Mulheres illustres do Brazil/Emigradas pernambucanas

EMIGRADAS PERNAMBUCANAS


 

Mathias de Alburquerque, apezar da tactica das suas «companhias de emboscada», que tanto damno fizeram aos hollandezes, desesperado por não poder libertar o Recife, lançou fogo aos vastos armazens e navios, inutilisando assim uma grande fortuna.

Se bem que esse alvitre o reduzisse á miseria, comtudo salvava a consciencia de homem de rija tempera, no cumprimento do dever. Olinda já estava perdida; desapparecia dos seus calculos, Rio Formoso, Affogados, Iguarassá, Rio Grande, Parahyba e até mesmo Porto Calvo e Villa Formosa de Serinhaem.

Achava-se vazio, por esse motivo, o lar pernambucano. A desgraça fazia victimas, em proveito da liberdade.

Á roda do illustre portuguez, aggregavam-se oito mil familias, desoladas, que, semelhantes ao povo hebreu, procurava refugio sem como aquelle ter a esperança de uma terra da promissão.

No desespero patriotico de se não tornarem captivos, tratavam de conservar a vida internando-se pelos sertões, atravessando montes, valles, florestas e campinas, dormindo á beira das lagôas, encontrando animaes ferozes, indios bravios, exhaustas, sem recursos, a alimentarem-se de fructos silvestres, soffrendo, com mil horrores, molestias que lhes sobrevinham, inclusive as febres que em taes circumstancias faziam dizimas para a morte.

As lagrimas quentes e mal enxutas que lavavam os rostos desses desgraçados, cahiam mais abundantes, ao ver aqui, afrouxar o passo o adolescente; sem meios, sentir a mãe desfallecer no seio o filhinho recemnascido; além, entre abrólhos, abrirem-se duas, tres, quatro sepulturas, onde a tosca cruz deixada por mão amiga, testemunhava a dôr e a saudade.

Entre os emigrantes, diz Damião de Fróes, acompanhava o marido, D. Clara Camarão, que consolava aquellas martyres sem eguaes, traçando talvez na idéa o plano que a fêz a partilhar das lacunas immorredouras da nossa historia.

Além dessa, com quem faremos conhecimento no proximo capitulo, vamos encontrar uma ascendente de pessoa muito conhecida nossa.

Entre varias senhoras da primeira sociedade da colonia, salientava-se D. Catharina, filha de Pedro Camello e de sua mulher D. Maria Camello, que nessa época, — 1635 — achava-se viuva de Pedro de Albuquerque, filho de Jeronymo de Albuquerque e da virtuosa princeza Arco Verde, de quem já fallámos no segundo capitulo destes esboços[1].

Esta patriota era mãe do capitão Pedro de Albuquerque que, em 1632, com oitenta homens apenas de guarnição, commandando o reducto do Rio Formoso, resistiu ás forças contrarias, que só se apossaram do forte depois da perda total da pequena força que o defendia, e quando já o seu chefe muito ferido, escapou com um delles, a nado, não obstante o sangue que perdia.

Chegado que foi o momento azado, com duas filhas e uma sobrinha tambem viuva, eil-a em pobreza voluntaria alistando-se no numero dos expatriados.

Além dessas, ainda, outra tambem muito nobre por ser filha do instituidor dos morgados do Cabo e de Jurissáca, João Paes Velho Barreto e de sua mulher, D. Ignez Guardez. Como estas, innumeras senhoras, e ricas, gozando das regalias que a fortuna proporciona, despresaram-nas somente por amor da patria, a troco da propria existencia, tão preciosa e tão cara!...



  1. Houve ainda uma segunda emigração dirigida por Felippe Camarão e onde muito se distinguiu, não só O marido de D. Clara como tambem Francisco Rebello e Henriques Dias, que commandava como sempre o seu batalhão de pretos.