ricos

 

 

Uma das accusações mais frequentes que hoje se dirigem aos homens é que elles são egoistas, interesseiros, que introduzem o calculo e as finanças no que devia ser um impulso espontaneo do coração, que confundem um pouco nos seus sonhos do futuro o mercantilismo e o amor.

Eu, que não gosto de julgar sem ter conhecido ao menos as causas que produzem um certo e determinado effeito, lembrei-me de observar de perto, nos costumes e praticas de todos os dias, se eram realmente bem cabidas as censuras frisantes que por ahi ouço continuamente á porção mais feia da humanidade.

Uma cabana e o teu coração! eis o que antigamente soluçavam aos pés das suas deusas de biscuit os trovadores de algodão em rama.

Um rez de chaussée muito commodo e quatro contos de réis de rendimento! eis o minimo a que hoje aspiram nas suas suspirosas alegrias os pretendentes mais positivistas da nossa quadra utilitaria e mercantil.

Mudou a tal ponto o coração humano, que já os sinceros e impetuosos sentimentos não possam acclimatar-se n’elle?

Isto caminha n’uma tal e tão rapida decadencia, que tudo que era bom, honesto, sincero no amor, tenha fugido assustado para outras regiões ainda inexploradas?

Sinceramente não o acreditamos.

Em primeiro logar, em todas as épocas e em todos os paizes, o desinteresse absoluto, o completo desprendimento dos bens da terra, foi cousa muito rara, e muito para notar-se com espanto.

Que o digam os claustros sem conto, povoados de pallidas monjas juvenis, que o mundo expulsava do seu seio, por não têr que lhes dar nenhuma das alegrias naturaes que são o apanagio mais caro da mulher!

Se alguma differença temos que apontar são as conquistas alcançadas pela familia, nos terrenos que até aqui usurpara o egoismo e a ambição do homem.

Mas, admittindo mesmo que se accentue na nossa época, com uma certa força o interesse pessoal, que é um dos elementos mais esterilisadores que póde existir na sociedade, não demos só ao homem a culpa de essa tendencia nefasta.

É incontestavel que á proporção que as civilisações se desenvolvem, crescem as necessidades, cresce o amor do luxo, sem que para todos cresçam proporcionalmente os meios de satisfazer essas aspirações fataes.

Não é portanto espantoso, que o homem, ainda o mais dedicado e crente, antes de tomar aos hombros o pesadissimo encargo da familia, meça as suas forças, calcule com precisão mathematica os meios de que dispõe para cumprir as obrigações que acceita, e muitas vezes diante da grande desproporção que encontra entre aquelles e estas, suffoque a voz do sentimento e siga os austeros e aridos conselhos da razão!

É que a familia, tal como está constituida na sua generalidade, estabelece um grandissimo desequilibrio entre os deveres do homem e os deveres da mulher.

Se a esta, em face da consciencia e da razão, cabe a tarefa mais espinhosa, a missão mais elevada e mais complexa, nem por isso, logo que ella fecha os ouvidos a esta voz superior que tão poucas escutam e que tão poucas entendem, se acha realmente forçada a outra cousa que não seja consumir sem produzir, receber sem dar, acceitar protecção, amparo, ajuda, sem pagar estes beneficios com beneficios equivalentes.

Queixam-se do homem porque elle conta com o dote da noiva, e este entra com bastante peso na balança dos seus affectos.

Que dizem então da mulher que casa para ser livre, para ser independente, para ter diamantes e rendas preciosas, para frequentar os bailes, os theatros, os passeios, para ser uma taboleta ambulante do luxo real ou do luxo hypothetico do ménage?

Imagine-se, por instantes um rapaz moço, intelligente, cheio de aspirações sãs, de boa vontade e de energia, dotado de ricas faculdades intellectuaes, capaz de conquistar á força de perseverança, de trabalho e de privações, um lugar distincto na sciencia ou na industria, na politica ou no magisterio.

Não tem dinheiro, ou tem apenas uma pequena fortuna que o pae lhe legou, juntamente com um nome honrado.

Sente a natural aspiração de completar a sua existencia, unindo-se á mulher que mais ou menos lhe povoou os sonhos de adolescente.

Não tem tempo para escolher; absorve-o o trabalho a que forçosamente tem de consagrar quasi todas as suas horas.

Não tem um conhecimento profundo da natureza feminina.

Os nossos costumes com as suas reservas hypocritas, com as suas precauções restrictas, que dão idéa pouco lisongeira do pudor e da castidade das mulheres portuguezas, oppoem-se a que o homem tenha d’ellas um conhecimento que não seja frivolo, ridiculo, superficial — o conhecimento que se adquire em uma sala entre duas quadrilhas sensaboronas, ou n’um camarote durantre um entre-acto cheio de tedio.

Não póde pôr-se pelo mundo á busca de uma excepção: o molde das nossas meninas da sociedade varia muito pouco.

Todas sabem bordar a matiz, tocar a Somnambula e o Trovador ao piano, fazer housses de crochet, papaguear em duas ou tres linguas puerilidades comicas, dançar os Lanceiros e criticar as amigas intimas.

N’estas circumstancias o que póde fazer o pobre moço?

Ou resistir ás solicitações impetuosas da mocidade, á necessidade instinctiva que sente do conchêgo de familia, d’aquelle sweet home que tanto imperio tem no coração de todo o homem de pensamento e de trabalho; ou tem de contentar-se com a escolha feita á pressa de uma d’essas rachiticas flôres de salão.

É desinteressado no sentido mais amplo da palavra, tem aquellas santas utopias que são a suprema riqueza dos vinte annos; na sua escolha impera tudo menos o calculo e a arithmetica.

Prefere, pois, uma noiva pobre.

Applaudem-lhe a generosa imprevidencia; gabam-lhe os sentimentos honestos e cavalleirosos; envolve-o um certo prestigio durante uns poucos de mezes.

Os mezes da lua de mel.

— Portou-se admiravelmente! — exclamam as mamãs, contemplando com ar piedoso as filhas sem dote, e envolvendo na sua furia rancorosa os dandys que andam á pesca de noivas ricas, pelas aguas turvas da nossa sociedade.

Resultado pratico de tudo isto: seis mezes depois de casado, o nosso pobre heroe vê-se a braços com todos os encargos de um ménagea que falta o conchêgo e a alegria. Como não teve tempo de fazer-se amado, como o amor é no fim de contas um genero carissimo que o coração das meninas de hoje prodigalisa muito pouco, encontra em casa ao voltar das luctas quotidianas, a que se arrojou com novos alentos e nova fé, um acolhimento frio, um rosto desconsolado, uma mulher que finge resignação e que só tem despeito, porque o casamento lhe não deu nenhumas das frivolas vantagens que lhe promettera.

Tinha sonhado com toilettes elegantes, uma robe